Por Aldo Paes Barreto
As provincianas noites recifenses ganharam alento noturno na época do Golpe de 1964. Como já acontecia com o Rio e São Paulo, os barzinhos, uisquerias de bons modos e boa clientela, entraram no roteiro da cidade.
Pequenos, aconchegantes, sem música barulhenta, passaram a ser redutos dos boêmios de berço, atraídos por conversas amenas, severas discussões políticas e generosas doses de uísque escocês.
Havia um quê machista naquela novidade: menina não entrava. As mulheres da noite não podiam; as mocinhas do dia a dia não iam. Quando muito, decoravam o telefone para descobrir o namorado, o noivo, o marido. Os garçons, sempre ao lado dos mais fracos, jamais deduravam.
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Os primeiros barzinhos recifenses geralmente funcionavam do entardecer até as 21h. Longe da zona de prostituição, eram casas de respeito e alguns deles chegaram a funcionar em edifícios residenciais.
O Capibaribe Drinks’s, de Djalma, por exemplo, ficava no térreo do edifício Capibaribe, Rua da Aurora. Na Siqueira Campos, ficava o Finantur e o sempre lembrado Canavial, funcionava perto do Diario de Pernanmbuco. Não serviam cervejas ou chopes, muito menos cobriam as poucas mesas com toalhas quadriculadas de plástico. Mantinham sempre um garçom de excelência, boas marcas de uísque importado. Gelo em cubo, balde de metal, água mineral.
Iniciante na profissão, fui uma vez cumprir pauta. Entrevistar o médico, pesquisador, compositor Paulo Vazollini, criador do cartão de visita da boemia paulistana: a canção Ronda. Dele também é o samba Volta por cima, tema da novela que a TV Globo está exibindo. Zoologista respeitado
internacionalmente, bom de copo e de papo, personagem perfeito para as noites de boemia civilizada.
Fui entrevistá-lo, por sugestão dele, no Finantur Drinks. A matéria não rendeu. Mas, três ou quatros doses depois, já éramos velhos amigos. Na semana anterior, contou alguém, naquela mesma mesa onde estávamos, sentou-se um cliente inesperado. O general Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército, fora lá com dois amigos.
O militar parecia querer ser reconhecido. Nunca foi. Aqui ele casou uma filha e foram tantos os presentes recebidos, diziam, que, quando colocados em avião cargueiro, quando o general foi transferido, este não pôde decolar. Excesso de pesos.
No golpe de 1964, o general Justino Alves Bastos foi personagem menor. Mas na época, se destacou como vice-rei do Nordeste. Não era para menos. Ele comandava o IV Exército, sediado no Recife. Na verdade, o general, fora colocado no comando militar da mais conturbada região do País pelo presidente João Goulart que, meses depois, ajudou a depor.
Justino somente aderiu ao golpe por pressão de um grupo de coronéis. Mas foi ele quem simbolizou a repressão mais radical daquele duro período.
Para os civis vitoriosos, o general foi um esteio da revolução; para os opositores de todos os matizes, um oportunista que rasgou a Constituição, traiu o então presidente Goulart e soube se aproveitar, como poucos, da nova ordem. Entre esses, opositores estava o advogado e poeta Carlos Moreira, defensor de presos políticos, democrata que buscava valer a força do Direito diante do crescente direito da força.
Naquele fim de tarde, Moreira encurtou o expediente e foi ao barzinho. De repente, o vozerio fez-se silêncio e o bar emudeceu. Pela única porta, entrou o próprio general Justino à frente de um séquito de adesistas civis. Alguns se assustaram, Moreira não se alterou: empunhando caneta e um bloco de papel emprestado pelo jornalista Aloisio Falcão, protestou:
“Cidadão guarda teu bolso/ Comerciante a vitrina/ Cachorro esconde teu osso/ Garçom fecha a cantina./ E se tens o que perder/ E ainda
te resta tino/ Botas as pernas pra correr:/ Está chegando o Justino!”.
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