Ao longo de 130 anos, Petrolina se ergueu graças à visão e à coragem de seus prefeitos. Cada liderança deixou marcas profundas, transformando a cidade em referência no Sertão pernambucano.
Cheguei em Petrolina no início da década de 1980 e pude testemunhar de perto seu crescimento: famílias chegando, empresas se instalando, riqueza sendo gerada e oportunidades surgindo. Tudo isso graças à visão empreendedora e ao compromisso de seus gestores.
Manoel Francisco de Souza Júnior, o primeiro prefeito, lançou as bases do Conselho Municipal. Agostinho Albuquerque Cavalcante consolidou os primeiros serviços administrativos essenciais. Lucindo Benício Rodrigues Coelho e Ignácio Rodrigues Bonfim fortaleceram a infraestrutura urbana. José Francisco de Albuquerque Cavalcanti e José Figueira Cavalcanti investiram em segurança e agricultura. Entre 1910 e 1920, Crispiniano Crispim Coelho Brandão, Antônio de Sant’Anna Filho e Otacílio Nunes de Souza modernizaram a administração e deram estabilidade à cidade nascente.
Consolidação e Modernização (1920–1960)
Pacífico Rodrigues da Luz, Alcides Padilha e João Ferreira da Silva (João Barracão) foram visionários, promovendo acordos políticos e reformas que deram estabilidade ao município. Na década de 1950, José de Souza Coelho e Diniz de Sá Cavalcanti impulsionaram educação, saneamento e políticas sociais, preparando Petrolina para o futuro.
Crescimento Econômico e Irrigação (1960–1988)
Nos anos 1970 e 1980, Simão Amorim Durando, Geraldo de Souza Coelho, Lauriano Alves Correia e Augusto de Souza Coelho transformaram Petrolina em polo agrícola e econômico. A fruticultura irrigada, a urbanização e os investimentos estratégicos consolidaram a cidade como referência no Vale do São Francisco.
Modernidade e Progresso Contemporâneo (1989–atualidade)
Guilherme Cruz de Souza Coelho, Fernando Bezerra Coelho, Odacy Amorim de Souza, Júlio Lóssio e Miguel Coelho avançaram em infraestrutura, saúde, educação e políticas sociais. Hoje, Simão Durando Filho mantém a cidade no caminho do desenvolvimento, fortalecendo programas que impactam a vida de milhares de petrolinenses.
Legados que inspiram
Cada prefeito deixou sua marca: pioneirismo, modernização, desenvolvimento urbano, políticas sociais e incentivo à agricultura irrigada. Petrolina celebra seus 130 anos honrando essas lideranças que transformaram desafios em oportunidades e sonhos em realidade.
Que as futuras gerações mantenham viva a chama do progresso, preservando os valores e visão, coragem e dedicação que construíram uma Petrolina de oportunidades, crescimento e esperança.
*Professor universitário aposentado, historiador, memorialista e cidadão Petrolinense!
Lido e cuidadosamente apreciado há pouco, como o faço com suas centenas de produções versíficas, vi, em mais um conjunto de pés decassilábicos lusitanos do escritor coestaduano Vianney Mesquita (Palmácia-CE, 17.08.1946), amplo curso de múltiplas destrezas: assertivas filosóficas, significados polissêmicos e magníficos resgates lexicais.
O produtor de Francisco Moradores do Céu (Palmácia-CE: Arcádia Nova Palmaciana, 2018), áugure dotado de vasta experiência na estese das catorze medidas em arte maior, com efeito, perfaz uma admirável densidade expressiva na consecução deste Travor e Melifluidade, reproduzido empós este rápido comentário, para nos explicitar a preponderância dos paradoxos na condição humana.
Assim, o autor deste mais do que precioso diamante polido com cinzel de fulgurante verve, dedicado ao eminente confrade Batista de Lima (Lavras da Mangabeira-CE) – antes se louvando na epígrafe do celebrado, per omnia secula… Dante Alighieri – está a nos revelar que a vida, esse fenômeno misterioso, é composta de contradições que dialogam incessantemente.
Sabores, cores, reflexos, ideias e atitudes do Homo sapiens estão permeadas de antíteses e antípodas, coexistindo em tudo a dialética dos dois lados, a energia binária, do fluxo e do refluxo, da dinâmica polaridade que engendra as mutações vorazes do tempo.
