Por Maria Cristina Fernandes
Do Valor Econômico
A exibição do vídeo com uma seleção dos atos mais violentos do 8 de janeiro, bem como dos documentos que comprovam o acesso das pessoas que preparam o golpe ao ex-presidente Jair Bolsonaro foi o ápice do voto do ministro relator, Alexandre de Moraes, que levou duas horas para fazer a leitura detalhada do seu voto.
A unanimidade com a qual a denúncia foi aceita demonstra não apenas o reconhecimento do trabalho do procurador-geral da República, Paulo Gonet, mas também o sucesso de Moraes, secundado pelos ministros Flávio Dino e Carmen Lúcia, em contrapor a “guerra campal” para desfazer a ideia do “passeio no parque” com a qual o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro , que, no primeiro dia do julgamento, foi alvo de questionamento do ministro Luiz Fux.
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Moraes recorreu à psicologia para explicar a relativização dos atos, que ele chamou de “viés de positividade”. Atribuiu a uma necessidade de autoproteção do cérebro o viés de lembrar as notícias boas e esquecer as ruins. Referiu-se ao caso de Débora Santos, a cabeleireira condenada a 14 anos de prisão, que não estava entre os réus da sessão, sem mencionar seu nome, como exemplo de “narrativa das velhinhas de bíblia na mão e de pessoas com batom” que “enganam as pessoas de boa fé com viés de positividade”.
A condenação de Débora teve pedido de vista do ministro Luiz Fux, que aludiu a sua decisão durante seu voto. “Em determinadas situações me deparo com penas exacerbadas. Quero analisar o contexto em que a senhora se encontra”, disse, num tom de explicação a Moraes sobre seu pedido. “Julgamos sob violenta emoção (…) debaixo da toga bate um coração”
Ainda que não estivesse em causa o mérito da denúncia, Moraes citou um por um os denunciados, acrescentando passagens da defesa apresentada por seus advogados que questionaram a materialidade da denúncia contra seus clientes.
Exibiu o registro de controle e de saída do Palácio do Alvorada no dia 7 de dezembro de 2022, dia em que foi exibida a minuta golpista aos três comandantes das Forças Armadas para contestar a posição defendida pelo advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, de que não há liame entre o ex-presidente e os atos golpistas: “Não é normal que um presidente da República que acabou de perder uma eleição se reúna com comandantes para tratar de uma minuta de golpe”.
E, numa referência à defesa apresentada por José Luis de Oliveira Lima, advogado do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e ex-candidato a vice-presidente de Bolsonaro, que se queixou de não ter tido acesso à totalidade das provas, leu mensagens que comprovariam a materialidade de seus atos e que estão presentes tanto no relatório dda Polícia Federal quanto na denúncia do PGR.
“Até a máfia tem como código de conduta não envolver a família de seus adversários”, disse, numa referência às mensagens em que Braga Netto dizia a um coronel para infernizar o ex-comandante da Aeronáutica, Carlos Batista Jr. e sua família pela resistência oferecida ao golpe.
Foi seguido pelo ministro Flávio Dino que se valeu do golpe de 1964 para contestar a tentativa de minimização do 8/1 pela inexistência de mortes naquele dia. “É uma desonra à memória nacional”, afirmou, numa referência aos mortos pelos 21 anos de ditadura. E, na mesma linha, mencionou o facismo e o nazismo para contestar a banalização dos acontecimentos. “Aqueles que, nos anos 1920 e 1930 normalizaram Mussolini e Hitler se arrependeram quando viram as consequências nos campos de concentração”.
Fustigou ainda Fux ao mencionar artigo de um colaborador de seu gabinete, Michael Procópio, em defesa da dupla tipificação de crimes. A superposição dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado foi mencionada por Fux no primeiro dia do julgamento como uma das questões que, a seu ver, têm colaborado para a dosimetria exagerada de penas. “Meus assessores têm total independência, mas o ministro sou eu”, respondeu Fux.
Moraes pegou carona no voto de Dino para também defender a coexistência dos dois crimes citando a Polônia. Disse que houve um atentado contra a Suprema Corte polonesa. E que isso se configurou num atentado contra um dos Poderes constituídos, mas não uma tentativa de golpe de Estado.
Na linha de que não se faz um golpe em um dia, a ministra Cármen Lúcia citou livro que está para ser publicado pela historiadora Heloísa Starling (“Máquina do golpe”) que mostra como o golpe de 1964 começou a ser urdido com a promulgação da Constituição de 1946.
Lembrou a tentativa de obstruir o voto dos eleitores do Nordeste, pela PRF, e que sua sugestão de antecipar a diplomação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do dia 19 para o dia 12 resultou da percepção de que se vivia, naquele momento, com o “ruído” debaixo dos pés – “Não foi um passeio na calçada do Forte Apache”.
Ao votar, Fux, rebateu o argumento de Dino de que as penas são fixadas pelo legislador. “É ele quem define mas é magistrado que as fixa”, disse, anunciando que faria a revisão da dosimetria ao longo do julgamento de mérito. Terminou seu voto com um elogio ao voto de Moraes – “Não deixou pedra sobre pedra” – numa postura mais amena do que a adotada no primeiro dia de julgamento quando defendeu a realização de um novo depoimento do delator ao qual gostaria de estar presente.
O presidente do colegiado, Cristiano Zanin, fez o voto mais curto, contestando o argumento da defesa de Bolsonaro sobre a ausência do presidente do Brasil no 8/1 (“Se colaborou, ele responde”), ressaltando a unanimidade daquela Primeira Turma na aceitação da denúncia.
Bolsonaro assistiu o julgamento da sala de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Se sua presença no plenário do STF na véspera, serviu para seus aliados para contrapor a “coragem” do ex-presidente à “covardia” de seu filho, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se fixou nos Estados Unidos, desta vez, pareceu sinalizar que é daquela Casa que espera uma resposta ao Supremo. A prioridade do ex-presidente é a eleição de uma bancada majoritária no Senado capaz de votar o impeachment de ministros do STF.
A má notícia da unanimidade para Bolsonaro só concorreu com a nota do presidente americano, Donald Trump, que, ao apresentar uma proposta legislativa para aumentar a segurança do sistema de votação e evitar o voto de estrangeiros, fez um elogio à biometria sistema eleitoral brasileiro. A afronta ao resultado das urnas é um dos motivos pelos quais Bolsonaro foi parar no banco dos réus.
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