Há pessoas que chegam ao mundo como que predestinadas a serem agentes de transformação. Fazem da vida um reinado de alegria, de entendimento divino, de conexão com a natureza e de uma impermeabilidade diante das adversidades. Pessoas que, até astrologicamente, já trazem um símbolo de força, de brado firme e de coragem. Nascem sob a regência do Sol e do signo de Leão.
Vivem com esse impulso, de pegada e voz firmes, de emanar proteção e liderança. Assim foi em vida a nossa cunhada Socorro Martins: uma valente com maestria. Alguém que teve a firmeza como aliada, a fortaleza para abrigar a família e os amigos, e um sorriso que ecoava aos quatro cantos.
Hoje, seu corpo deixa o Sertão. As ruas e espaços de Afogados da Ingazeira já não ouvirão seus passos firmes, mas guardarão suas pegadas e seu exemplo de determinação.
Seus braços queriam abraçar o mundo e ela não perdia um minuto em procrastinação. Quem sabe sua intuição já a alertasse para o breve tempo de sua missão – breve para as horas humanas, mas não para o tempo de Deus. Agora, seu espírito fará morada no mundo celeste, mas as sementes que deixou precisam seguir firmes e fortes: os filhos Olga e Luiz Augusto.
O abismo da dor dilacera a todos, especialmente seu companheiro de jornada, nosso irmão Augusto Martins. Essa é uma hora que chega para todos, mas, por mais espiritualizados que sejamos, ninguém está verdadeiramente preparado para essas despedidas. No caso dela, a viagem veio ainda mais de forma inesperada. Nossa limitação humana não nos permite entender o motivo, a forma e o dia. Também não nos compete conhecer os desígnios de Deus.
Hoje, um município inteiro se levantou para prestar-lhe uma homenagem que encheu as ruas, mostrando o reflexo de alguém que não veio a passeio e que, para Deus, cumpriu sua missão.
Agradecemos por sua presença em nossa família, pelas brincadeiras que animavam os encontros. Agradecemos por todo o cuidado com sua família, por toda a contribuição à sua cidade e à sua gente.
Parabéns por sua vida. Nosso pedido ao Pai Maior é que restaure a esperança, amenize esta dor e conceda a força necessária para que sua família possa continuar as jornadas que também lhes foram confiadas.
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar”. (Eclesiastes 3:1–4)
O corpo da minha cunhada Socorro Martins, que morreu num acidente de carro domingo passado, aos 56 anos, entre os municípios de Belo Jardim e Sanharó, só foi liberado por volta das 19 horas de ontem, 24 horas depois de dar entrada no IML de Caruaru. A longa espera para a necropsia se deu por falta de um técnico auxiliar do médico legista, que foi deslocado de Palmares para Caruaru.
O profissional que atua em Caruaru adoeceu e o Governo do Estado se recusou a pagar uma diária extra de R$ 200 para o substituto, segundo o Simpol, o Sindicato dos Policiais Civis. Que vergonha, governadora!
A longa espera do corpo em Afogados da Ingazeira se transformou num grande sofrimento para a família enlutada. Na chegada da urna funerária ao cine São José, já de madrugada, por volta de 1h30, centenas de pessoas aguardavam. E proporcionaram um momento de muita emoção para nossa família.
Augusto Martins, meu irmão, casado com Tia Coca, como assim minha Nayla a tratava, conduziu a urna funerária ao recinto do cinema na companhia da filha Olga e do filho Luiz Augusto. O sepultamento será daqui a pouco, por volta das 9 horas, após a missa de corpo presente.
Na coroa de flores que ilustra esta postagem, a nossa homenagem. Socorro era uma pessoa muito especial, querida e próxima a minha Nayla e eu. Foi nossa madrinha de casamento.
Tia Coca, como assim a tratava carinhosamente minha Nayla desde o dia em que a conheceu minha doce cunhada Socorro, e com ela criou um laço inquebrantável de irmandade, tinha um traço da personalidade da minha mãe Margarida: uma incrível capacidade de transformar momentos tristes em alegres. Para ela, a vida era um eterno carnaval, um reino de alegria jamais vencido em momento algum pela tristeza.
Com ela, aprendemos uma lição nesta longa convivência: a alegria evita mil males e prolonga a vida. Tia Coca, não tenho nenhuma dúvida, se inspirava em Bob Marley: “Seja feliz do jeito que você é, não mude sua rotina pelo que os outros exigem de você. Simplesmente viva de acordo com o seu modo de viver, alegre para sempre”.
A sua energia, sempre para cima feito foguete, nos contagiava. Ao compartilhar a minha dor, ontem, com meu amigo Eduardo Monteiro, ele me disse: “Ficamos, Cláudia e eu, impressionados com o bom humor contagiante de Socorro. Foi ela que deu o tom da festa, puxou todo mundo para dançar”. Eduardo se referia à festa do meu casamento com Nayla, no último dia 13, em Arcoverde.
Ele e Cláudia dividiram a alegria de terem sido escolhidos padrinhos juntamente com meu irmão Augusto Martins e sua Coca. “Parecia que ela estava se despedindo”, comentou Eduardo. A morte da nossa Coca foi uma fatalidade, consequência da imprudência de um motorista na ultrapassagem de uma faixa proibida na BR-232, entre Sanharó e Belo Jardim, no início da noite de ontem.
Soubemos da triste notícia, minha Nayla e eu, quando já estávamos em Serra Talhada para cumprir agenda de lançamento do meu livro. Fomos para Afogados da Ingazeira no sábado passado para nos divertir na Expoagro com Coca e Augusto, mas infelizmente não tivemos esta felicidade, porque lá só encontramos Augusto. Chegamos a propor a Coca sua vinda numa condução que iríamos providenciar, só para tê-la ao nosso lado no show de Paula Fernandes.
Mas ela alegou que teria que cumprir até o fim a agenda de uma conferência de saúde estadual, etapa importante para seleção dela para a conferência nacional em Brasília. A morte é um desígnio de Deus. Está escrito nas estrelas, na palavra da vida: “Os desígnios de Deus são incompreendidos num primeiro momento. Por vezes, a compreensão é procrastinada, não por culpa de Deus, mas por nossa própria culpa, que não entendemos as diferenças entre o tempo do mundo e o tempo da alma.”
O tempo de Deus não é o nosso tempo. Pelo tempo divino, perdemos nossa Coca. Pelo nosso tempo, ela ficaria a vida inteira aqui a nos alegrar. Tia Coca era como escreveu Clarice Lispector: “Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água”.
Chaplin, com a sua sapiência, dizia que a vida é maravilhosa se não se tem medo dela. Tia Coca nunca teve o sentimento do medo. No lugar do medo, a imensa disposição para viver. Sempre se sentia feliz por estar viva: apesar da guerra, das más notícias, não era capaz de matar nela a simples alegria de viver. De viver com intensidade.