O soneto e a dedicatória mais conformam uma prova dessa dicotomia em que se conciliam, no verbo iluminado do vate ora sob escólio, três grandezas do templo imortal da Poesia. Analogamente, os números se multiplicam nos ritmos universais, desde a simbiose do primeiro com o segundo algarismo, surgindo o trinitário valor das manifestações da natureza.
In hoc sensu, o poeta é o filósofo, na conceição do Fiat lux do soneto.
Eis que, em verdade, se
pronunciou outra vez a luz.
*Escritor, poeta, bacharel em Letras e Direito, diplomata, membro da Academia de Letras do Brasil e da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo. Tem mais de 50 livros publicados.
A prisão de um ex-presidente da República é um fato que transcende a figura do indivíduo. Não se trata apenas de uma biografia marcada por processos ou sentenças, mas de um acontecimento que projeta sua sombra sobre a imagem internacional do país e sobre a própria confiança interna nas instituições. É inevitável que a detenção de quem já exerceu o mais alto cargo da nação se converta em símbolo, seja para demonstrar força da lei, seja para expor as fragilidades do sistema judicial.
Há quem sustente que a prisão de um presidente seria demonstração de maturidade democrática. A narrativa é sedutora: ninguém estaria acima da lei. Contudo, na prática, essa leitura é simplista. O que deveria ser um gesto de afirmação do Estado de Direito frequentemente se transforma em espetáculo, com efeitos danosos para a percepção externa do país e para a coesão interna. Não se trata de blindar ex-presidentes de sua responsabilidade jurídica, mas de reconhecer que, quando o processo é malconduzido, a justiça deixa de cumprir sua função e se converte em injustiça.
O Brasil já viveu esse dilema. Luiz Inácio Lula da Silva permaneceu mais de 500 dias encarcerado. Sua liberdade foi restabelecida não porque tivesse sido absolvido, mas porque o Supremo Tribunal Federal reconheceu que seu julgamento não havia respeitado os ritos e garantias processuais devidos. A anulação não apaga a suspeita de erros, mas evidencia que a pressa ou a contaminação política nos julgamentos corroem o sentido de justiça. A consequência foi paradoxal: Lula, depois de preso, voltou a se candidatar e reassumiu a Presidência, com as cicatrizes de um processo falho marcando não apenas sua trajetória, mas a credibilidade das instituições que o julgaram.
Hoje, assiste-se a fenômeno semelhante com Jair Bolsonaro e integrantes de seu núcleo político. Independentemente das convicções individuais sobre sua conduta, a questão que se coloca é se os julgamentos têm obedecido à técnica, à legalidade e às garantias constitucionais. Quando o Judiciário parece ceder ao clamor político ou midiático, instala-se a percepção de politização da Justiça e isso é corrosivo. Não há democracia sólida onde as cortes se transformam em arenas de disputa ideológica.
A justiça malfeita, ainda que movida pela intenção de punir culpados, é sempre uma injustiça. Quando se atropelam prazos, quando se flexibilizam regras probatórias, quando se confundem instâncias, o resultado é a fragilização da própria ideia de imparcialidade. É esse o ponto crucial: não se discute se ex-presidentes podem ou não ser responsabilizados. Devem sê-lo, quando há provas robustas e julgamento regular. O que está em jogo é a forma. Sem ritos e sem respeito à lei, o que se produz é instabilidade, não justiça.
É necessário compreender que a democracia se apoia em instituições sólidas, capazes de julgar até os mais poderosos sem se contaminar por paixões políticas. Se o processo contra Lula mostrou a falência de uma operação judicial que confundiu justiça com militância, o processo contra Bolsonaro e aliados expõe risco semelhante. A história não perdoa esses desvios: a posteridade não verá líderes condenados ou libertos, mas países que falharam em aplicar justiça de modo equilibrado.
A prisão de um presidente da República, quando não amparada por um processo exemplar, arranha a imagem do país perante o mundo. O que poderia ser visto como prova de responsabilidade institucional converte-se em evidência de instabilidade. A democracia não se mede pela quantidade de presidentes encarcerados, mas pela capacidade de julgar com serenidade, sem ceder a pressões, e de aplicar a lei de modo igualitário. É essa a medida da maturidade democrática.
