Por Charles Andrade*
No dia 27 de agosto relembramos os 26 anos da morte do líder religioso e Arcebispo Emérito da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, um dos mais importantes nomes da Igreja e da vida social no Brasil. Ele se destacou por sua postura profética em defesa dos pobres, dos direitos humanos e da justiça social.
Conhecido como o “Dom da Paz”, enfrentou com coragem o regime militar, denunciando a violência e a desigualdade que marcavam o país. Com uma espiritualidade marcada pela simplicidade e pela opção pelos marginalizados, tornou-se referência internacional na luta contra a miséria e pela dignidade humana, deixando um legado que une fé, coragem e compromisso político com os mais vulneráveis.
Leia maisToda a sua trajetória, ou “peregrinação terrestre”, como diriam os mais religiosos, construiu uma história de luta e fé que segue inspirando aqueles que buscam uma sociedade mais justa, com igualdade e direitos garantidos. Mas até que ponto esse legado tem influenciado, de fato, a construção de políticas públicas no Brasil? Infelizmente, o cenário político nacional parece cada vez mais distante dos princípios pregados pelo Dom da Paz, marcado por uma inversão constante de prioridades e pelo esquecimento das reais demandas sociais.
O que surpreende a sociedade não é apenas o distanciamento de muitos políticos em relação às necessidades do povo. O que se escancara é o envolvimento direto de lideranças religiosas em projetos de manutenção de poder, pessoal, concentrado e intransferível, que ultrapassa as paredes dos templos. Em muitos casos, a figura do líder religioso se confunde com a do sagrado, assumindo decisões até sobre a vida pessoal de seus fiéis.
Em nome desse poder, criam-se bravatas e discursos inflamados capazes de mobilizar multidões contra tudo e contra todos, sempre em busca da preservação de seus próprios interesses. Aliam-se a grupos políticos convenientes, enquanto a política social, a fome e a sede de justiça seguem em segundo plano.
Mesmo com avanços recentes apontados pelo IBGE, a fome e a pobreza continuam como marcas profundas no Brasil. Dados oficiais revelam que 28,5 milhões de brasileiros ainda convivem com a insegurança alimentar, sendo 7,1 milhões em situação grave, sem saber se terão o que comer no dia seguinte. Esse drama é mais intenso no Norte e no Nordeste, em regiões como a Baixada Maranhense, o Vale do Rio Purus (AM) e comunidades do entorno de Manaus, onde mais de 60% da população vive abaixo da linha da pobreza.
Diante desse cenário, a memória de Dom Hélder Câmara permanece mais viva do que nunca. Seu olhar profético para os pobres e marginalizados recorda que a missão da Igreja e de seus líderes não pode se reduzir a disputas de poder, mas deve se enraizar no compromisso com a vida, a dignidade e a justiça social. Em um Brasil onde milhões ainda padecem de fome, revisitar seu legado é reconhecer que fé e política não podem se afastar da compaixão e da defesa dos mais vulneráveis. Esse é um chamado urgente para os tempos atuais.
*Jornalista
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