Vivia brincando e brincava para viver. Quando chegou a pandemia, um dos piores momentos da humanidade, ela matava o tempo do recolhimento em casa com um bom vinho, brincando: “Meu cunhado, eu nunca imaginei que viesse a chegar um dia no qual as minhas mãos viessem a ver mais álcool do que o meu fígado”, numa referência a obrigatoriedade de lavar as mãos com álcool por várias vezes ao longo do dia.
Além de alegre e brincalhona, Tia Coca preservava um zelo familiar invejável. Ontem, pela manhã, ao se emocionar com a minha crônica domingueira em homenagem a Mãe Quitéria, mãe-avó de minha Nayla, ela me deu um puxão de orelhas: ir aos Estados Unidos para conhecer Lion, meu primeiro netinho. Assim escreveu, está salvo no meu celular: “Que crônica linda, meu cunhado! Está na hora de você conhecer seu neto Lion. Ele precisa ter memórias suas também”.
Que mulher maravilhosa! A saudade já está muito grande! A partir de agora, vou me escrever no clube da saudade, que tem uma taxa, porque saudade é o preço que se paga por viver momentos inesquecíveis. E quantos momentos vivemos com a nossa tia Coca!
Sua maravilhosa crônica domingueira sobre os avós, com a fotografia da avó/anjo da guarda da sua Nayla, emociona e comove. Avós e anjos da guarda são os mesmos seres protetores ao longo de qualquer existência, por mais perdida que essa existência seja.
Os ditos de Mãe Quitéria são eternos de tão sábios: “Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”, diz tudo para praticamente todas as situações da vida. A obra de Guimarães Rosa aborda a ternura intergeracional entre avós e netos, alguém já disse.
As minhas melhores memórias estão com os meus avós maternos, Juca Góis e Antônia, Pai Juca e Mãe Tonha. Os avós paternos, Alexandre Lopes e Hermelinda, com eles praticamente não convivi, o encantamento pegou eles e levou-os para a floresta de Deus, que todos os avós do mundo têm um cantinho no coração do Senhor e a eles todos os pecados são perdoados.
Cabe dizer que Alexandre era Xandu Lopes e lembro dele uma única vez, numa bruma feliz e azulada. Aquele homem tão valente, pois do Pajeú das Flores comportou-se como um menino igual a mim. Afinal, os grandes avós são assim.
Se a minha Mãe Tonha era discreta, uma sombra de ternura e educação, quase reclusão (seu palavrão mais feio era TÍBIS), o meu Pai Juca foi um Dionísio, um semideus da dança, do vinho, das manifestações mais vitais da vida.
Marcava maravilhosas quadrilhas juninas e me chamava para a festa, sendo eu um nerd ensimesmado. Corria e ele me chamava de cabra frouxo, sob o argumento de que corria com medo das meninas. Quem não correu? Ah, se o tempo voltasse!
Compreendo, todavia, que o tempo é um senhor sisudo e implacável, voraz no seu avanço. Ainda a respeito das quadrilhas juninas do meu avô, hoje acho que a felicidade completa com uma mulher tem a mais absoluta gentileza dela.
Assim também pensava o gênio colombiano Gabriel Garcia Marquez, que dizia que o homem é um ser que só funciona com o consentimento da mulher. Acho isso verdadeiro.
Há ausências que não chegam com alarde. Elas apenas começam a ocupar o espaço do que antes era presença. É como uma flor que se desprende da varanda e cai, não por desamor, nem por tempestade, mas porque chegou sua hora de ir. A gente não vê quando ela solta o caule. Só nota quando vai regar e o vaso está vazio. E então começa o luto: não daquele que grita, mas daquele que sussurra dentro de nós por muito tempo.
Perder para sempre não é um ato único. É uma sucessão de descobertas do que já não está. É quando, sem querer, você prepara duas xícaras de café. Quando escuta uma música e sorri, para depois chorar. Quando vê um vestido no armário e se pergunta por que ele ainda está ali, como um fantasma de tecido.
Pablo Neruda escreveu: “Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Escrever, por exemplo: ‘A noite está estrelada, e tremem, azuis, os astros, ao longe.’”, e há noites em que parece que o mundo inteiro ecoa essa dor. Porque a tristeza das estrelas não é a escuridão, é o brilho que continua mesmo depois que algumas já morreram. Como certas pessoas. Como certos amores. Como certas vozes.
Cecília Meireles dizia que “a vida só é possível reinventada”. E é verdade: perder para sempre exige reinvenção. Não se trata de esquecer, ninguém esquece o que foi raiz. Trata-se de reorganizar o amor dentro da ausência. De fazer dele um altar silencioso no coração. E como dói.
Rainer Maria Rilke nos lembrava: “A única pátria que nos resta é a infância.” Talvez por isso a perda doa tanto, porque ela nos arranca da pátria. Ela nos desterra. Quem perde alguém que amava perde também um pedaço do chão onde firmava os pés. E então a vida passa a ser esse caminhar vacilante, tentando se equilibrar entre lembranças e rotinas, entre lágrimas escondidas e sorrisos fingidos.
Clarice Lispector disse com a coragem dos que sentem: “A saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença.” Mas e quando a presença não vem mais? E quando o outro virou pó, sombra, vento, nome? A fome vira costume. E o costume vira parte de quem somos. Como o braço que já não temos, mas que ainda coça. Como a voz que já não ouvimos, mas que ainda responde quando a chamamos no silêncio.
Drummond, em sua serenidade triste, escreveu: “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.” Mas há dores que não permitem escolha. Há dores que nos tornam quem somos. Que nos moldam, que nos quebram, que nos ensinam a amar o que resta. E a flor caída da varanda é só uma imagem. A verdade é que todos temos alguém que se foi. Todos carregamos um nome tatuado em silêncio. Todos, mesmo os que sorriem, guardam um pouco da noite dentro de si.
E sim, a vida segue. As luzes continuam acendendo. As estações mudam. Os filhos crescem. Os amigos envelhecem. Os aniversários chegam, mesmo sem bolo, mesmo sem parabéns. E a gente aprende a caminhar com a ausência — não como quem supera, mas como quem aceita. Como quem aprende a amar o que já não está.
A flor que cai da varanda nunca volta ao caule. Mas, um dia, quando você menos esperar, ela nascerá de novo em outro canto, talvez no jardim da memória, talvez no sonho de uma madrugada calma. E você vai reconhecê-la. Não porque é igual, mas porque carrega o mesmo perfume.
