Por que a economia não explica tudo na crise de popularidade de Lula

Por Josué Medeiros

Da Carta Capital

A mais recente pesquisa Datafolha sobre a popularidade de Lula caiu como uma granada no colo da esquerda. Entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, a aprovação ao governo despencou de 35% para 24% — o menor patamar de Lula em três mandatos. Já a reprovação subiu de 34% para 41%, enquanto a avaliação regular passou de 29% para 32%.

O choque é maior quando se constata que a queda atinge justamente os setores mais pobres e o Nordeste, redutos tradicionais de apoio a Lula desde 2006. Entre quem ganha até dois salários-mínimos, a aprovação recuou de 44% para 29%. Na região Nordeste, redutos tradicionais de apoio a Lula desde 2006. Entre quem ganha até dois salários-mínimos, a aprovação recuou de 44% para 29%. Na região Nordeste, despencou de 49% para 33%.

Trata-se de uma tendência já mostrada por outros institutos, como Quaest e Atlas, mas agora em proporções inéditas. Mesmo que haja alguma margem de erro no recuo de 11 pontos, o recado é cristalino: há um abacaxi político de grandes proporções a ser descascado por Lula e pelos segmentos populares e democráticos que sustentam o governo.

O primeiro passo é entender o que está acontecendo. Esses números surpreendem ainda mais porque a economia tem dado sinais positivos. A inflação, embora alta, é menor do que a do período Bolsonaro. A geração de empregos bate recordes e a renda do trabalho cresce. O consumo das famílias segue aquecido. Então, por que a popularidade está tão baixa?

Talvez seja hora de superar a antiga máxima “é a economia, estúpido” como mantra absoluto. Estamos diante de uma conjuntura marcada pela consolidação de uma extrema-direita capaz de mobilizar os sentimentos populares contra a esquerda e contra as instituições — fundindo tudo num só “sistema” que supostamente oprime o cidadão comum.

Desde que reassumiu a Presidência, Lula governa seguindo a fórmula de seus dois primeiros mandatos: reposicionou o Estado como indutor do crescimento, reestruturou políticas públicas e restituiu a “normalidade” das instituições. Os indicadores macroeconômicos, de fato, melhoraram — mas as pessoas seguem insatisfeitas.

Parte disso deriva de uma década de turbulências. A vida piorou, em maior ou menor grau, nos governos Dilma, Temer e Bolsonaro. Mesmo que Lula III esteja entregando resultados, paira a insegurança sobre a perenidade dessas conquistas. E a inflação é o principal fantasma de que o empobrecimento que pode voltar a assombrar o bolso.

Além disso, a realidade é outra em 2025. A crise climática é mais intensa e constante do que no início dos anos 2000, gerando uma sensação de mal-estar permanente que a extrema-direita explora, culpando o governo por qualquer desajuste — independente de o problema ter sido ou não causado pela ação humana.

A insegurança em geral também se amplifica nas redes sociais, onde abundam relatos e vídeos sobre assaltos e violências diversas. A extrema-direita se alimenta desse bombardeio contínuo, emendando o velho argumento de que o “Estado protege bandidos”.

Se você está infeliz, culpa da esquerda; se sua vida piorou, culpa do governo que “pega seu dinheiro e entrega tudo para os políticos”. Se você quer melhorar de vida, é preciso romper com o Estado e prosperar pelo seu suor. A extrema-direita martela mensagens desse tipo, a partir de um ecossistema robusto nas redes, com apoio de grandes estruturas de financiamento — e o pior, sem qualquer contraponto na mesma moeda.

O episódio da chamada “crise do Pix” é emblemático. As pessoas se revoltaram não por terem perdido dinheiro, mas como resultado de uma indignação política que juntou a desconfiança no Estado, o temor de mais impostos e a sensação de que “o governo só atrapalha”. Uma revolta eminentemente política contra o governo que ‘só atrapalha meu negócio’, ‘quer me taxar mais’ ou ‘quer mais dinheiro para os políticos’, e por aí vai.

