Quem nunca foi a Caruaru e de lá saiu cantando que em sua feira há de tudo, que atire a primeira pedra sobre este cronista! Tem massa de mandioca, batata assada, tem ovo cru, laranja e manga, batata-doce, queijo e caju. Tem cenoura, jabuticaba, guiné, galinha, pato e peru.
Tem bode, carneiro e porco, se duvidar isso é cururu. Tem cesto, balaio, corda, tamanco, greia, tem boi tatu. Tem fumo, tem tabaqueiro, tem tudo e chifre de boi zebu. Caneco, arcoviteiro, peneira, boi, mel de uruçu. Tem carça de arvorada, que é pra matuto não andar nu.
Na feira de Caruaru, tem coisa pra gente ver. De tudo que há aí no mundo, nela tem pra vender. Não há uma canção mais famosa no mundo sobre a terra do Coronel Ludujero! Se vivo fosse, Nelson Barbalho, que imortalizou a cidade como “O País de Caruaru”, certamente concordaria comigo em número, gênero e grau.
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“A Feira de Caruaru”, canção imortalizada na voz de Luiz Gonzaga, saiu da pena de outro gênio parceiro do Rei do Baião: o caruaruense Onildo Almeida, que está entre nós, com 97 anos, esbanjando saúde e charme na sua Caruaru.
Já fiz até um Sextou com ele, programa musical que ancoro pela Rede Nordeste de Rádio, no qual exibiu uma incrível vitalidade e uma lucidez impressionante. Nele, Onildo contou uma história fantástica: a despedida precoce do Gonzagão dos palcos da vida que não se concretizou por obra do próprio Onildo, que deu uma bronca no rei e depois lhe presenteou com a música “A hora do Adeus”.
Onildo Almeida é acadêmico e com o tempo virou Doutor Honoris Causa da UFPE. Parceiro musical e amigo de Luiz Gonzaga por cerca de 32 anos, gravou junto com o Rei do Baião 22 músicas. Entre os clássicos, além da composição “A Feira de Caruaru”, se imortaliza também com “Aproveita Gente”, “Regresso do Rei”, “Sanfoneiro Zé Tatu” e “A Hora do Adeus”.
Onildo contou que em 1967, o Rei do Baião o pediu para escrever uma música que representasse o fim da sua bem-sucedida carreira. Segundo Onildo, Gonzaga sentia que o tempo dele no cenário musical havia chegado ao fim. No início, Onildo se recusou, mas depois fez a canção.
“Uma semana depois [do pedido de Gonzaga] fui ao Rio de Janeiro. Meus colegas de rádio de Caruaru estavam lá e nos encontramos. Luiz Queiroga, que era um deles, tirou um papel do bolso com umas palavras e disse: ‘Vocês querem ver o que é talento? Onildo, coloca música nisso aí’. Quando eu abri o papel, tinham dois versos: O meu cabelo já começa prateando, mas a sanfona ainda não desafinou / A minha voz vocês reparem eu cantando, que é a mesma voz de quando meu reinado começou. E eu fiz desses verso uma música”, relembrou, na entrevista ao Sextou.
Quando Onildo voltou para Caruaru, percebeu que Queiroga havia escrito poucos versos e decidiu completar a obra. “Dias depois, Luiz Gonzaga chegou perguntando se eu havia feito a música para ele. Respondi que não faria, mas acabei mostrando ‘A Hora do Adeus’, com os meus versos e os de Luiz Queiroga”, acrescentou.
Emocionado, Gonzaga chorou ao ouvir a música pela primeira vez. E a gravou, mas ela não marcou o fim da carreira do Rei do Baião. Para Onildo, “A Hora do Adeus” é uma das principais obras dele porque conta a história de Gonzaga do começo. “É uma canção importante porque conta a história do que é, para mim, o maior nome da música popular brasileira. Gonzaga não era só cantor, era compositor e instrumentista, por isso o acho o maior. Ele mudou e despertou no governo a realidade nordestina. Deu nome ao baião, xote, xaxado, coco de roda. Ninguém queria saber da música nordestina, era música de subdesenvolvimento. Mas, por causa da música de Gonzaga, o Nordeste mudou a cara”, ressalta Onildo.
O pequeno gigante Onildo Almeida é tão fenomenal quanto Zé Dantas, Humberto Teixeira e João Silva, o trio de ouro das melhores composições de Gonzagão. “A feira de Caruaru”, em 1957, vendeu, entre março e maio daquele ano, 100 mil cópias, configurando o primeiro grande recorde musical do Nordeste.