Perder para sempre é um ato de amor que continua mesmo sem reciprocidade. É continuar escrevendo cartas que nunca terão resposta. É seguir olhando para o céu e dizendo: “Se estiver me ouvindo, saiba que ainda te amo.” E, no fundo, acreditar que o amor verdadeiro, como a luz das estrelas, chega mesmo quando parece tarde demais.
*Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras
Partido do Real e da modernização do Estado brasileiro, o PSDB por duas décadas protagonizou com o PT os rumos da política nacional, vangloriando-se de possuir os mais bem preparados quadros políticos e técnicos do país. Com o mesmo esmero, suas lideranças dedicavam-se nos bastidores a sucessivas traições e sabotagens. Denúncias de corrupção e o surgimento de Bolsonaro acentuaram a crise e rasgaram a superfície de polida competência do partido, que hoje depende de fusão ou federação com outras siglas para sobreviver.
Era uma manhã de março de 2016 quando o destino tocou a campainha do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Aécio Neves, então senador, recém-desembarcado em Congonhas, atravessava a cidade com uma comitiva de repórteres. Não vinha para conversar. Queria arrastar o governador Geraldo Alckmin até a avenida Paulista, onde fervilhava a maior manifestação pró-impeachment de Dilma Rousseff.
“Isso é uma armadilha”, murmurou o governador, seco, a dois assessores. Sabia que, se não fosse, os jornais do dia seguinte o carimbariam como o responsável pelo racha tucano. Suspirou, entrou na van e partiu. No trajeto, os dois homens, que um dia representaram o futuro do país, viajaram lado a lado, calados, como estranhos no mesmo velório.
Na Paulista, antes do cheiro de fritura dos ambulantes, vieram as vaias. Cartazes pediam cadeia. Um manifestante gritou “corrupto” diretamente a Aécio. Para quem conhecia o ninho tucano por dentro, era o início do fim de um projeto que prometera civilizar a política nacional — e acabava linchado no meio da rua.
Alckmin via nas pedaladas fiscais atribuídas ao governo Dilma não um crime, mas uma farsa. Dizia aos próximos que, sob aquele microscópio ideológico, nenhum prefeito passaria sem arranhões. Para ele, o impeachment era juridicamente frágil e politicamente perigoso, um precedente que poderia ser usado contra qualquer governante.
A irritação do governador não era só jurídica. O PSDB começava a flertar com um terreno que jamais fora o seu: polarização sem freios, rua ensandecida, populismo do ódio. “Já não era um movimento que nos cabia bem”, admite hoje Aécio Neves, em entrevista à Folha. “Era uma coisa esquisita, radicalizada.”
Quem também enxergou o erro, tarde demais, foi Aloysio Nunes Ferreira, vice na chapa de Aécio em 2014. “Naquele processo de impeachment, estávamos misturados com gente da extrema direita. Quando surgiu um líder de extrema direita, o eleitorado foi embora.”
Da queda de Fernando Collor (1992) à chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto (2019), o Brasil deslizou para a direita nos costumes, mas não gerou um líder conservador à altura do palco nacional. O PSDB ocupou esse vácuo como figurante de luxo. Colheu votos, mas perdeu a alma. Quando Bolsonaro enfim surgiu, o público voltou ao seu “galinheiro ideológico”.
A travessia do impeachment à pandemia foi uma sangria lenta. O partido definhou em discurso, quadros e votos. Alckmin filiou-se ao PSB e virou vice de Lula. Fernando Henrique Cardoso e José Serra recolheram-se. Aloysio saltou do barco, assim como os governadores Eduardo Leite e Raquel Lyra. Sobrou Aécio, condômino solitário de uma legenda vazia.
Entre os líderes que puxaram a fundação do PSDB estão os senadores Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas e Afonso Arino. Foto: Luciano Andrade/Folhapress
O desastre estourou nas urnas: 59 deputados federais eleitos em 2002; 43 em 2006; 53 em 2010; 54 em 2014; 29 em 2018; míseros 13 em 2022. Testemunhei essa derrocada de perto, mais especificamente de 2010 a 2018, nas campanhas presidenciais de Serra em 2010 e de Alckmin em 2018. Entre essas duas datas, fui secretário de comunicação de Alckmin no governo do Estado de São Paulo.
Hoje, o PSDB vaga como um zumbi institucional: respira por aparelhos fornecidos pela cláusula de barreira e só se mantém de pé graças à esperança de uma fusão ou federação que lhe garanta tempo de TV e verba do fundo partidário.
A contradição de origem
O PSDB já foi o partido do Plano Real e dos quadros mais bem preparados da política brasileira. Durante duas décadas, encarnou o espírito do diálogo e do consenso. Entre 1994 e 2014, o Brasil viveu sob um duopólio imperfeito. Os tucanos sustentaram seu lado da equação com técnica, compostura institucional e ambição modernizante.
Esse foi o retrato traçado, com certa nostalgia contida, pelo vice-presidente da República. Fundador do PSDB, Alckmin disse à Folha que o partido foi “promotor de grandes avanços sociais e econômicos”, defensor intransigente da democracia. Falava como quem olha para trás com gratidão. Sem ressentimento, sem deslealdade. Talvez apenas com uma ponta de melancolia.
Atrás da superfície polida da competência, o PSDB carregava, desde a origem, uma contradição estrutural. Nunca foi exatamente um partido. Era mais uma federação de caciques, amarrados por conveniências eleitorais e antipetismo comum. Uma social-democracia sem sindicatos. Um clube de notáveis que confundia excelência técnica com legitimidade popular. Seu maior trunfo, o rigor gerencial, foi também seu limite. Sobraram planilhas, mas faltou povo.
Em 2015, FHC parecia ter compreendido o impasse com a clareza dos que já não disputam o poder. Essa lucidez se manifestava nas sessões de pôquer que promovia em seu apartamento, ou no de João Rodarte, jornalista e parceiro de cartas, das quais eu participava.
O ex-presidente durante entrevista na Fundação Fernando Henrique Cardoso, no centro de São Paulo. Foto: Keiny Andrade/Folhapress
As apostas eram modestas: quem vencia saía, no máximo, com R$ 200. FHC não blefava. Seu hobby era desmascarar os blefadores — como se aquele jogo lhe oferecesse um simulacro controlado da política real, onde tudo era engano, mas ao menos havia regras.
À volta da mesa, copos d’água e silêncios longos acompanhavam alguns dos cérebros mais afiados da vida intelectual brasileira — o sociólogo Leôncio Martins Rodrigues, o historiador Boris Fausto.
Em meio às rodadas, FHC deixava escapar, entre ironias e desabafos, seus diagnósticos sobre o partido que fundara. “A maternidade do PSDB encerrou suas atividades”, dizia, meio rindo, meio resignado. “Não nasce mais ninguém. São os mesmos desde 1994. Vão todos ficando velhos. O único que não envelhece aqui sou eu.”