Para enfrentar essa maré, Lula iniciou 2025 tentando se comunicar com mais força. A mudança na Secom foi o primeiro passo de uma estratégia para bater de frente com a narrativa de que “está tudo pior” sob sua gestão. Esta será uma batalha perdida, contudo, se for feita sob as mesmas táticas do século XX — as mesmas que fizeram de Lula a maior liderança política do Brasil. É urgente travar uma disputa de narrativas no ecossistema das redes e nos territórios, usando estratégias do século XXI.

Por Roberto Brant*

O isolamento geográfico sempre nos deu a falsa sensação de que o que ocorre no mundo não afeta decisivamente a nossa vida. Isso pode ter sido verdade no passado, mas há muito deixou de ser. Hoje, tanto na economia como na política, atingimos uma dimensão que forçosamente nos interconecta com tudo de relevante que ocorre no mundo.

Em grande parte do século XX tanto o Brasil como toda a América Latina viveram sob estrita dependência dos Estados Unidos, dependência que várias vezes assumiu a forma de pura submissão e de relativização das nossas próprias soberanias. Com o fim da Guerra Fria e com o nosso amadurecimento econômico e político já não se pode dizer que fazemos parte da esfera de influência americana, como costumava ser no passado. O Brasil é hoje um país plenamente soberano, age com total autonomia política e tem relações econômicas diversificadas. Nosso principal parceiro comercial é a China e não mais os Estados Unidos e nada indica que isto possa mudar.

Apesar disso, a sucessão presidencial americana, que ocorreu com a posse de Donald Trump, poderá ter mais influência em nossa vida do que qualquer outra na história. Agora, não porque somos um país subdesenvolvido da América Latina, mas porque somos uma nação relevante no mundo. Se o Presidente Trump confirmar mesmo uma pequena parte do que tem prometido, a ordem mundial, na economia e na política, será completamente alterada — e certamente não para melhor.

Desde o fim da Segunda Guerra as alternâncias de poder político nos Estados Unidos transcorreram sem grandes surpresas ou ansiedades, porque não modificavam certos consensos fundamentais na política econômica e na política externa. Desta vez será diferente, pois as eleições deram o poder a um movimento anti-institucional, expressão de uma sociedade posta em situação defensiva e temerosa do futuro, diferente da América cheia de autoconfiança e de orgulho com que havíamos nos acostumados a lidar.

O novo governo recebeu um amplo mandato para tentar interromper o ritmo da evolução histórica que tem relativizado o poder político e econômico dos Estados Unidos e que encaminha o mundo para uma ordem global multipolarizada. Para esse fim, o novo governo está dispensado de obedecer a regras no plano internacional, mesmo que essas regras tenham sido constituídas sob a forte liderança da América e tenham servido até agora aos seus interesses. E está também liberado para desafiar internamente as próprias instituições do Estado de Direito, contando para isso com uma maioria parlamentar domesticada e uma Suprema Corte maleável e claramente politizada.

O que um povo decide livremente fazer com o seu país é um problema seu. No entanto, dado o peso e a força dos Estados Unidos, com seu exército, suas empresas, suas universidades, sua moeda, tudo que lá ocorre transborda para o mundo. No plano da geopolítica, a desmontagem das instituições internacionais pode transformar o mundo em um campo selvagem. Se os Estados Unidos podem invadir o Panamá e ocupar o canal, a Rússia tem todo o direito de invadir a Ucrânia e seguir adiante para defender seus interesses. Ocupar a Groelândia pela força será o fim da OTAN e da proteção da Europa diante das autocracias que a rodeiam. Tudo o que resultou da vitória da Segunda Guerra estará sepultado, e a paz de 1945 a 2025 parecerá um dia apenas; uma pausa na eterna tragédia da história humana.

