Homenagem ao jornalista José Almir Borges

Por Jorge Santana*

Ainda muito jovem, José Almir decidiu “ganhar o mundo”, entretanto, o Recife o ganhou, pela sua simpatia, comunicação alegre e facilidade de fazer amigos e conquistar espaços na imprensa e na sociedade pernambucana. Trabalhou em jornal, televisão e fez parte de seleto grupo que assessorava governadores. Com zelo e capacidade resolvia as questões da área à qual pertencia. Nasceu na cidade maranhense de Colinas no dia 6 de dezembro de 1945 e seus pais, Manoel Borges Araújo e Raimunda Alice de Araújo, deram-lhe o nome completo de José Almir Borges. Com ele conversamos no dia 17 de fevereiro de 2011.

OPÇÃO

Quando terminei o ginásio na minha cidadezinha do interior, aos 18 anos, pensei em partir para São Luís, Recife, a cidade mais importante do Nordeste, ou São Paulo, preferida pelos jovens da minha época. Optei pelo Recife, aonde cheguei em 1964, um mês depois da Revolução. Depois de um mês e quinze dias empregado num escritório de contabilidade, fui dispensado. “Por quê? Acho que não fiz nada demais.” E o chefe: “Por isso mesmo. Aqui cada um tem que fazer alguma coisa, e você não fez nada” (risos). Meu segundo emprego foi numa firma de eletrodomésticos, onde passei dois meses. Estudava no Colégio Pedro Augusto, mas tive que sair porque não podia pagar. Também não podia pagar moradia, por isso passei por todas as pensões dali e parei num quarto em cima da Padaria Santa Cruz.

JORNALISTA

O Colégio Pedro Augusto tinha um torneio de futebol de salão. Entrei no time, fiz gol, um cara do Jornal do Commercio gostou e me chamou para fazer um estágio lá, em 1966. Comecei no arquivo, de onde me comunicava constantemente com a redação, o que me levou a ser jornalista, formado na Universidade Católica de Pernambuco. Tive como colegas pessoas que se projetaram na imprensa local e nacional, como Ricardo Noblat, Antônio Lavareda, Fernando Machado, Vera Ferraz, José Lúcio Costa, Orismar Rodrigues, Ana Guimarães e Ivaldo Calheiros. Um dia, Ronildo Maia Leite, então no Diário da Noite, propôs a Gilberto Prado, do JC, que eu fizesse a cobertura dos pequenos clubes sociais (1972). Era uma coluna diária, chamada Society nos Bairros, e foi uma grande oportunidade para conhecer os encantos do mundo boêmio do Recife (risos). No mesmo ano, o produtor de TV Miguel Santos me colocou no júri do show de Jota Ferreira. Participei também de um programa de TV semanal com Alexandrino Rocha e Fernando Calheiros.

SUCESSO

A coluna cobria mais de cinquenta clubes da Região Metropolitana do Recife e já estava chegando ao interior. As escolas de samba, que faziam festa somente no fim do ano, começaram a promover sambões a partir de setembro para arrecadar dinheiro. Surgiu o concurso de garota do bairro. Também vieram as gafieiras do Atlético, um monte de promoções.

A COLUNA

Acho que uma coluna de sociedade nos bairros caberia muito bem na Folha de Pernambuco. Até já houve conversa comigo nesse sentido, mas não prosperou. Caberia também no Aqui PE, um jornal popular. É verdade que muitos clubes de bairro fecharam, entre os quais o Yolanda, no Jiquiá, o único do Estado de Pernambuco que bancou Roberto Carlos no auge da carreira na década de 70. Daqueles clubes todos, restam o das Pás, ainda no auge, das Águias, dos Cisnes, dos Oficiais da Aeronáutica, o Recreativo CTTU, a Associação Celpe, o Sítio do Pica-Pau Amarelo, o Sargento Wolf, o de Cabos e Soldados, o Treze do Vasco, o Atlético Clube de Amadores e o Clube da Polícia Militar. Acho que a prefeitura do Recife ou algum órgão estadual deveria apoiar esses clubes. Assim como existem o Marco Zero e os polos de Carnaval, deviam existir clubes para famílias da periferia, sem condições de deslocamento.