Em outra conversa, o ex-presidente confessaria: “Se voltasse no tempo, teria me dedicado muito mais ao PSDB”. Soava como um pecado venial, mas ecoava como um epitáfio precoce de um projeto que envelheceu antes de aprender a se renovar.
A ironia era afiada: o sucesso do Plano Real destruiu qualquer senso de urgência pela construção partidária. Com FHC no Planalto e os tucanos distribuídos por governos estaduais e prefeituras, quem precisava de diretórios fortes, convenções vibrantes ou quadros novos? O poder embriagava. A gestão deslumbrava. Mas não deixava descendência.
2004 e 2008: A traição paulistana
A sequência de autossabotagens selou o destino tucano. Das punhaladas internas aos predadores externos, o PSDB construiu sua própria erosão com esmero.
Uma das primeiras emboscadas ocorreu em 2004, com a traição paulistana. Houve um telefonema que poderia ter mudado o rumo da política brasileira.
No apartamento do velejador Lars Grael, filiado ao então PFL, o aparelho tocou. Do outro lado, José Serra fazia um convite improvável: queria o medalhista olímpico como seu vice na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Gestor competente, com passagem pelo Ministério do Esporte no governo FHC, Lars era, para Serra, o tipo ideal de político: alguém que ainda não era político.
A base reagiu com instinto feroz. Tucanos e pefelistas, unificados como raramente se viu, lançaram o ultimato: “Se o vice não for Kassab, a candidatura não vai pra rua”. Serra, pragmático como sempre, cedeu. E Gilberto Kassab, então deputado federal pelo PFL, virou o vice e um dos mais fiéis parceiros do tucano.
Serra foi eleito prefeito naquela eleição de 2004. Quinze meses depois, em março de 2006, quebrou a promessa de cumprir o mandato e renunciou ao cargo para disputar o governo do Estado. Deixou a prefeitura nas mãos de Kassab, que mais tarde construiria o PSD.
José Serra na época em que foi ministro do ex-presidente Michel Temer. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Em 2008, o PSDB expôs à luz do dia sua primeira grande fissura. Serra, governador de São Paulo, jogou todas as fichas na reeleição de Kassab na prefeitura da capital, ignorando sem cerimônia a candidatura de seu correligionário Geraldo Alckmin. Kassab venceu. Alckmin nem chegou ao segundo turno. Mais que uma derrota eleitoral, foi uma humilhação moral para o PSDB.
A ironia histórica foi dessas que a política arquiva com gosto. Se Lars Grael tivesse sido vice de Serra em 2004, Kassab jamais teria herdado a Prefeitura de São Paulo. Sem essa vitrine, talvez não tivesse construído o partido que hoje comanda como uma orquestra regida por pragmatismo implacável: o PSD.
2010: O teatro de Belo Horizonte
A partir de São Paulo, o PSDB se especializou em fazer oposição a si mesmo. Em 2010, foi a vez de Minas Gerais entrar no palco. O teatro da harmonia entre Aécio e Serra encenado em Belo Horizonte escondia, nos bastidores, a disputa mais silenciosa — e mais venenosa — do partido.
Era 4 de março. A inauguração da Cidade Administrativa parecia o que de fato era: o lançamento não declarado de uma candidatura presidencial. Serra, convidado de honra, sorria para as câmeras em sincronia com Aécio, então governador de Minas, como quem sabe que está num jogo, mas finge que não decidiu se quer jogá-lo.
Ambos conheciam o roteiro: 2010 parecia um beco sem saída. Lula, no final de seu segundo mandato, batia recordes de aprovação; Dilma Rousseff carregava o carisma transferido pelo padrinho.
Aécio, favorito natural das prévias tucanas, já havia deixado, discretamente, a disputa. Queria que o provável sacrifício ficasse com Serra, a quem tratava com juras de lealdade, incentivando-o a embarcar na disputa e prometendo o apoio de Minas. O mineiro sabia que a provável derrota do paulista deixaria o campo livre em 2014, quando, calculava, o ciclo do PT no Planalto chegaria ao fim.
Aécio toma posse como governador de Minas Gerais. Foto: Eugenio Savio
O golpe colou, mas Serra e Aécio jamais confiaram um no outro. Viviam mergulhados em clima de paranoia mútua. Aécio suspeitava que Serra espalhava rumores sobre seu suposto uso de drogas. Serra, por sua vez, culpava Aécio por matérias publicadas na imprensa sobre supostos esquemas de corrupção do PSDB paulista.
Na campanha de 2010, levantamentos encomendados sob sigilo por Serra ao cientista político Antônio Lavareda davam sinais dúbios. Apontavam o governador de São Paulo na frente, mas também indicavam que Dilma teria grandes chances de vitória em um eventual segundo turno. Não era o que Serra queria ouvir. O diagnóstico o incomodou tanto que Lavareda foi temporariamente posto na geladeira, sem novas pesquisas encomendadas a ele por um tempo.
Meses depois, Serra voava de Belo Horizonte para São Paulo quando ouviu de um assessor irreverente a pergunta dissonante: “Você já assistiu a ‘O Show de Truman?”. Fazia uma comparação entre o filme de 1998, no qual o ator Jim Carrey é um homem que desconhece que sua vida é uma realidade simulada por um programa de TV, e a campanha presidencial tucana.
Nas imagens, viam-se quarteirões tomados por militantes, bandeiras tremulando, aplausos esfuziantes. Tudo parecia apontar para a vitória. Bastava, contudo, andar dois quarteirões além do palanque para ver o que as lentes não mostravam: ruas desertas, ônibus fretados discretamente estacionados, motoristas confessando que os passageiros haviam vindo em troca de um lanche e algum trocado. Era uma encenação meticulosa. Um “Show de Truman” tucano.
As urnas confirmaram a profecia de Lavareda. Dilma venceu Serra no segundo turno. E pior: mesmo com Aécio oficialmente “ao seu lado”, o tucano foi atropelado pela petista em Minas Gerais: 58,45% contra 41,55%. O estado em que o PSDB dominava o governo tornava-se, ironicamente, seu território mais ingrato.
2014: A última chance
Quatro anos depois, seria a vez de Aécio testar o próprio nome nas urnas. Na noite de 26 de outubro, no início da apuração dos votos, o mineiro estava na frente. O ciclo tucano, adormecido desde FHC, parecia prestes a ser religado.
A reviravolta começou pelo Nordeste. Urna após urna, Dilma virou o jogo e consolidou a vitória apertada, 51,64% contra 48,36%, a menor margem já registrada em uma eleição presidencial brasileira até então. O fantasma de Minas assombrou os tucanos de forma ainda mais intensa: Aécio perdeu em sua própria base eleitoral. Para o PSDB, foi ao mesmo tempo a maior chance de voltar ao Planalto em 12 anos e o último suspiro de relevância nacional.