Por Jorge Henrique Cartaxo e Lenora Barbo* Do Correio Braziliense
“Gostei de ver o seu amigo Kubitschek. Ele está solidamente apoiado pelo povo de Minas. Não seria a hora de nós deflagrarmos a sucessão? Procure fazer uma sondagem em torno do governador. Mas faça com cuidado, para que o Aranha não se aborreça”, disse Vargas a um sorridente e aquiescente Tancredo Neves, então ministro da Justiça, ao desembarcar, no Aeroporto Santos Dumont, regressando de Belo Horizonte, em 13 de agosto de 1954.
O trajeto do Aeroporto da Pampulha até a Mannesmann, na então cidade industrial (hoje Contagem), estava todo bloqueado pela Polícia Militar de Minas Gerais, para que Vargas e Juscelino fizessem todo o percurso até a solenidade de inauguração da famosa empresa alemã de tubos de aço sem sobressaltos. “No governo, represento o princípio da legalidade constitucional que me cabe preservar e defender. Advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem que saberei resistir a todas e quaisquer tentativas de perturbação da paz e da tranquilidade públicas”, disse o presidente no fim da manhã de 12 de agosto, ao lado de JK, no seu último pronunciamento oficial.
Na pérgola da piscina do Palácio da Liberdade, já no meio da tarde, ao som suave de uma pequena orquestra, Vargas saboreava o farto repasto oferecido pelo governador mineiro. Apreensivo, o general Caiado de Castro aproximou-se do presidente lembrando que o avião já estava pronto para a partida. As tensões políticas no Rio permaneciam crescentes. A missa de sétimo dia em memória do major Rubens Vaz, morto no suposto atentado contra o então deputado Carlos Lacerda, celebrada na Candelária, acirrara em muito os ânimos dos militares. Possivelmente querendo um pouco de distanciamento de tudo, um cenário distinto, Vargas, com a suavidade consistente que lhe era própria, fitou o amigo e disse: “Não sigo hoje para o Rio, general, vou pernoitar em Belo Horizonte”.
Ao fim do longo almoço, às 17 horas, Juscelino levou Vargas para o Palácio das Mangabeiras. Às 19 horas, o presidente recebeu em audiência um grupo de trabalhadores. Às 21 horas, foi servido o jantar com a presença de diretores da Mannesmann, lideranças políticas e personalidades da sociedade mineira. Agora era o violão e a voz de Dilermando Reis que animavam a noite.
Findo o jantar, insone na madrugada, Vargas percorreu a biblioteca do Palácio. Percebendo o movimento, JK foi ao seu encontro. “Não durmo sem antes ler um pouco”, explicou-se o presidente ao notar a presença do governador, dirigindo-se para a escada que o levaria aos seus aposentos, no primeiro andar, com um livro do Eça de Queiroz nas mãos. Assim, como quem tece uma teia ou faz um bordado do adeus da vida que ele se encarregaria de encerrar, na manhã de 24 daquele mesmo mês de agosto de 1954.
JK se despede de Vargas, em 13 de agosto de 1954
Café Filho, vice-presidente de Vargas, sergipano do PSP de Adhemar de Barros, assume a presidência da República no mesmo 24 de agosto de 1954. Em meio aos protestos que tomaram conta do país com o suicídio de Vargas, o então ministro da Guerra, general Euclides Zenóbio da Costa, pede demissão. Ele teria sido um dos idealizadores do Manifesto dos Generais de 22 de agosto de 1954, exigindo a renúncia de Vargas. Café Filho nomeia o general Henrique Teixeira Lott, disciplinado e legalista, no lugar de Zenóbio.
As articulações para a sucessão presidencial tomam corpo. A UDN, agora integrada com o governo Café Filho, parecia ter a preferência eleitoral. Mas logo se assustou com a presença de Juscelino no cenário nacional e a sua aproximação com o PTB de João Goulart, o herdeiro natural do getulismo. A ideia de uma candidatura única, a mesma que surgiu em 1950 contra Vargas, também capitaneada pela UDN, voltou às manchetes e aos gabinetes, agora na voz de Lacerda e de alguns generais.
O mesmo fantasma de uma suposta República de orientação sócia-sindicalista — o mesmo de 1950, também contra Vargas —, em conluio com o presidente argentino, Juan Domingos Perón, a famosa Carta Brandi foi divulgada com estardalhaço pela Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda. A carta era falsa! A pressão por uma candidatura única permaneceu e se intensificou. Até uma emenda constitucional definindo a maioria absoluta dos votos, como quórum mínimo para assegurar a eleição do novo presidente, a UDN apresentou, sem sucesso.
