Como fiquei sabendo da morte de Eduardo
Tem uma música de Nando Reis que diz que o tempo voa e, quando se vê, já foi. Jota Quest canta que o tempo escorrega pelas mãos. Dez anos se completaram, ontem, do desastre aéreo em Santos (SP) que tirou a vida do ex-governador Eduardo Campos. E como o tempo voou! Lembro-me perfeitamente de tudo.
Estava chegando na Stampa, empresa de outdoor em Olinda, para uma conversa com Durval, irmão do ex-deputado Ricardo Costa, sobre a campanha publicitária com foco nos oito anos do blog, quando me liga a jornalista Andreza Matais, então diretora do Estadão em Brasília, a quem conheci como repórter da Agência Nordeste.
“Magno, estão dizendo que o avião que caiu em Santos era o que Eduardo estava a bordo. Você tem mais informações?”. Não sabia de absolutamente nada e, na verdade, fiquei chocado. A notícia não estava em nenhum blog, não havia saído em nenhuma TV. Contei para Durval e liguei imediatamente para Eduardo Monteiro, diretor-presidente do Grupo EQM, o qual a Folha integra, e me lembro até hoje da sua reação.
Leia mais“Pelo amor de Deus, Magno, não dá para acreditar”. Tão logo acabei de falar com Eduardo, me liga Andreza de volta, para informar que a tragédia estava consumada. Fui o primeiro a dar a notícia e a partir daí meu celular não parou. Gente de todos os quadrantes da terra querendo mais informações. Que dia triste! Briguei muito com Eduardo, nossa relação se deu entre tapas e beijos.
Na política, o neto de Arraes, que conheci jovem, levando a pasta do avô nas viagens pelo Interior do Estado, tinha duas faces e os que conviveram com ele assinam embaixo: era ao mesmo tempo implacável com os que pisavam nos seus calos e exímio sedutor na arte de ampliar seu exército de amigos e aliados. Primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill dizia que a política é quase tão excitante quanto a guerra e não menos perigosa. A grande diferença é que na guerra só se morre uma vez, mas na política diversas vezes.
Na vida pública, Eduardo viveu uma morte que parecia sem ressurreição, a do escândalo dos precatórios. Renasceu sendo inocentado. Recriou sua imagem quando ministro da Ciência e Tecnologia, espaço mais técnico do que político, quando fez do limão uma limonada, o que lhe deu musculatura para entrar na disputa pelo Governo do Estado e vencer a guerra mais desafiadora da sua vida.
A BRIGA – Na primeira gestão de Eduardo – 2007-2010 – passei dois anos sem falar com ele. A briga se deu por causa de um conjunto de máquinas agrícolas que estavam levando sol e chuva no IPA de Serra Talhada, fato que denunciei e ganhou amplitude nacional pelo descaso. Naquele dia, conheci a face coronelista dele: quase me esbofeteia numa discussão em Araripina. Ganhei um inimigo, sofri as perseguições, mas resisti a todas as intempéries.
A reconciliação – Com o passar dos tempos, amigos em comum, entretanto, nos levaram a fumar o cachimbo da paz. Na reconciliação, uma conversa também dura, olho no olho. Na altura do campeonato, Eduardo já era o governador mais popular do País e, no auge do seu sucesso, começava a fazer planos para um voo mais alto, de águia: a conquista da Presidência da República, projeto que passava pela sua reeleição.
Ouvia muito – Eduardo era um político diferenciado no trato com a mídia. Adorava ouvir opinião de jornalistas, publicitários, formadores de opinião em geral. De volta ao convívio sem conflitos comigo, vez por outra me surpreendia com um convite para ir ao Interior ou até mesmo para Brasília em sua aeronave. Ia sabendo que não era para entrevista, apenas para analisar cenários e colher opiniões. Era muito habilidoso, sabia ouvir os contrários, inclusive reconhecer erros, dando a mão à palmatória.
Bastidores em livro – No meu livro Histórias de Repórter, lançado em 2017, conto histórias de bastidores que vivi ao longo dos últimos 40 anos de jornalismo, algumas delas tendo Eduardo Campos como um dos personagens. Acompanhei a trajetória dele também como deputado federal, eleito o mais votado do Estado nas eleições de 1994, nas quais Miguel Arraes chegou ao Governo do Estado pela terceira e última vez, derrotando Gustavo Krause, pai da vice-governadora Priscila Krause.
No pescoço de Joca – Além de ser vítima pessoal da fúria de Eduardo Campos, ele já como governador, presenciei também outro fato do seu traço de político de personalidade forte, de não levar desaforo para casa. O ex-deputado federal Joca Colaço havia me dado uma entrevista bombástica para a Folha de Pernambuco, magoado com sua não reeleição em 94. Acusou Eduardo de entrar em suas bases para ser eleito o federal mais votado. Só não o chamou de arroz doce. Ao saber, Eduardo saiu procurando Joca no Congresso como se procura agulha no palheiro. O encontrou no cafezinho da Câmara, agarrou o desafeto pelo pescoço, pisando nos seus pés aos berros: “Repita o que você disse na entrevista para eu quebrar agora a sua cara”. Foi uma cena que nunca esqueci, presenciada por mim e o ex-senador Sérgio Guerra, além do ex-deputado carioca Miro Teixeira.
CURTAS
MALIGNO – Na minha convivência de altos e baixos com Eduardo, foi ele que, num certo dia, me pôs um apelido que pegou rapidamente no meio político do Estado e em Brasília: “Maligno”. Mas só me tratava assim na brincadeira, quando estava em alto astral, de bom humor.
BOA FONTE – Eduardo era, igualmente, uma excelente fonte de informação para os jornalistas. Sabia como ninguém contar os causos de bastidores. Com seu o humor ferino, quando se tratava de um adversário, nos levava a dar boas gargalhadas.
IMITADOR – Outro traço da personalidade de Eduardo Campos: ninguém imitava o jeito dos políticos, principalmente os folclóricos, como ele. Na voz e no modo de discursar, suas imitações eram perfeitas. Era bom contador de piadas. Esse lado alegre dele encantou o presidente Lula, que com ele criou fortes laços de amizade.
Perguntar não ofende: Quando surgirá no Estado um político tão plural como Eduardo?
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