NAMORO

Namorei muito nos clubes de bairro, sem nenhuma intenção de casamento. Miguel Santos me apoiava: “Resista o quanto puder”. Aos 33 anos, idade de Cristo, me casei. Trabalhando no governo do Estado, eu viajava muito para o interior e dizia à minha mulher: “Prepare uma malinha pequena que eu vou a Petrolina”. Quando eu ia ao Rio ou a São Paulo, tinha que ser uma mala maior. E à noite eu ia aos clubes de bairro. Mas, um dia, cheguei em casa às sete e meia da manhã e ela disse: “Sua mala está pronta”. Eu falei: “Não vou viajar”. E ela: “Vai, e não volta mais”. Eu fui morar na casa dos meus sogros. O irmão dela me adorava: “Você não vai embora coisa nenhuma. Bota essa mala aqui”. Depois de seis meses lá, me casei com outra. Desses dois casamentos, tenho três filhos: Rômulo, formado em administração; José Almir Borges Filho, formado em ciências contábeis; e a menina, que é psicóloga.

PALÁCIO

Em 1971, Aldo Paes Barreto era secretário de Imprensa de Eraldo Gueiros Leite. Eu estava começando, mas fui aproveitado por Aldo. Quando Marco Maciel assumiu, a coisa se complicou. Ele não dormia, não comia, mesmo fazendo regime para engordar. Eu tinha de abastecê-lo de notícias de manhã, de tarde e de noite. Ângelo Castelo Branco era o secretário e botou mais gente para me ajudar. No governo de Moura Cavalcanti, houve um episódio engraçadíssimo. Marcos Vilaça telefonou da APL: “Manda um repórter aqui”. Chegou uma notícia de Brasília dizendo que Nelson Ferreira ganhara uma medalha. Sem conhecer ninguém, anotei tudo, fiz a notícia e no outro dia saiu na primeira página que Mauro Mota ia receber a medalha. A culpa sobrou para Marcos Vilaça, que ditou tudo errado e eu apenas copiei (risos).

QUEIXA

No governo de Moura Cavalcanti, era o repórter José Almir quem viajava para Orobó, Cabrobó e Orocó. Quando o destino era Rio de Janeiro, São Paulo, Minas ou Brasília, viajava Fernando Menezes. Queixei-me disso. Moura ficou sabendo e, bravo que só, mandou me chamar. Pensei: “Estou demitido”. E ele disse: “Quarta-feira há uma viagem a Brasília e você vai”. Mandou Fernando Menezes me escalar: “José Almir, vai você e ele”. Em pleno voo, Fernando me disse: “O valor da sua diária não dá para pagar as despesas de um hotel em Brasília, mas vou quebrar seu galho. Você dorme comigo na cama de casal” (risos). Já no quarto, lá para as tantas, ele ligou para a mulher: “Onde você colocou o remédio para enxaqueca?” Sobrou para mim. A mulher dele esqueceu o remédio da enxaqueca: “Não vou dormir, nem você. Vamos ficar conversando a noite toda” (risos). Fernando Menezes sempre foi uma pessoa muito engraçada. Houve gente que me ajudou muito profissionalmente: Magno Martins, Carlos Cavalcante, Givanildo Alves, Wilson Soares.

SONO

Terminado o expediente, Marco Maciel reunia os secretários. Numa dessas ocasiões, lá pela meia-noite, ele lembrou que pela manhã teria de ir a Brasília e só então liberou quem ia viajar com ele: “Aluízio, vá para casa dormir um pouco”. Uns vinte minutos depois, Marco disse: “Esqueci de perguntar a Aluízio uma coisa importante. Liga para a casa dele”. A mulher de Aluízio atendeu: “Ele chegou tão cansado que foi direto para a cama sem jantar, mas se o senhor quiser eu chamo”. Marco disse: “Não, deixe-o dormir”. E fez este comentário: “Gosto de Aluízio, é trabalhador e um bom rapaz, mas dorme demais” (risos).