Quatro dias depois do segundo turno, o partido protocolou no TSE um pedido de auditoria especial nos resultados da votação. Era o início de um novo paradigma: difundiu-se a ideia de que eleições poderiam ser colocadas sob suspeita quando o resultado desagradasse.
Aécio Neves (PSDB) e Dilma Roussef (PT) no último debate das eleições 2014 na TV Globo, no Rio de Janeiro. Foto: Eduardo Knapp/Folhapress
Aécio, até hoje, rejeita essa leitura com veemência. “Essa versão foi espalhada pelo PT, e muita gente comprou”, afirma. “Nunca contestamos o resultado. Às 20h30 do domingo da eleição, liguei para a presidente Dilma e a cumprimentei pela vitória.”
Segundo ele, o pedido de auditoria nasceu de pressões externas. Inundado por mensagens relatando falhas em urnas, o partido se sentiu compelido a dar uma resposta institucional. “Eu, pessoalmente, não duvido do resultado da eleição. Mas acho que uma parcela razoável da população tem dúvidas. E defendo, muito antes de o Bolsonaro existir, um sistema que possa eliminá-las.”
Para Aécio, o problema não está nas urnas eletrônicas, mas na falta de transparência percebida pelo eleitorado. “Isso alimenta o processo contínuo de contestação, principalmente por parte da direita mais radical.”
2016: O usurpador do tucanato
A entrada de João Doria no PSDB foi o atestado de óbito da última tentativa orgânica de reconstrução tucana. Nos bastidores das prévias para a Prefeitura de São Paulo, o governador Alckmin oscilava entre a indecisão e o controle. Andrea Matarazzo era o nome natural do partido, respaldado por FHC, Serra e outras lideranças históricas.
Uma reunião pró-Matarazzo aconteceu na casa de José Gregori, ministro da Justiça no governo tucano. A alta cúpula do partido estava presente, incluindo Serra e FHC.
Alckmin foi convidado por e-mail. Na verdade, ninguém o queria lá, o que o deixou extremamente irritado. Leu a articulação como um ato de traição. O fato é que chamou Doria no dia seguinte e disse: “Agora vá lá e ganhe essa convenção”, contou uma testemunha do episódio.
Uma das leituras é que o apoio de Alckmin a Doria foi também um acerto de contas. Afinal, a lembrança de 2008, quando foi derrotado por um Kassab apoiado por Serra, ainda doía.
Doria, poucos dias antes de deixar o cargo de governador de SP para disputar a Presidência nas eleições de 2022. Foto: Aloisio Mauricio/Agência O Globo
Eleito nas prévias tucanas com gastos próprios até então nunca vistos pelo partido, Doria demoliu nas urnas o petista Fernando Haddad, que buscava a reeleição.
A boa relação de criador e criatura, contudo, durou pouco. Pouco após assumir a Prefeitura de São Paulo, Doria embarcou com Alckmin rumo a Nova York para participar de um roadshow com investidores.
No palco, vendiam o mesmo Estado. O governador fez a defesa burocrática do modelo paulista. O prefeito veio em seguida e apresentou-se como o gestor de que o Brasil precisava. Não fez nenhuma menção a seu padrinho político. Nenhum gesto de deferência.
Na mesa ao lado, o secretário estadual Saulo de Castro cochichou no ouvido do governador: “Viu, Geraldo? Ele acabou de se lançar candidato à Presidência”. No íntimo, Alckmin esperava que Doria o consagrasse como o próximo presidente do Brasil. Começou ali um processo rápido e irreversível de arrependimento e ódio.
Em 2018, Doria repetiu a tática de Serra. Rompeu a promessa feita ao eleitor e candidatou-se ao governo estadual, vencendo no segundo turno. Em 2022, venceu as prévias para concorrer ao Planalto, mas depois desistiu da corrida, alegando sabotagem do partido. Pela primeira vez desde sua fundação, o PSDB ficou sem candidato à Presidência do Brasil.
O ex-deputado tucano José Aníbal assim classifica a introdução de Doria no partido: “Eu disse desde o início. Ele seria o cupim do PSDB”. Aécio Neves concorda: “A entrada do Doria foi o episódio mais trágico da história recente do partido.”
A reportagem procurou João Doria. O ex-governador preferiu não conceder entrevista. Enviou, por escrito, uma mensagem com pedido explícito de publicação na íntegra.
“Venci as três prévias do PSDB que disputei com bons candidatos do partido. Na sequência, venci as eleições para prefeito de São Paulo no primeiro turno, em 2016 — fato único na história política da cidade até hoje. Depois, venci as eleições para governador do Estado, com mais de 11 milhões de votos, em 2018. Já em 2022, venci novamente as prévias do PSDB para presidente da República, disputando com expressivos candidatos do partido. Embora tenha sido vitorioso, o PSDB não honrou o resultado das prévias nem a vontade dos seus filiados. Tomei, então, a decisão de desligar-me do partido. Não tenho mágoas nem ressentimentos de ninguém. E desejo boa sorte ao PSDB.”
2017: A fuga pela garagem
Quando viram que havia imprensa do lado de fora, as pessoas fugiram pela garagem. Era maio de 2017, e a cena, na residência de Aécio Neves em Brasília, tinha todos os elementos de uma tragédia política.
Dias antes, gravações da JBS encaminhadas à Procuradoria-Geral da República, como tentativa de um acordo de delação premiada, mostravam Aécio pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista. O diálogo rapidamente se tornou símbolo da degradação política nacional.
Aécio convocou uma reunião de emergência com a cúpula partidária para explicar-se e pedir respaldo. A cena beirava o surreal. Ele disse que pediu o dinheiro como um empréstimo pessoal, e não em um ato de corrupção, para pagar honorários advocatícios decorrentes da eleição de 2014.
Contou que tentou vender seu apartamento no Rio, mas ninguém quis. Estava desesperado. Teria acertado com Joesley Batista a entrega do imóvel como forma de pagamento.
Aécio convocou a imprensa acreditando que, ao fim da reunião, os colegas sairiam em sua defesa. Não saíram. Ou melhor, saíram pela garagem, uma fuga em massa, ao verem jornalistas na porta. Nenhuma palavra foi dada em favor do companheiro em apuros.
“A solidariedade nunca foi mesmo matéria-prima do PSDB”, reconhece Aécio em tom amargo. Acusado de corrupção passiva, ele foi depois absolvido pela Justiça.
2018: o partido nu
O PSDB chegou a 2018 fragilizado, sem o voto antipetista que antes o cobria e com a imagem de lisura arranhada pela Lava Jato. Em acordos de delação premiada firmados com a Procuradoria-Geral da República, executivos da Odebrecht disseram ter repassado milhões de reais em caixa dois para as campanhas eleitorais de Serra, Alckmin e Aécio, entre outros figurões do partido.