Na economia a imposição unilateral de tarifas para ressuscitar a indústria americana vai desencadear respostas retaliatórias e tornar o comércio internacional um campo de batalha, retrocedendo a um ambiente que no século passado gerou recessões e guerra. O comércio deixará de ser uma relação econômica entre empresas e consumidores para se transformar em uma questão de Estado e de hegemonia política.

A ordem internacional em que vivemos tem muitos defeitos e a muitos parece injusta. Mas basta imaginar um mundo sem a ONU, sem a Organização Mundial da Saúde, sem a Organização Mundial do Comércio, para se ter a certeza de que algum dia teremos saudade deste mundo que estamos em vias de perder.

*Advogado, ex-deputado federal e ex-ministro da Previdência Social

Por Cláudio Soares*

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem se mostrado insatisfatório até mesmo para os mais fervorosos apoiadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Diversos fatores contribuem para esse descontentamento, refletindo uma gestão pífia e que parece distante das expectativas criadas durante as narrativas de palanques.

A economia brasileira, que deveria ser a prioridade de qualquer governo, encontra-se em estado crítico. Com a inflação de combustíveis e alimentos galopante, o trabalhador está sufocado, enfrentando dificuldades para arcar com as despesas do dia a dia. A promessa de um governo que priorizaria o povo se esvai diante das realidades financeiras que afetam milhões de brasileiros.

Além disso, o governo enfrentou críticas severas em relação à implementação de impostos do sistema PIX. As trapalhadas nesta área evidenciam não apenas a desorganização, mas também a falta de um planejamento eficaz, que tem prejudicado a confiança no sistema financeiro do país.

A gestão atual é marcada por um gasto excessivo e uma comunicação que muitas vezes se revela enganosa. Obras e promessas que deveriam ter sido concretizadas, cito exemplos que se espalha pelo Brasil, como a duplicação da rodovia que liga São Caetano a Serra Talhada, em Pernambuco, mas que permanecem apenas na narrativa.

O discurso de Lula, que antes inspirava esperança, agora soa cansativo e desprovido de inovação, deixando muitos questionando a efetividade de suas políticas.

Em meio a esses desafios, o Brasil também enfrenta um cenário alarmante de violência urbana. O avanço do crime organizado sem precedentes é uma preocupação crescente, com a população clamando por segurança e respostas efetivas do governo. A falta de estratégias claras para combater essa crise agrava ainda mais a percepção de ineficácia na gestão.

Para complicar a situação, a figura de Janja, esposa de Lula, tem sido alvo de controvérsias. Com uma postura que muitos consideram inadequada para alguém sem cargo oficial, ela aparece como uma sombra que parece exercer influência indevida sobre questões de governo. A conduta da Janja é marcada por excessos e mordomias às custas do dinheiro público, e isso levanta questões éticas que não podem ser ignoradas.

Em resumo, o governo Lula, que prometia renovação e avanço, enfrenta um mar de críticas e insatisfação. A população observa, com crescente preocupação, a falta de ação efetiva em áreas importantes, questionando a capacidade de liderança e a ética de seus representantes.

O desafio agora para o Lula e o PT é encontrar alguém que possa corresponder a simpatia da população e ser candidato em 2026, pois o presidente perdeu o controle da situação e demonstra cambalear.

O Fernando Haddad não consegue as soluções que realmente atendam às necessidades do povo brasileiro e revertam a atual trajetória de descontentamento na economia brasileira. O Haddad, politicamente, representa um caso em que, “nunca antes na história deste país”, se viu tanta incompetência.

*Advogado e jornalista

Por Osório Borba Neto*

Acordei hoje, sábado, e depois de me certificar que estava vivo, fui às notícias. Tempos confusos, para dizer o mínimo. Esbarrei em Trump, que segue propalando um nacionalismo radical em nome de uma democracia de uma mão só, onde ele manda e os outros obedecem.