SECRETÁRIO

Ângelo Castelo Branco continuou secretário de Imprensa no governo de Roberto Magalhães, até Marco Maciel ir para o Ministério da Educação. Então Castelinho foi para Brasília e alguém deveria substituí-lo aqui. Eu já era segundo no Palácio do Governo, mas o nome de Fernando Menezes surgiu fortíssimo, amigo de Gustavo Krause, que era o vice-governador. Aldo Paes Barreto veio também à tona, assim como outros nomes de colegas. A essa altura da disputa, resolvi assumir o lugar que, em 1982, Marco Maciel me arranjara no Bandepe. Paulo Fernando Craveiro era o assessor de imprensa de lá. Mas, no Diario de Pernambuco, o colunista político José Adalberto Ribeiro lembrou meu nome: “José Almir está dentro do palácio há quinze anos quase, conhece o Estado todo, a imprensa inteira”. O governador deve ter lido isso e mandou me chamar: “José Almir, de todos os nomes, o seu foi o que mais somou, sobretudo na base. Por coincidência, era o nome que eu também queria, mas ouvi todo mundo. Então estou perguntando: você aceita?” Eu disse que aceitava e assumiria no dia seguinte, antes que ele se arrependesse (risos). No outro dia, às nove horas da manhã, eu tomei uma lapada de cana desse tamanho (risos). Fui o único secretário até o fim do governo de Roberto Magalhães, uma figura extraordinária. Ele me deu acesso livre.

Tenho uma história interessante para contar, ocorrida nesse período. Um dia, eles estavam reunidos lá em cima, com a luz vermelha acesa para ninguém interromper, era sinal fechado. Então chegaram para mim e disseram: “Morreu o prefeito de Surubim. Quem vai lá é você, rapaz, que é o secretário de Imprensa, levar a notícia”. Eu disse: “Não botem esse negócio para mim, não”. Não teve jeito. Eu fui lá, bati, abri um pouco a porta bem devagar e ele, lá de longe, gritou: “O que é?” Me aproximei rápido e disse: “Excelência, é o seguinte: o salário melhor daqui do palácio é o meu, eu não vim pedir aumento. Eu quero dizer ao senhor que morreu o prefeito de Surubim e achei que devia saber” (risos). E ele: “Ah, então esse doido está dizendo que morreu o prefeito. Tenho que tomar uma atitude agora”. O governador imediatamente interrompeu a reunião e foi tomar as providências. Quer dizer, num caso como esse, você poderia interromper, porque o assunto era da maior importância, mas ele não aceitava você chegar lá e dizer uma besteira ou um negócio qualquer.

PEQUINÊS

Dona Jane, a primeira-dama, criava um pequinês chamado Saci, que mordia o calcanhar dos visitantes. Um dia, cheguei ao palácio calçando botas e o governador percebeu: “José Almir, você é algum vaqueiro para estar de botas aqui no palácio?” Eu disse: “Com aquele cachorrinho mordendo a gente, como vou continuar meu trabalho?” (Risos). Ele aproveitou o momento e comentou: “Essa coluna de clube de bairro não pega bem, porque você vai ser porta-voz do meu governo, vai falar por mim. De repente, preciso usá-lo e você está no Mangabeira, no Bom Sucesso, não sei onde”. Eu falei: “Mas governador, como o senhor sabe, tudo tem começo, meio e fim. Um dia terei que voltar para o jornal e fazer essa coluna. O jeito é colocar lá uma pessoa para me ajudar e a coluna sai com o pseudônimo de Jabo”. Ele perguntou: “Quem é Jabo?” E eu respondi: “Jabo é José Almir Borges”. Ele disse: “É você de novo. Por que você não bota Maquiavel?” E ficou Maquiavel. Mas Gilson Oliveira, o repórter que me ajudava, bebia mais do que eu e não entregou a coluna. Quando o procurei em casa, ele estava internado na Prontolinda. Eu tive que escrever tudo sem ter estado na festa. Difícil foi me explicar com minha mulher.

BANDEPE

Eu estava no Bandepe quando Magno Martins foi secretário de Imprensa de Joaquim Francisco e me chamou para ser seu secretário adjunto. Fiquei somente por um ano, por causa de problema de saúde. Voltei para o Bandepe porque era mais do que uma secretaria estadual, pois tinha cento e cinquenta e quatro agências no Nordeste todo, no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo.