Ao longo dos anos também acumularam-se denúncias sobre supostos pagamentos de propina e formação de conluios para a elaboração de projetos e construção das linhas do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) nas gestões tucanas em São Paulo.
Em 2018 Alckmin partiu para sua segunda candidatura presidencial. A despeito de tudo, havia algum motivo para confiança, pois sua gestão como governador seguia bem avaliada.
A realidade, contudo, impôs outro roteiro. Em São Paulo, reduto histórico do tucanato, estado no qual foi o político que por mais tempo ocupou o cargo de governador após a ditadura, Alckmin ficou em quarto lugar, atrás de Bolsonaro, Haddad e Ciro Gomes.
Mais que um tropeço, foi uma humilhação histórica. Alckmin, apoiado por oito partidos e dono de 44% do tempo total de TV, terminou o primeiro turno também em quarto lugar no país. Obteve apenas 4,76% dos votos válidos, o pior desempenho presidencial do PSDB desde sua fundação.
A tragédia tucana foi intensificada pelo abandono. Ao perceber o fracasso iminente, João Doria incentivou nos bastidores o voto BolsoDoria, aprofundando a cisão interna.
Naquela eleição as pessoas viraram as costas para a televisão e passaram a ser bombardeadas por WhatsApp e redes sociais. Bolsonaro, com apenas 8 segundos de tempo de TV, soube explorar esse novo ambiente. O PSDB não percebeu que o jogo havia mudado.
Pela primeira vez em quase três décadas, disputou sem contar com o voto antipetista de direita, que passou a ter dono. Ao contrário, fez uma campanha de centro-esquerda, poupando o PT e criticando duramente Bolsonaro. Revelou-se o que era: um partido dúbio, esvaziado, órfão de base social, de narrativa e ambição.
O diagnóstico e o plot twist
O PSDB contratou recentemente o instituto Quaest para avaliar a opinião da população sobre o partido. O diagnóstico foi brutal. O principal problema constatado tem nome e sobrenome: Aécio Neves. A rejeição do mineiro, segundo a pesquisa, contamina toda a legenda.
Numa reviravolta digna da política brasileira, o PSDB negocia hoje a volta de Ciro Gomes depois de 28 anos. Nesse período, Ciro transformou em esporte ataques cruéis a FHC. Desde as eleições de 2018, porém, tem caminhado para a direita, enquanto seu atual partido, o PDT, insiste em participar do governo Lula. Estariam ambos, Ciro e o PSDB, na centro-direita do espectro político.
Desde que deixou os tucanos, Ciro peregrinou por vários partidos: PPS (hoje Cidadania), PSB, PROS e, desde 2015, PDT. Hoje vê na legenda tucana o espaço para reafirmar seu projeto de oposição ao PT.
Ciro Gomes durante debate com os candidatos à Presidência da República nas eleições de 2018. Foto: Bruno Santos/Folha Press
O movimento ganhou força após revelações de fraudes no INSS, descobertas na gestão petista. Apesar de atuar para o desembarque dos pedetistas da base aliada de Lula, Ciro foi voto vencido, e o PDT optou por seguir no governo.
Epitáfio de uma era
Na década de 1990, o PSDB foi o partido da modernização. Nos anos 2000, representou a imagem anti-PT. Em 2010, ainda parecia competitivo. Em 2014, chegou perto com Aécio. Em 2018, tornou-se irrelevante. Em 2022, saiu de cena. Passou da glória do Plano Real ao próprio funeral.
Em São Paulo, berço tucano, está fora do governo estadual, posto que ocupou de 1995 a 2022, e da prefeitura da capital.
Aécio, que restou como guardião das ruínas, ainda cultiva ambições mais nobres. “Nosso objetivo não pode ser só superar a cláusula de desempenho. Queremos dar musculatura a um projeto de centro, mesmo que não seja para vencer as próximas eleições.”
É o que resta: um projeto de centro. Depois do fracasso nas negociações com o Podemos, o partido agora aposta numa federação com MDB e Republicanos. “Há um interesse grande. A questão é que o MDB está muito no governo”, diz Aécio.
Aloysio Nunes observa o esforço de longe, com a lucidez dos que assistem ao próprio epitáfio ainda sendo rabiscado. “Acho que o PSDB está fazendo um movimento correto na luta pela sobrevivência. Só espero que consigam se livrar da hipoteca do bolsonarismo e caminhem para um centro democrático.” E arremata: “Aliás, é onde o Kassab soube perfeitamente posicionar o PSD”.
Com a morte do PSDB, não morre só um partido — morre uma forma de fazer política. A política da expertise, do debate racional, da moderação como princípio. A política que acreditava que bastava estar certo para convencer, ser competente para vencer, ter boas intenções para ser perdoado.
Morre também uma geração. A geração que fez a transição democrática, criou o Plano Real, inseriu o Brasil na modernidade. Homens que, com todos os defeitos, praticavam uma política mais civilizada, mais institucional, mais respeitosa.
Serra, afastado da vida pública devido à doença de Parkinson, recebeu a Folha em sua casa. Disse uma frase que resume mais do que a situação de seu partido. “Tínhamos os melhores administradores e líderes do país. Obviamente, cometemos equívocos, mas isso talvez não tenha mais importância. A política vive hoje tempos de terra arrasada.”
A democracia brasileira ficou mais pobre. Não porque o PSDB seja insubstituível, mas porque a diversidade partidária é um valor democrático. Um país com dois polos — esquerda e direita populista — é um país com menos possibilidades, menos nuances, mais riscos.
*Advogado e jornalista, foi secretário de comunicação do Supremo Tribunal Federal e do Estado de São Paulo (governo Alckmin). Foi também correspondente da Folha de S.Paulo em Tóquio e Washington
Meus avós tiveram forte influência na minha formação. De todos, o que convivi mais de perto foi Severo Martins, pai da minha mãe Margarida Martins. Augusto, pai de meu pai Gastão Cerquinha, não conheci. Morreu antes do meu grito ao mundo, mas vovó Mariinha, sua esposa, me colocou no colo, contou Histórias de Trancoso e povoa a minha mente até hoje com doces recordações.
Foi longeva: morreu com mais de 90 anos num acidente de carro em Cabrobó, vindo de um passeio em São Paulo. Adorava viajar, fumava cachimbo, viciada no jogo do bicho. Todo dia me perguntava se havia sonhado com algum animal para fazer a sua aposta. Vovó Maria Cornélia de Souza, esposa do meu avô Severo, mãe de mamãe, morreu cedo, não a conheci.