Dei uma golada no café, acendi meu cigarro e li que o deputado Nikolas Ferreira convoca o povo para as ruas pelo impeachment de Lula, e que os bolsonaristas estão gestando uma historinha de que a USAID americana financiou a eleição que derrotou Bolsonaro.

Desanimado com a burrice campeando, parti para as notícias locais, e li a eleição das comissões da assembleia estadual e a derrota acachapante dos governistas e de Raquel.

Confesso que a incompetência política da governadora me impressionou pouco. A mim, não me parece que o resultado poderia ser outro, dada a postura autoritária. Sim, é preciso dar o nome certo às coisas, postura autoritária de Raquel, que tenta governar sozinha, sem dialogar.

É fácil perceber que as regras para a governadora somente valem quando lhe beneficiam. Quando não, esbraveja e se diz perseguida, invocando até o falecido tio Fernando Lyra, para sugerir a subversão da democracia.

Minha cabeça deu outra volta. Muito me espanta que Raquel, toda vez que perde, invoque o sagrado respeito à democracia, para atacar seus adversários políticos. Ontem as interferências do governo dentro da Assembleia Legislativa subverteram, diria eu, a independência e autonomia dos poderes.

Raquel, através dos emissários da Casa Civil, sussurrava nos ouvidos dos deputados, insuflando e tangendo para o embate, tudo na base da ameaça. Depois ainda teve uma ação judicial tentando anular o resultado do jogo democrático.

Raquel, assim como Nikolas e Trump, só se lembram da democracia quando essa os favorecem. Quando o jogo democrático dá outro resultado, tentam virar a mesa, ganhar no tapetão, usam a estrutura do Estado em benefício pessoal.

Sim, pessoal, a briga com a Alepe não aproveita em nada o Estado de Pernambuco e compromete a governabilidade. Raquel precisa entender que Pernambuco é dos Pernambucanos.

*Jornalista do Vedomosti

Do blog do Luis Tôrres

O governo Lula III baseou toda sua sustentação na defesa da democracia. E veio se segurando nela até então. Deu-lhe verniz. E proximidade com o Supremo Tribunal Federal. Mas o piso do palco desabou. Porque a estrutura não se sustenta somente com isso. O governo precisava entender que a defesa da democracia é o início, mas não um fim único e exclusivo de uma gestão. A finalidade é resultado positivo de governo.

Aliás, defende-se a democracia para que a maioria, de forma livre, escolha manter os bons governos com base em suas aprovações. A democracia, mãe da liberdade de escolha, no entanto, não sustenta governos ruins. E Lula não fez o dever de casa para que, numa democracia, ele seja a preferência da maioria. A democracia, neste sentido, bota para fora no momento certo, gestões que não dão resultados positivos. Especialmente na economia.

Uma inflação que esmaga o poder de compra do brasileiro, juros que não baixam por causa disso e um bate cabeça sem medidas para conter o desequilíbrio fiscal que o Brasil se encontra, gerando desconfiança de investidores e populares, são reflexos de um desestímulo quanto à expectativa da atual gestão.

O governo do PT chega, portanto, neste terceiro ano com índices de aprovação que são a antessala da substituição “democrática”, de acordo os números recentes da pesquisa Datafolha. É possível que nem na época mais dura das Lava Jato, que resultou na prisão do atual presidente à época, a aprovação de Lula estava tão em baixa na avaliação popular.

E não se trata de debates ideológicos, de vídeos de Nicolas Ferreira e nem da capenga comunicação do governo ao longo dos dois primeiros anos. É que sem dinheiro – ou com dinheiro sem valor – não tem povo que fique feliz com seu presidente.

O pior e mais perigoso de tudo isso é que para o cenário que Lula está levando o Brasil é possível que não apenas a economia seja prejudicada e, com isso, a vida da maioria do brasileiro. Num país de arroubos antidemocráticos, é a própria democracia.