Juscelino e Jango foram eleitos em 3 de outubro de 1955. As pressões mudaram de tom e de forma: agora, era um golpe militar! Em 1º de novembro de 1955, no enterro do general Canrobert, ao lado do general e ministro Teixeira Lott, o coronel Jurandir Mamede fez um discurso contra os presidente e vice-presidente eleitos. Defendeu o impedimento da posse de JK e de Jango. Na ocasião, subordinado à Escola Superior de Guerra, Mamede não podia ser punido diretamente pelo ministro, que buscou o apoio do Estado Maior do Exército. Não conseguiu! Lott foi, então, ao presidente da República pedir a punição pretendida para Mamede, arguindo o desrespeito à hierarquia. Diante da tensão, Café Filho simula um providencial “infarto” e afasta-se da Presidência da República.
O presidente da Câmara, Carlos Luz, assume a Presidência da República em 8 de novembro. Lott vai ao Catete, recebe um chá de cadeira de duas horas e não obtém o apoio do presidente em exercício, para punir o coronel Jurandir Mamede. No dia 10, Lott pede demissão. A posse do general Álvaro Fiúza de Castro, o novo ministro da Guerra, foi marcada para o dia 11. Na noite do dia 10, os generais Odílio Denys, comandante da Zona Militar do Leste, e Olympio Falconière, comandante da Zona Militar do Centro, e um conjunto de oficiais-generais, percebem o golpe em curso, e decidem não aceitar a demissão do general Lott do Ministério da Guerra. Lott não era um homem qualquer. Sem o gabinete, mas com as armas, faz valer a Constituição. Na madrugada do dia 11, determina o cerco ao Catete, ocupa os quartéis da polícia e a sede da companhia telefônica.
Informado da movimentação das tropas, Carlos Luz e alguns ministros se escondem no Cruzador Tamandaré, então sob o comando do vice-almirante Silvio Heck. A bordo, estavam também Carlos Lacerda, Prado Kelly e os coronéis Jayme Portella e Jurandir Mamede. Determinado, Lott ordena alguns disparos da artilharia das fortalezas da costa do Rio de Janeiro contra o Cruzador Tamandaré. Carlos Luz teria impedido o revide do navio de guerra. As baixas civis e militares, no caso, teriam sido significativas. A embarcação militar rumou para Santos, onde esperava o apoio do governador Jânio Quadros e a resistência em favor de Carlos Luz, sob a liderança do brigadeiro Eduardo Gomes.
Naquela mesma manhã de 11 de novembro de 1955, o general Henrique Teixeira Lott encaminha ao presidente do Senado, Nereu Ramos, requerimento para que se vote o impeachment de Carlos Luz. O presidente em exercício teria deixado o território brasileiro sem a devida autorização do Congresso Nacional. A sessão foi tensa e tumultuada, mas por 185 votos a favor e 72 contrários, Luz perdeu todos os poderes. Em São Paulo, Jânio muda de posição ao se ver diante da determinação do general Falconière. O mesmo recuo aconteceu com o Alto Comando da Marinha, que não escondia sua posição contra JK. Lacerda se esconde na embaixada de Cuba, do então do ditador Fulgêncio Batista. Carlos Luz pede para voltar para casa.
Ainda em 11 de novembro, às 18h30, acompanhado do general Teixeira Lott, dos líderes dos partidos na Câmara e no Senado, o senador Nereu Ramos chega ao Palácio do Catete para assumir a Presidência da República. “Aqui estou para a posse, para cumprir uma decisão da Câmara e do Senado. Tive a honra de ser escolhido pelos meus pares para assumir a Presidência da República, restabelecendo assim a ordem legal. Cumpro o meu dever de brasileiro e peço a Deus que me ilumine nesta hora e me indique o caminho da pacificação da família brasileira”, disse Nereu Ramos no seu primeiro pronunciamento público como presidente.
Em 21 de novembro, Café Filho anuncia que está reassumindo o cargo. Lott, mais uma vez, toma duas fortes decisões: mantém Café Filho em prisão domiciliar e solicita ao Congresso uma resolução declarando-o impedido. Em 24 de novembro, o Congresso autoriza o presidente Nereu Ramos a decretar o Estado de Sítio, que vigeu até a posse de Juscelino Kubitschek e de João Goulart, em 31 de janeiro de 1956.