Namorador, vovô Severo cuidou de arranjar logo uma companheira, Abigail, que virou nossa avó por extensão. Vindo de Monteiro (PB), vovô era motorista de caminhão e duro no trato. Eu mesmo morria de medo dos seus gritos, da sua cara carrancuda. Ele só dava umas risadinhas quando tomava uma cervejinha antes do almoço. Sua morte foi sem dor: numa cadeira de balanço em meio ao cochilo pós-almoço.
Vez por outra, suas admoestações recheiam minha mente com doces recordações. Avós desempenham papel fundamental na vida familiar, transmitindo valores, sabedoria e amor incondicional. São fontes de histórias, experiências e um porto seguro para netos de todas as idades. A presença deles enriquece a vida familiar, proporcionando memórias preciosas e um senso de continuidade.
Mãe Quitéria (na foto que ilustra a crônica), como tratava minha Nayla a sua avó materna, teve papel preponderante na formação dela, uma raiz que alimenta a sua vida como uma árvore frutífera. Em Sertânia, foi um abrigo de sentimentos bons, um presente de Deus para minha Nayla. A todo instante, abraçava o coração dela, para superar a ausência de Ivete, a mãe, forçada a tentar um novo eldorado em São Paulo para dar uma vida digna à filha.
Na minha convivência diária com minha Nayla fico a matutar com as citações que faz sobre o aprendizado de vida com sua Mãe Quitéria. Diante de uma situação que alguém não consegue lidar com uma tarefa aparentemente mais fácil, recorre a velha máxima aprendida com a avó-mãe: “Quem não pode com o pote, não pega na rodilha”.
Para minha Nayla, Mãe Quitéria transformou o simples em especial com amor, sua ternura fez o mundo dela o lugar mais gentil. Foi a bússola que a guiou com sabedoria, dando muito amor, um amor que nunca envelheceu. Diante de tantas lições que Nayla me passa a cada dia, fico convencido de que avós são depositários dos valores fundamentais da vida.
Criança, ela ouviu muitas histórias de sua Mãe Quitéria que deram o prumo da vida dela. Afinal, ouvir as histórias dos nossos avós é aprender com a sabedoria do tempo. Mãe Quitéria deu duas vezes carinho e duas vezes amor à minha Nayla. Foi, sem dúvida, um anjo abençoado.
Traduzindo para os tempos atuais de globalização, Mãe Quitéria foi o Google da minha Nayla: teve respostas para todas as perguntas e compartilhou histórias incríveis. Foi aquele abraço quentinho em um dia frio, que aquece o coração, um tesouro precioso, guia e protetora, um exemplo de que o amor foi a resposta para todos os problemas e as dificuldades enfrentadas por ela, que, como eu, na infância venceu as adversidades do sertão de vidas secas.
Tem coisa melhor do que casa de avós? Não, porque é abrigo de sentimentos bons, comida quentinha, travessuras e muito amor. Local onde o amor se expande, onde há sorrisos a todos instante, onde Deus se faz Gigante. Orações de avós, dizia minha avó Mariinha, valem mais do que diamante.
Avós criam memórias, eternizam momentos, seus braços abrigam os melhores abraços. Seu amor é gigante que nem dá para medir, somente sentir. São pingos de esperança que Deus deposita nas nossas vidas. Mágicos, em qualquer momento trazem de volta os sabores da infância.
Recorrendo a Rachel de Queiroz, que frequentemente explorava o tema do tempo e da memória em suas obras, os avós, com suas histórias e lembranças, são guardiões dessas memórias familiares, conectando o passado ao presente. São, segundo a autora de O Quinze, a mistura perfeita de risadas, histórias e amor.
Basta dar uma olhada nas listas de assinaturas dos manifestos em defesa da democracia que circularam antes e durante a campanha eleitoral de 2022 para constatar que Lula foi apoiado por uma elite de ricos e muito ricos, os mesmos que ele agora ataca para fabricar uma polarização com os mais pobres.
Os ricos são maus e os pobres bons. Essa conversa não cola mais, a não ser para meia dúzia de militantes amestrados do Psol, como os que invadiram a sede do Itaú na Faria Lima.
Os ricos são os empreendedores. Não interessa qual o negócio, se pequeno, médio ou grande. São aqueles que criam empregos e renda no país. Todos eles precisam de crédito para seus negócios e quanto mais caro o dinheiro, mais caros os produtos e serviços.
O crédito está caro, não por culpa exclusiva dos banqueiros, mas porque o governo teima em manter um cabo de guerra com o Banco Central e quer porque quer gastar mais do que arrecada. Simples assim. Xingar empresários que dão milhões de empregos no Brasil – só no agro são 30 milhões de pessoas – é o que há de pior nessa política pequena e mesquinha transformada em tábua de salvação pela turma do quanto pior, melhor.
O governo não cria emprego, muito menos renda. O empreendedor brasileiro é punido com uma carga tributária altíssima para cada emprego que produz. E o empregado acaba sendo impedido de ganhar mais, porque os encargos em cima dos salários são de quase 100%. O sujeito que ganha R$ 2.000 na realidade custa R$ 4.000. Hoje, as pessoas preferem trabalhar por conta própria e ganhar mais, em vez de ter carteira assinada e ganhar menos.
Faltando 15 meses para a eleição presidencial, entrou em ação a esquerda mequetrefe, a mesma que em 2014 entrou em confronto com a polícia de Brasília, invadiu o Congresso e feriu 24 pessoas. Em 2017, fizeram uma enorme baderna na Esplanada dos Ministérios e atearam fogo no prédio do Ministério da Agricultura.
Agora, vão criar um caso na Faria Lima e, claro, não pararão por aí. Protestam a favor dos impostos. Os mesmos impostos que encarecem a vida dos pobres e da classe média. Tudo isso porque o presidente não consegue domesticar o Congresso. E se ele não manda ali, então Câmara e Senado não prestam. São inimigos do povo, embora eleitos pelo povo.
Esta semana começou um movimento interessante em favor do semipresidencialismo, sistema de governo adotado por França e Portugal, no qual o presidente da República é o chefe de Estado e um primeiro-ministro por ele designado governa.
O Brasil não tem outro caminho para a estabilidade política, precisa mudar seu sistema de governo, como defende o ex-presidente Michel Temer. Há uma PEC do deputado Luiz Carlos Hauly com 200 assinaturas pronta para começar a tramitar. Basta o presidente da Câmara querer.
O presidencialismo que aí está é um presidencialismo com um DNA de crises. Quanto mais poder conquistou o Congresso, mais difícil ficou para este ou qualquer outro presidente governar à moda antiga. Chegou o momento de dividir poder e responsabilidade. É muito fácil arrumar culpados quando se perdeu a mão e o discurso. Só resta investir na irresponsabilidade do “nós contra eles”, acirrando ainda mais uma polarização na qual todos perdem.