Ou seja, aquilo que era o maior e único bem que Lula se vangloriava preservar, ele mesmo coloca em risco ao manter um governo ruim e desaprovado. Porque se o nível de enfraquecimento baixar para níveis ainda mais insustentáveis, se houver um recrudescimento ainda maior na economia, aí os fantasmas de 2016 começarão a sair dos armários e voltarão a assombrar o atual governo antes mesmo das eleições de 2026. Ou alguém ainda tem alguma dúvida que o nebuloso cenário econômico da época foi uma das principais facilidades para que a tese de impeachment de Dilma Rousseff se alastrasse?

Não é (ainda) o que mostram os números da Datafolha no caso de Lula, visto que a aprovação de apenas 24% é a menor da história dos seus governos, mas a desaprovação ainda briga com os eleitores que estão no campo da avaliação “regular”. O problema é se esses 32% que ainda avaliam como regular penderam para reprovação.

Aí não tem Hugo Motta, Davi Alcolumbre ou Supremo Tribunal Federal que confronte a insanidade que ainda impera no Brasil para segurar um cenário de desastre completo.

Em outras palavras, se Lula quer realmente ajudar a preservar a democracia neste país dos extremos é bom começar logo a reagir para recuperar a imagem apresentando resultados com reflexos diretos à população.

Pela democracia, tem até outubro de 2026 pra isso. Fora dela, o prazo é imprevisível…

Por César Felício

Do Valor Econômico

As pesquisas Datafolha são presenciais por ponto fluxo, com cerca de 2 mil entrevistas em um campo muito curto, dois dias no caso do levantamento sobre avaliação de governo divulgado nesta sexta-feira (14). É, portanto, uma pesquisa que capta bem a fotografia do momento. A crise do Pix, maior dano reputacional do governo em 2025, já tem mais de um mês. Como então atribuir a esse evento o fato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva somar apenas 24% de bom e ótimo, ante 41% de ruim e péssimo?

A explicação está na natureza da perda que o presidente teve. É uma perda ancorada na decepção. No episódio da crise do Pix, Lula recuou com mais força entre seus eleitorados cativos, no Nordeste, na baixa renda, entre mulheres. Decepções são feridas de cicatrização muito mais difícil porque o desafio que se coloca é retomar a confiança perdida. A decepção, de certa forma, equivale a uma traição. Em casos assim, os efeitos subsistem mesmo depois de cessada a causa.

Este é um processo inédito no governo Lula III, mas não no Brasil. O cientista político do Ipespe Antonio Lavareda, com décadas de experiência em pesquisas de opinião, lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro também viveu a defecção de parte de seus eleitores, perdendo espaço de maneira generalizada em seus redutos do Sul e do Sudeste, até mesmo em Estados como Santa Catarina, entre a eleição de 2018 e 2022. “Fundamentalmente ele perdeu a eleição por isso. É o mesmo risco que Lula corre agora”, comentou.

A defecção é mais difícil de reverter porque depende de uma sequência de fatos positivos para a anulação de um fato negativo. O presidente pode chamar o marqueteiro para assumir um ministério, mas não há narrativa que sobreviva à falta de marca. Há um problema, comentado de forma generalizada por analistas políticos e pelos próprios políticos, de falta de assunto ao governo. Não há uma compreensão sobre qual é o significado básico da volta de Lula ao poder, terminado o consenso momentâneo que seus adversários proporcionaram a ele com os atos de 8 de janeiro. Assim sendo, o governo fica vulnerável a qualquer vento de proa, de acordo com o diagnóstico de Lavareda.

Este é um momento delicado para o presidente porque deve crescer dentro da base petista a pressão por um cavalo de pau na economia, cortando os elos que ainda existem entre o governo e o mercado financeiro, assentados na manutenção de um enquadramento fiscal mínimo. Já é esta a tônica dentro de grupos de apoiadores do governo nas redes sociais.