Entre um momento e outro, o marechal José Pessoa concluiu o seu relatório na Comissão de Localização da Nova Capital Federal, quando foi escolhido o Sítio Castanho, em fevereiro de 1955, onde hoje está edificado o Plano Piloto de Brasília. Pessoa coordenou também a elaboração do primeiro Plano Piloto da Nova capital, que ele sugeriu que tivesse o nome de Vera Cruz. O governador Juca Ludovico, de Goiaz, criou, em 5 de outubro de 1955, por meio do Decreto 1.258, a Comissão de Cooperação para Mudança da Capital Federal, presidida pelo médico e pecuarista Altamiro de Moura Pacheco, que nomeou Jofre Mozart Parada como o engenheiro-chefe de Subcomissão Técnica.
Em 9 de dezembro de 1955, o então presidente da República, Nereu Ramos, no Decreto 38.281, transforma a Comissão de Localização da Nova Capital em Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal. Nos seus 12 artigos, entre outras providências, o decreto determina: a) plano de utilização da área escolhida para o pavimento de recursos de construção da nova capital e plano urbanístico, inclusive, o anteprojeto e projeto da capital e de edifícios que constituirão a sede do novo governo; b) o prazo para a conclusão desses trabalhos será de até cinco anos, a partir dessa data.
*Jorge Henrique Cartaxo é jornalista e diretor de Relações Institucionais do IHGDF |Lenora Barbo é arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHGDF
“A bola não quis entrar!”. A frase foi adotada por muitos torcedores alvirrubros na tentativa de se conformar com a derrota – 2×0 – sofrida pelo Náutico, para o Guarani, ontem no Estádio dos Aflitos. Uma heresia para a qual a frustração do tropeço, num jogo que todos tinham a vitória na conta do time da casa, é a penitência que leva a reflexão.
Certa vez, isso há muito tempo, um técnico, um jogador, um dirigente ou mesmo um cronista esportivo (narrador, comentarista ou repórter), na tentativa de explicar o inexplicável, saiu-se com a frase: “A bola não quis entrar!”.
Ninguém nunca entrevistou a bola para saber da vontade, ou o porquê daquela birra de se recusar a entrar no gol. E assim foi criado um jargão que é usado até os dias de hoje. No caso deste jogo – Náutico 0x2 Guarani – embora tenha sido voz corrente entre os torcedores na saída do estádio, a frase, que considero uma das mais infames do futebol, soa como fake news. Afinal, a bola entrou duas vezes, só que do lado indesejado dos alvirrubros.
Reza a lenda que, em Limoeiro, quando o coronel Chico Heráclio ia assistir a um jogo do Colombo, e a bola ficava com pantim, ele ordenava para que ela entrasse no gol adversário. “Infeliz do poder que não pode!”. Como ninguém, dentro da nova ordem, tem mais esse poder, sugiro que, no próximo sábado, alguém converse com a bola, e a convença de entrar no gol da Ponte Preta, que será o próximo adversário do Náutico.
Antes, porém, os puxões de orelha ficam a cargo do técnico Hélio dos Anjos. Em jogos decisivos, como todos esses que estão sendo disputados pelo Náutico, as diferenças estão embutidas nos detalhes. E eles são os pontos de desequilíbrio. Perder o foco por dois minutos representa uma desvantagem de dois gols. Simples assim. E foi isso que aconteceu.
Dois gols nascidos em jogadas de bola parada, no curto espaço de dois minutos impactaram no time da casa, que vinha de uma boa sequência invicta, e cinco partidas sem sofrer gols. O fato novo sempre produz efeitos colaterais. É sobre essa verdade que o experiente Hélio dos Anjos vai alinhar a cabeça dos seus comandados durante toda a semana de treinamentos.
O Náutico deixou escapar a oportunidade de construir uma vantagem, mas não deu com os burros n’água em relação ao desejado acesso. Sendo assim, a ordem é levantar-se, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Tropeços acontecem, o que não pode é transferir responsabilidade para quem não tem culpa: a bola.
Seria leviandade de minha parte afirmar que o time foi a campo de salto alto, confiante de estar atuando em casa, no alçapão dos Aflitos, até porque conheço o treinador alvirrubro e sei o quanto ele trabalha no sentido de evitar que o ego dos jogadores sejam inflados. Mas no futebol nem tudo segue como manda o figurino. Isto é fato.