O uruguaio Pepe Mujica, morto recentemente, herói da esquerda, dizia: “Não se apequenem, companheiros, queiram-se muito, mas não a ponto de perdoarem as cagadas”. Estamos vendo o presidente Lula ir à Argentina confraternizar com a ex-presidente Cristina Kirschner, condenada por corrupção, depois de ter mandado um jatinho buscar a ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, condenada pelo mesmo motivo. Certas coisas continuam imperdoáveis.
O semipresidencialismo, agora reconhecido como saída institucional pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e por Nelson Jobim, ex-presidente da Corte e um dos homens que mais entende de poder no Brasil, é algo que deve ser posto em prática logo.
De preferência, com voto distrital e lista fechada para que cada partido seja obrigado a dizer a que veio e para onde quer levar o país.
É preciso fazer a transição da 5ª República, iniciada com a eleição de Tancredo Neves, para a 6ª República, com a implantação do semipresidencialismo, do governo parlamentar no qual o Congresso passará a ter papel de executor de políticas públicas, com mais transparência e menos crises.
Desde a eleição de Getúlio Vargas em 1950, o Brasil vem tropeçando em crises protagonizadas pelo Executivo e pelo Legislativo. Eleito depois de mandar no Brasil durante 15 anos, Getúlio Vargas retornou à Presidência com 68 anos, num país onde a expectativa de vida era de 48 anos. Veio embalado pelo seu jingle de campanha: “Bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar, o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”.
O Brasil de 1950 era muito diferente daquele de 1945, quando ele foi deposto, abrindo o caminho para a volta das eleições diretas e uma Constituinte. O Congresso perdera a docilidade e os militares ganharam relevância enquanto atores políticos.
A oposição eficiente e profissional liderada por Carlos Lacerda, tirou o governo do prumo. Getúlio dava claros sinais de desconforto com a pressão imposta pelos adversários, não tinha mais a força do seu governo anterior, precisava negociar muito, mas faltavam-lhe a paciência e a perseverança.
A crise levou o aloprado Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial, a tramar o assassinato de Lacerda. Mas quem acabou morrendo foi o major Rubens Vaz, um dos militares da Aeronáutica encarregados da segurança de Lacerda. A crise de 1954, assim como outras que viriam em sequência até desaguar na ditadura de 1964, nasceu da falta de sintonia de um governante do passado com o país do presente.
Passados 71 anos do suicídio de Vargas, a crise se repete, criada por um governante do passado e sem futuro. Diante da insatisfação popular com seu governo e da expectativa de poder cada vez menor, Lula resolveu esticar a corda e dividir ainda mais o país. Chega de nós contra eles. A hora é de unir, não de dividir.
Allegro con brio. Na música clássica, identifica uma passagem em ritmo rápido, com vigor. Escolhi esse movimento da Sinfonia nº 25 de Mozart para ilustrar estas linhas alusivas a este 4 de julho, em que completo 45 anos. Tenho cuidado da minha saúde nos últimos tempos, e pedalar tem sido terapêutico, tanto pela atividade física quanto pelo contato com a natureza. O apoio constante de minha esposa, Vanessa, e de meu filho, Martim, tem sido fundamental nessa jornada. A eles, minha profunda gratidão, bem como a todos os familiares e amigos que têm, de alguma forma, sido gentis e atenciosos comigo.
Entre esses, não posso deixar de mencionar, com especial destaque, minha mãe, que atualmente está em viagem pela Europa. Seu apoio em momentos difíceis é como um farol que conduz a maior segurança e paz. Fico feliz que minha irmã Catarina tenha conseguido convencê-la a fazer essa viagem, junto com meu irmão Wilson, já que eu não a conseguia convencer nem a ir passear na orla de Olinda, onde ela mora.
Dentre os amigos, destaco Magno Martins pela generosidade em dar espaço às minhas crônicas, tantas vezes contramajoritárias.
Hoje – feliz coincidência – irei comemorar esta data durante o baile de formatura em Medicina de minha sobrinha Cecília. Um acontecimento único, de grande significado para ela e para todos nós, especialmente para minha irmã Helena e meus sobrinhos Antônio e Reinaldo, que acompanharam de perto e vivenciaram toda a sua trajetória ao longo desses anos, com os naturais percalços e as gratificantes vitórias.
A Força Criadora – Deus, Allah, Jeová, como queiram chamar – que anima tudo deve sempre ser nosso maior refúgio. Nas turbulências da vida, é Ela que nos faz mais fortes e restaura ou vivifica nossa alegria, principalmente quando temos consciência de que somos partículas dessa Inteligência Universal – filhos de Deus, perfeitos em nossa essência.
Para minha querida sobrinha Cecília e todos os demais formandos em Medicina da UPE de 2025.1, meus parabéns e meus sinceros votos de que a “ARS CVRANDI” seja sempre vivificada em suas mãos e em suas mentes, com alegria e com brio!
O presidente Lula, enfrentando uma queda acentuada de popularidade, vem adotando posturas que, na prática, causam sérios prejuízos ao país.
Em primeiro lugar, sua conduta no exercício do cargo fere o princípio da imparcialidade institucional. Em vez de governar para todos os brasileiros, como determina a Constituição de uma República democrática, o presidente tem privilegiado demandas ideológicas de grupos políticos alinhados ao seu espectro, ignorando ou discriminando outras correntes de pensamento legítimas da sociedade brasileira.
Essa prática não apenas aprofunda a divisão entre diferentes segmentos da população, mas também compromete a coesão nacional necessária ao bom funcionamento das instituições e ao progresso econômico e social do país.
Em segundo lugar — e talvez mais preocupante — é o uso recorrente de uma retórica marcada pela lógica da divisão: ricos contra pobres, “nós” contra “eles”.
Essa estratégia, típica de regimes totalitários mais ortodoxos, revive uma guerra de classes que deveria ter sido superada. Em vez de promover o diálogo e a convergência, o governo estimula antagonismos, criando um ambiente de instabilidade social e desconfiança econômica.
As consequências são visíveis: empresários e detentores de grandes patrimônios, diante da insegurança institucional e do discurso hostil à livre iniciativa, optam por transferir seus recursos para o exterior, retirando capital do país e prejudicando investimentos, geração de empregos e crescimento econômico. Trata-se de uma política que não apenas divide a sociedade, mas também mina as bases de um Brasil próspero e equilibrado.
É lamentável que um grupo político que tanto criticava o adversário pela instalação de um “gabinete do ódio” venha a tomar atitudes inconsequentes, jogando brasileiros contra brasileiros e negando a cultura democrática pacifista pela qual os liberais democratas tanto lutaram e defenderam heroicamente nos períodos dramáticos em que o estado de direito foi suprimido no país.