Por Hélio Schwartsman
Da Folha de São Paulo

Esqueça a guerra tarifária e a sudetização da Ucrânia, o contencioso trumpiano mais legal de acompanhar no momento é aquele em torno do golfo do México, que o presidente americano rebatizou de golfo da América.

Solícitos, Google e Apple atenderam ao capricho presidencial, exibindo o novo nome em seus aplicativos de mapas quando acionados a partir do território americano. A Associated Press não aquiesceu e teve um de seus repórteres barrado em evento da Casa Branca.

A presidente do México, liderando um movimento de resistência, ameaça processar o Google por ter alterado seus mapas.

O nacionalismo onomástico não é exatamente uma novidade. Brasileiros estamos familiarizados com a polêmica Malvinas/Falklands. Algum tempo atrás, os próprios americanos, indignados com a oposição francesa à invasão do Iraque (2003), tentaram rebatizar as “french fries” (batatas fritas) de “freedom fries”. Não colou. O povo continuou pedindo e comendo “french fries”.

O que há por trás de um nome? Ele é um simples designador de coisas (função de referência), como ocorre quando dizemos “esta rosa”, ou opera também no nível do significado, evocando idealizações de conceitos (a palavra “rosa” sem o “esta”), que nos permitem reconhecer universais, isto é, a rosidade que traduz o que há de comum a todas as rosas?

É complicado. Como já mostrara Abelardo no século 12, mesmo que não houvesse mais rosas, o nome “rosa” ainda significaria algo, ou a proposição “não existem rosas” deixaria de fazer sentido. Uma das áreas mais fascinantes da filosofia é a filosofia da linguagem.

Quando deixamos que a política invada a seara dos nomes, entramos em território propício a fake news. Como observou Voltaire, o Sacro Império Romano-Germânico não era sacro, nem era um império e nada tinha de romano. Ao menos era germânico.

Alternativamente, podemos entrar só no terreno do ridículo, como é o caso do golfo da América. Mas quem dera os ímpetos antissistema de Trump se limitassem a rebatizar topônimos.

Por Luiz Queiroz
Do Capital Digital

O Ministério das Comunicações e a Anatel, numa “união de esforços”, decidiram lançar um edital que tem por objeto, “expandir ou melhorar significativamente a conectividade em regiões desatendidas, por meio da expansão da infraestrutura de telecomunicações”.

Traduzindo: o governo irá pagar pela oferta de empresas que for mais baixa em valores, para que levem o acesso à Internet e à telefonia móvel (SMP), naquelas áreas remotas do país onde descaradamente alegavam que não prestavam o serviço porque “não dava lucro”.

Ao todo serão 70 localidades em 17 estados beneficiadas por essa política pública, que nunca foi tratada com seriedade por nenhum dos dois orgãos, quando elaboraram os editais de vendas de licenças para exploração do SMP/banda larga no 3G, 4G e no 5G.

Há anos esse situação se arrasta sem solução. Parece que agora encontraram o meio: pagar para as teles fazerem o seu papel. Lindo!

O edital foi elaborado pela “Seja Digital” – uma entidade não governamental “sem fins lucrativos” que teria por missão arrancar o dinheiro das teles para o governo beneficiar os radiodifusores na migração do sinal de TV analógico para o digital no Brasil. Isso foi definido pelo Edital de Licitação da Anatel em 2014 (4G). Quem comprou as licenças, teve de pagar pela mudança de sinal na radiodifusão.

Como houve sobra de caixa, o governo resolveu agora fazer uma operação de “devolução” do dinheiro para as empresas, desde que elas assumam o compromisso de levar a Internet e a telefonia móvel, justamente nas áreas onde não foram obrigadas a levar em 2014.

Em outras palavras, o governo estará bancando a montagem da infraestrutura de rede para as teles prestarem o serviço depois a custo zero. Lucro certo para elas. Porque não terão de descontar no processo de cobrança dos serviços a serem prestados aos usuários o custo da instalação dessa rede. Já que o governo “pagou” por isso com a sobra de caixa do leilão de 2014. Legal, né?