MEDALHAS

No governo de Moura Cavalcante, recebi a medalha de cavaleiro. No de Marco Maciel, a medalha da Ordem do Mérito dos Guararapes – Grau Comendador. No de Roberto Magalhães, a medalha Grau Grande Oficial. Já nos clubes de bairro foram tantas medalhas que até se repetiam. “Essa já tenho”, eu dizia às diretorias.

ANJO

No prefácio de um livro meu, Alex me chamou de “anjo boêmio dos subúrbios”, porque eu teria “vencido esse território de almas simples, talvez ainda o velho reduto da boemia neste Recife de arranha-céus silenciosos”. Ainda fico todo emocionado quando lembro essa frase. Foi Alex que me deu a primeira oportunidade de assinar matéria numa revistinha que era encartada aos domingos no Jornal do Commercio. Depois ele me deu uma coluna sobre os clubes grandes, mas não me adaptei, porque meu negócio era clube de bairro. No Mangabeira, quando eu chegava, eles botavam uma grade de cerveja debaixo da mesa. Era muita cachaça, e o casamento acabou naquela história da mala. Minha única exigência era bom tratamento. Quando eu chegava, tinha que receber atenção. Dinheiro, nunca. Por isso eu estou pobre do mesmo jeito. Quando o DN fechou, fui para o JC. Nunca fui discriminado abertamente, mas sentia que minha coluna não foi bem-recebida no terreno das figuras ilustres do Jornal do Commercio. Achavam que o lugar dela era no Diário da Noite. Mas Ivanildo Sampaio me deu toda a cobertura: “Você vai ficar aqui pelo tempo que quiser”.

INCOMPATIBILIDADE

Trabalhei dezessete anos seguidos no JC, de onde saí para o Palácio do Governo e depois para o Bandepe. Mas não deu para conciliar as noitadas dos clubes e Ivanildo Sampaio, que me chamou de novo. Passei, então, mais oito anos e me aposentei do Bandepe, porque não tinha mais disposição.

SAUDADE

Tenho saudades do meu tempo no Jornal do Commercio. O melhor que eu achava era viajar. No banco era bom porque eu ganhava bem, mas era trabalho monótono. Do palácio eu gostava demais, porque era uma festa de bebida e comida até no governo de Marco Maciel. Uma vez acabou uma reunião da Sudene e o superintendente disse: “Vamos para o almoço”. E Marco Maciel disse: “Nós não vamos, não. No avião tem uns salgadinhos” (risos).

FIDELIDADE

Depois de aposentado, fiquei ajudando doutor Roberto Magalhães em algumas coisas, mas não quis ir para Brasília. Ficava aqui, à disposição para levá-lo aonde fosse preciso. Eu e meu amigo Gilberto Marques Paulo, que foi secretário de Roberto. Esse também tem uma história fabulosa, mas também nunca escreveu. Eu até disse a ele: “Eu, que sou matuto do interior do Maranhão, escrevi um livrinho que só eu aguento, e você, com uma história rica e bonita dessa…” Mas ele não se interessou.

RECADO

Eu fico muito honrado e muito agradecido por ter participado deste encontro. Já vinha acompanhando o seu trabalho tanto na televisão como no rádio, quando Miguel Santos me disse que você iria fazer um trabalho com relação à imprensa pernambucana e que meu nome estava selecionado, o que me deixou muito alegre e orgulhoso. Acho que isso preenche e completa minha trajetória nessa área. Eu só digo o seguinte: as pessoas simples que vêm do interior ou as daqui mesmo da capital podem chegar a qualquer lugar, mas o maior instrumento não é o QI (quem indique) em vigor, porque eu não tinha, ninguém conhecia a minha família, ninguém sabia quem era meu pai, quem era minha mãe; quem me indicou foi o meu trabalho. O que eu fiz durante os quinze anos no palácio foi conquistado com muito trabalho e dedicação. Foi isso que Roberto Magalhães me disse. Aos colegas da nova geração, digo que trabalhem com seriedade, estudem e se atualizem. Assim chegarão lá, como cheguei, apesar de matuto maranhense pobre e totalmente desconhecido.

*Jornalista. Entrevista publicada no livro “Jornais e jornalistas – Imprensa pernambucana” (2012).