Sigo afirmando que não sei por que a bola não entrou. Acredito que por capricho. Pelo visto, a bola também tem suas propostas.
Devorei no último voo para Brasília o livro “Mude o conceito”, da jornalista gaúcha-pernambucana Jô Mazarollo. Trata-se de um longo depoimento da sua experiência como diretora de jornalismo da TV Globo Nordeste, no Recife, por 23 anos. Uma verdadeira aula do que é ser uma gerente inovadora, inquieta, ideias revolucionárias, sem perder, contudo, a alma de repórter.
Na Globo, vindo de destacada posição como editora em telejornais nacionais no Rio, onde fica a sede da emissora, Jô sucedeu Vera Ferraz, minha professora na Unicap, com quem tive mais afinidades, não só pelo aprendizado escolar, mas também pela amizade com o marido Vladimir, que indiquei para diretor da Cepe, a Companhia Editora de Pernambuco, quando secretário de Imprensa no Governo Joaquim Francisco.
Antes de ler o livro, confesso que não tinha a menor ideia do maravilhoso trabalho que Jô empreendeu na Globo. Vi que não se acomodou em nenhum momento em apenas dar a sua palavra final no que deve chegar aos telespectadores na condição de supervisora da equipe.
Fez muito mais. Na verdade, virou, literalmente, a emissora de cabeça para baixo. Renovou cenários, mudou conceitos, explorou a cultura nordestina em programas de cunho regional e criou até uma eleição para escolher o pernambucano do século, saindo vitorioso o eterno e saudoso Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.
Ela diz que a obra é um amontoado de histórias, que começam com a primeira e incrível transmissão de um jogo de futebol por streaming. Mas é muito mais do que isso. São lições de como fazer jornalismo com garra e criatividade. Imagino as dificuldades que enfrentou para operar tantas e profundas mudanças estando sujeita ao bom humor das estrelas globais do Rio de Janeiro!
Não deve ter sido fácil, por exemplo, emplacar um clipe no Fantástico reproduzindo um manifesto em defesa do meio ambiente com o forrozeiro Petrúcio Amorim cantando Filho do dono! Igualmente, projetar em rede global o Sivuca Sinfônico, o mestre Sivuca em duo com a Orquestra Sinfônica.
Jô trouxe na sua bagagem a experiência também do que fez em Porto Alegre ao criar a série de reportagens numa incursão aos grotões do Estado com o “PE quero TV”. Diz ela: “Eu gostava de ir assistir aos telejornais na rua para ver a reação do telespectador”.
Jô foi mais além. Mudou o cenário e a forma dos âncoras da Globo Nordeste apresentarem seus telejornais. Marcio Bonfim e Clarissa Góes, principais apresentadores dos programas da Globo Nordeste, se movimentam hoje de um lugar para outro hoje no estúdio, largando a postura estática de antigamente, graças a Jô, cujo modelo foi copiado pela Globo Rio e outras afiliadas.
E Jô não foi apenas as ruas de Pernambuco e do Brasil. Esteve no Japão para conhecer, pasmem, forró. E foi lá que colheu uma grande lição que usou no seu trabalho no Recife: “Ninguém pode chegar no quarto e não saber arrumar a própria cama”. Isso mesmo! Dita por um homem simples em terras japonesas, despertou a atenção de Jô para um grande erro de quem está na chefia: não falar o óbvio por achar que todo mundo já sabia.
Gostei quando ela escreveu: “Liderar não é ocupar um cargo. É assumir uma causa. Causa feita de gente, cultura, respeito e coragem”. E sua coragem está sintetizada na sua maior realização: a mudança da estrutura da Globo, que funcionou por muitos anos num morro de difícil acesso, em Olinda, o do Peludo, para o coração do Recife, a Rua da Aurora.
“Meses depois das transmissões no novo endereço, Celso Coli, já aposentado, visitou a nova sede. Foi um motivo para celebrar e agradecer o empenho e as inúmeras defesas que fez comigo. Na fala, comentei que talvez eu tivesse sido a pessoa que mais defendeu e quis a mudança. Na resposta, ele disse: ‘Tire o talvez, você foi quem mais defendeu a troca’”, contou Jô, no capítulo que trata da troca de endereço da emissora.