A Anatel foi omissa no passado ao não exigir das empresas o compromisso de abrangência ou universalização desses serviços nessas áreas, como condição para obterem as licenças. Depois ainda perdoou dívidas de multas por má prestação de serviços ou por terem descumprido com a instalação de rede até em áreas previstas no edital. E agora o regulador “une-se ao esforço do Ministério das Comunicações”, no sentido de incluir parcela da população que ainda vive num apagão digital por omissão governamental.

*Neste país, o mais bobo voa de ré.

Seguem os prazos que irão correr para a escolha das empresas, previstos no edital 02.

Publicação do Edital: 10/02/2025
Esclarecimentos de dúvidas: de 10/02/2025 até 06/03/2025
Manifestação de interesse: de 07/03/2025 até 12/03/2025
Habilitação das proponentes: de 13/03/2025 até 17/03/2025
Leilão: 18/03/2025
Homologação e publicação dos vencedores: 21/03/25
Assinatura do Termo de Compromisso: de 24/03/2025 a 27/03/2025.

Por José Adalbertovsky Ribeiro*

MONTANHAS DA JAQUEIRA – Nesta hora em que as pesquisas revelam a popularidade do guru da seita vermelha no Nordeste mais baixa que a camada do pré-sal do petróleo, o vermelhão se treme todo, a tremedeira entra pelas rachaduras do gogó de sola, toma conta do corpo e acaba nos pés.

Rebobinemos a catraca do tempo: as torcidas organizadas da seita vermelha fizeram 6 milhões de gols na Bahia nas eleições presidenciais de 2022; o time do capitão perdeu de goleada ao balançar as redes apenas 2.357 milhões de vezes. A goleada da esquerda na Bahia foi maior que a lavagem nacional de 2,139 milhões de gols. E maior que a goleada de 7 a 1 da seleção da Alemanha contra a seleção canarinha em 2014.

Se houvesse um cataclismo do bem (preservadas as vidas dos habitantes, caranguejos e pés de cacau), e a Bahia se separasse do continente brasileiro, seria criada uma Groenlândia do Atlântico Sul. Poderia levar consigo os Renandites, Colloredes e Delyrantes das Alagoas.

Assim, a nova Groenlândia seria governada por essa patota, os caboclos mamadores da Lei Rouanet e os donos de trios elétricos. O guru da seita do cordão encarnado seria eleito babalorixá da Terra de Todos os Santos e de quase todos os pecados.

Nesta Capitania da Nova Lusitânia seria instalado o reinado dos descendentes da Governadora-Donatária Brites de Albuquerque, que governou nas primeiras décadas de 1500. Haveria apenas um problema sucessório: a governadora era viúva sem filhos e o irmão dela, Jerônimo de Albuquerque, era um grande pegador, gerou uma multidão de filhos. Possuía um harém de mulheres formosas, cheirosas e saborosas. Foi chamado de Adão de Pernambuco. A cada noite injetava o sêmen azul e branco das cores da Capitania em meia dúzia de quatro a cinco donzelas. As namoradas de Dom Jerônimo eram nomeadas professoras da Secretaria de Educação. O salário era de 10 contos de réis mais vale-transporte.

Os pirralhos da prole Albuquerque faziam fila em frente ao palácio para beijar a mão da governadora: “Bênção, tia! Bênção, tia!” A governadora dona Brites distribuía notebooks Apple e smartphone Galaxy para a meninada usar nas escolas do Estado. Era proibido usar celular nas horas de aula. Os amigos de Dom Jerônimo eram nomeados assessores especiais do Governo, com salário de 100 contos de réis. Os pelegos dos sindicatos ganhavam sem trabalhar.