No mesmo ano, Onildo gravou o primeiro de seus dois discos na Mocambo, interpretando de sua autoria “A feira de Caruaru nº 2” e o xote “Casamento antigo”. Em 1960, a cantora Marinês gravou, de sua autoria, o xaxado “História de Lampião”.
Em 1961, a mesma cantora gravou dele e Jacinto Silva o coco “Gírias do Norte” e a moda de roda “Marinheiro”, de motivo popular, com arranjos dele. Em 1962, Marinês voltou a gravar composições de sua autoria: as modas de roda “Siriri, sirirá” e “Meu beija-flor”.
No mesmo ano, teve seu forró “Sanfoneiro Zé Tatu” gravado por Luiz Gonzaga. Gravou também no mesmo período, de sua autoria, os baiões “Zé Dantas”, em homenagem ao famoso compositor, falecido naquela ocasião, e “Vaquejada”. Em 1967, gravou, de sua parceria com Luiz Queiroga, “Hora do adeus” no LP “Óia eu aqui de novo”.
Em 1970, no LP “Sertão 70”, Luiz Gonzaga gravou o “Xote de saiote”. Em 1973, no LP “O fole roncou”, Luiz Gonzaga gravou, de Onildo e Janduhy Filizola, músico do Quinteto Violado, a composição “Cidadão de Caruaru”. Em 1974, compôs com Luiz Gonzaga “É sem querer”. Em 1978, teve sua composição “Onde o Nordeste garoa” gravada por Luiz Gonzaga no disco “Dengo maior”.
Em 1980, compôs com Luiz Gonzaga “Lá vai pitomba”. Em 1983 teve a música “Saudade de você” gravada por Jorge de Altinho e “Sai do sereno” por Dominguinhos. Em 1984, compôs com Luiz Gonzaga “Regresso do rei”. No mesmo ano, Jorge de Altinho gravou “Lamento”.
Em 1985, mais uma de suas parcerias com Luiz Gonzaga, “Sanfoneiro macho”, deu nome ao disco do Rei do Baião naquele ano. Em 1987, a cantora Marinês gravou no LP “Balaio de paixão” um pot-pourri com suas composições “E tará-rá-rá”, “Minha açucena” e “Meu benzim”.
No mesmo ano, Jorge de Altinho gravou “Sem você”. O Trio Nordestino obteve grande sucesso com a composição “Amor pra te dar”, parceria de Onildo e Agripino Aroeira. Em 1994, sua composição “A volta do regresso”, com Irandir Costa foi gravada pelo cantor Falcão no disco “Dinheiro não é tudo, mas é cem”.
Em 2001, teve a composição “ABC do amor” gravada por Flávio José. Com 543 composições gravadas, tendo sua composição “A feira de Caruaru” registro de gravações em 34 países, desde o final dos anos 1990, Onildo passou também a atuar como empresário, assumindo a posse e o comando da Rádio Cultura de Caruaru. Em 2006, completando 50 anos de gravação, “A feira de Caruaru” foi gravada no Japão, cantada na língua daquele país.
Em 2011, foi lançada uma coletânea, pela Star Music, com 23 músicas de sua autoria interpretadas por Luiz Gonzaga, em anos variados. As suas canções gravadas foram: “A feira de Caruaru”, “Capital do agreste” (c/ N. Barbalho), “Sanfoneiro Zé Tatu”, “Cidadão de Caruaru” (c/ Janduhy Finizola), “regresso do Rei” (c/ Luiz Gonzaga), “Hora do Adeus” (c/ Luiz Queiroga), “Zé Dantas”, “Só Xote”, “Queimando lenha”, “Tei-Tei no arraiá”, “Sanfoneiro macho” (c/ Luiz Gonzaga), “Tá bom demais”, “Lá vai Pitomba”, “Xote do saiote”, “Bom pra uns” (c/ Juarez Santiago), “Onde o nordeste garôa”, “É noite de São João”, “Meninas do grotão”, “É sem querer” (c/ Luiz Gonzaga), “Aboios” (c/ Luiz Gonzaga), “A feira de Caruaru (ao vivo)”, “Renascença” e “Aproveita gente”.
Foi na rádio em que trabalhava que Onildo Almeida conheceu e se tornou amigo de Luiz Gonzaga. O pernambucano de Exu foi um dos maiores divulgadores do trabalho do músico caruaruense. Em 2021, Onildo recebeu uma bela homenagem dos seus conterrâneos pelo conjunto da sua obra: Patrimônio Vivo de Caruaru, iniciativa da Fundação de Cultura do berço de Vitalino.
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