Por Maurício Rands*
No Inquérito 4957, a PF investiga milícias digitais e a tentativa de golpe de 08 de janeiro. A investigação constatou que várias pessoas instrumentalizaram redes sociais, em especial a X, para ameaçar e coagir delegados federais que atuam na investigação. A rede social X foi intimada em 07/08, em 12/8 e em 16/8, a bloquear os perfis desses investigados. Nunca cumpriu essas ordens judiciais. Dobrando a aposta, a X culminou por evadir seus representantes legais da X Brasil para evitar ser intimada.
Reagindo à desobediência da X, o ministro Alexandre Morais prolatou decisão, em 28/8, instando-a a designar em 24h o novo representante legal e a cumprir as decisões anteriores. Dessa decisão, mandou intimar as partes por meios eletrônicos. E mandou postar a intimação no perfil do STF na própria rede social. A plataforma continuou a descumprir todas essas ordens.
Aí, em 30/8, ele prolatou nova decisão, na Petição 12.404-DF, determinando: “a suspensão imediata, completa e integral do funcionamento da “X Brasil Internet Ltda” em território nacional, até que todas as ordens judiciais proferidas nos presentes autos sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicado, em juízo, a pessoa física ou jurídica representante em território nacional”.
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Do ponto de vista técnico-processual, o ministro relator Alexandre Moraes cometeu pelo menos um acerto e um erro em suas últimas decisões no Inquérito 4957. As críticas processuais foram basicamente duas. A primeira foi quanto à opção do ministro pela intimação de Elon Musk, “Twitter International Unlimited Company”, “T. I. Brazil Holdings LLC”, “X Brasil Internet Ltda.”, “Starlink Brazil Holding Ltda.” e “Starlink Brazil Serviços de Internet Ltda”, “inclusive por meios eletrônicos”, em sua expressão. Trata-se de intimação de pessoas jurídicas, além da pessoa física Elon Musk, sobre uma decisão que pode ser feita por meios combinados.
Pela ciência tomada pelos advogados constituídos nos autos. E também pelos meios eletrônicos, que incluíram a postagem da intimação na própria plataforma X. Quando um réu manobra para evitar ser citado, o direito processual prevê a citação por hora certa e, sucessivamente, por edital. No caso deste Inquérito 4957, a tentativa de evadir-se das decisões judiciais está documentada.
Logo, o ministro poderia intimar as partes por edital, do qual a postagem pode ser um sucedâneo. Note-se que todas as PJs envolvidas estão incorporadas no Brasil, têm CNPJ indicado nos autos e, portanto, representantes e endereços no Brasil. Podem ser intimadas por todos os meios admitidos em direito. Entre os quais os meios eletrônicos. Como dispõe a Resolução 693/2020, do STF, que altera a Resolução 661/ 2020. Como se vê no acórdão do STJ, de 12/9/23, “a citação por meio eletrônico, quando atinge a sua finalidade e demonstra a ciência inequívoca pelo réu da ação penal (…) não pode ser simplesmente rechaçada, de plano, por mera inobservância da instrumentalidade das formas” (STJ – AgRg no HC: 764835).
Ou na decisão do STF no Inq: 4923 DF, publicada em 27/01/2023. Vê-se, pois, que a intimação das PJs pelas redes sociais neste caso do inquérito 4957 já vinha sendo admitida pelo STF e pelo STJ. Ademais, por força do art. 239 do CPC, “o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação”. Depois que o STF postou a intimação da decisão de Alexandre Morais no perfil do STF mantido na rede X, o próprio Elon Musk e as PJs deram declarações e postaram “memes” reagindo ao conteúdo da intimação. Atraíram, assim, a aplicação do art. 239 do CPC por terem agido como se espontaneamente tivessem se informado da decisão judicial. Não se pode tecnicamente, por tais motivos, considerar ilegais as intimações determinadas por Alexandre Morais na própria rede X.
O mesmo não se pode dizer quanto à ordem de bloqueio das contas de uma das empresas do grupo, a Starlink. A segunda decisão controversa. Para tanto, o ministro precisaria ter aberto o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art.133 do CPC, garantindo o contraditório e a ampla defesa. Como isso não foi observado, a decisão é falha neste ponto. Como é falha do Inquérito 4957 ter vício de origem, não ter objeto preciso e já ter se arrastado por tempo excessivo.
Estes erros técnicos, todavia, não impedem a conclusão pelo acerto geral das medidas ordenadas para que a jurisdição brasileira seja observada pela rede X, que a vinha desobedecendo sistematicamente. As empresas de Elon Musk agem com dois pesos e duas medidas. Nos EUA, Europa e Índia têm cumprido ordens judiciais restritivas diante dos abusos que o X comete sob o manto da liberdade de expressão.
Curvam-se naqueles países, ao tempo em que pretendem furtar-se ao cumprimento das decisões judiciais no Brasil. Como se esta fosse terra sem lei. E insistem no desafio ao criar na X o perfil “Alexandre Files” para vazar decisões sigilosas do STF. Enganou-se Elon Musk porque as instituições não se curvaram ao seu ataque à soberania nacional. As decisões de Morais devem ser confirmadas pelo pleno do STF.
E atraíram matérias favoráveis em grandes jornais como The New York Times, Washington Post, The Guardian e Le Monde. Ganham redes sociais similares ao X, como Threads e BlueSky, que poderão recolher parte dos 21 milhões de usuários do X. Espera-se apenas que essas redes também não se tornem tóxicas como o ex-Twitter, que virou espaço privilegiado para a retórica de ódio da extrema-direita a que se filia Elon Musk. O episódio mostra que o CN precisa votar o PL 2630/20 para criar normas de transparência e bom funcionamento das plataformas.
*Advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
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