A família Inácio da Silva vem da tribo de Caetés, perto de Garanhuns, de origem daqueles índios antropófagos que devoraram o bispo Sardinha, nos tempos das catequeses. Ainda hoje os Inácio da Silva são muito cabulosos. Eu sou apenas um humilde Marquês da Ribeirolândia na Serra da Borborema, província de Parahyba.

Quando eu crescer e for eleito governador vou reabilitar o nome da capital Filipéia de Nossa Senhora das Neves, da pequenina e heróica Parahyba do Norte. Concordo com o monarquista Ariano Suassuna, de que esse nome João Pessoa não tem nada a ver com as tradições históricas do Estado, foi um casuísmo adotado na chamada Revolução de 1930, que na verdade nunca foi uma revolução.

*Periodista, escritor e quase poeta

Por Angelo Castelo Branco*

Na memória recente, a primeira grande inundação que impactou profundamente o Recife ocorreu em 1966. As águas do Capibaribe, em seu curso natural, retomaram os espaços que lhes pertencem há séculos ou milênios, lançando a cidade em desespero. O transbordamento encontrou um ambiente urbano marcado pela ocupação desordenada do solo, sem planejamento estratégico ou controle eficaz por parte da prefeitura e do governo estadual. Foi a primeira “cheia” amplamente divulgada pela mídia nos tempos modernos. Outras, ainda mais devastadoras, viriam na década de 1970, deixando um rastro de destruição e morte, semelhante ao cenário de bombardeios em tempos de guerra.

Hoje, em pleno século XXI, o Recife ainda não estruturou um plano urbano capaz de harmonizar suas características naturais com a necessidade de expansão habitacional. Ao longo dos anos, os espelhos d’água que marcaram a paisagem desde Maurício de Nassau foram sendo ocupados um a um, num processo de degradação ambiental não apenas ignorado, mas muitas vezes incentivado pelo poder público. A fiscalização ineficiente e planos diretores frequentemente alterados por interesses inconfessáveis contribuíram para o cenário caótico que persiste até hoje.

O desrespeito à natureza avançou sem limites e sem a mínima responsabilidade por parte da população e de suas lideranças. O improviso e a permissividade foram as diretrizes de um crescimento urbano descontrolado, cujas consequências se manifestam a cada temporada de chuvas. As tragédias, cíclicas e previsíveis, são atribuídas a “excepcionais” concentrações de nuvens, como se o clima tropical e suas precipitações intensas não fossem uma característica natural e conhecida da região. Trata-se, no fim, da velha “desculpa de amarelo”, como se dizia no século passado.

Mais curioso ainda são as reações. O prefeito da vez é sempre responsabilizado, como se fosse o único culpado pela desordem de um Recife que, periodicamente, vê suas águas reivindicarem o espaço que lhes pertence por determinação milenar da natureza. A realidade é outra: não é apenas o gestor atual, mas uma longa sucessão de prefeitos que fracassaram na organização do crescimento da cidade, permitindo que o problema se perpetuasse.

Mesmo os leigos em engenharia e planejamento urbano reconhecem que o sistema de drenagem do Recife está obsoleto diante da ocupação desordenada do solo. A inovação dependeria de um prefeito disposto a romper esse ciclo, convocando uma comissão técnica de alto nível – incluindo especialistas internacionais, se necessário – para desenvolver um projeto de médio e longo prazo. Esse plano deveria integrar a cidade às suas águas, com soluções modernas e eficazes, como já fizeram metrópoles seculares como Nova York, Buenos Aires e Londres. Transparência, publicidade em cada etapa e compromissos formais de execução garantiriam que as gestões futuras fossem obrigadas a dar continuidade ao projeto, em vez de perpetuar a inércia e o improviso.

Se assim fosse feito, o prefeito deixaria de ser o culpado – e livraria seus sucessores da culpa que, há mais de seis décadas, acompanha cada novo ocupante do cargo. O Recife, enfim, poderia sair da eterna briga perdida contra a natureza e começar a conviver com ela de forma inteligente.

*Jornalista e advogado