Para a sociedade, especialmente os jornalistas, Jô deixa uma grande lição: ser chefe não é só cuidar do padrão global do jornalismo. É empreender. A persistência de um líder está na coragem e na sua capacidade de inovar. Se o jornalismo é a busca pela verdade, o empreendedor é o buscador constante de novas soluções.
Fica mais do que isso, outra irrefutável lição: se podemos sonhar, podemos realizar. O sucesso normalmente vem para quem está ocupado para procurar por ele. Afinal, Jô pode dizer, depois de cumprir sua missão na Globo, sem nenhuma pretensão: “Eu não sonhei com o sucesso. Trabalhei para ele”.
Sobrevivemos a mais uma semana explosiva, com o acirramento do confronto político nos Estados Unidos pelo assassinato do ativista de direita Charlie Kirk, as manifestações com confrontos e incêndios numa Paris cada vez mais parecida com a da comuna de 1871, confrontos no Nepal depois de o governo tentar controlar as redes sociais, drones russos bombardeando a Polônia e mísseis de Israel eliminando líderes do Hamas no Qatar e o Supremo condenando Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de cadeia.
Uma semana em que o ministro Luiz Fux deu uma aula de Direito e de comunicação estratégica ao ocupar todos os espaços da sessão do Supremo da quarta-feira (10). Fux foi a estrela do dia, com todos os portais de notícias, blogs, redes sociais e até veículos do exterior estampando sua foto e cobrindo seu extenso voto de 12 horas.
Foi a primeira vez que um ministro mobilizou a mídia a seu favor para dar um recado claro e contundente. Saiu vencedor, mesmo sendo voto vencido.
O mundo de 2025 se parece cada vez mais com o de 100 anos atrás. O mesmo acirramento do embate político, esgarçamento das relações sociais, antissemitismo, desequilíbrios globais desaguando na crise de 1929, ascensão dos regimes fascistas na Europa, xenofobia, a Revolução de 1930 e o fim da República Velha no Brasil.
Há 101 anos, a cidade de São Paulo era bombardeada por ordem do presidente Artur Bernardes durante a revolução comandada pelo general Isidoro Dias Lopes e um punhado de tenentes oriundos do movimento de 1922.
Há 1 século, o mundo estava em transformação e era um lugar tão violento quanto este em que vivemos. O poder exercido pela força, coerção e a polarização, como agora, tornara-se um ativo político, um caminho fácil, quase um atalho, para o poder. Na dúvida, polarize diziam Hitler, Mussolini, Getúlio, Peron, Prestes e Stálin.
Ao mesmo tempo em que o mundo caminhava para a 2ª Guerra, nasciam os futuros políticos destinados a quebrar essa lógica perversa. Juscelino Kubitschek tinha 23 anos e Tancredo Neves 15, quando em 11 de setembro de 1925 dona Maria José deu à luz Armando Monteiro Filho no Recife. Armandinho veio ao mundo rico, bonito, charmoso e com uma capacidade ímpar para transformar limões em limonadas, por mais azedos que fossem.
Morreu em 2018 aos 92 anos. Faria 100 anos nesta semana. Nasceu numa data depois marcada como um dos símbolos da polarização com a deposição do presidente chileno Salvador Allende, em 1973, o atentado às torres gêmeas em Nova York, em 2001 e, agora, a condenação de Bolsonaro.
Ao desembarcar neste planeta Terra, Armandinho encontrou um Brasil incendiado pelo movimento tenentista e um Nordeste varrido pelo cangaço. Lampião era lenda viva, Padre Cícero mito e canudos um trauma.
Quando tinha de 4 para 5 anos, João Pessoa, candidato a vice de Getúlio nas eleições de 1930, foi assassinado na Confeitaria Glória, no Recife, pelo jornalista João Dantas. Pessoa, governante da Paraíba, mandou publicar as cartas de amor de Dantas para Anayde Beiriz, capturadas durante uma batida policial. Um escândalo.
A morte de Pessoa foi estopim para a Revolução de 1930. Vargas tomou o poder e lá empoleirou-se por 15 anos. Quando os militares tiraram Getúlio, ele tinha 20 anos e viu o país trocar a ditadura pela democracia. Armandinho, agora na Escola de Engenharia da Universidade do Recife, dava os primeiros passos na política como líder estudantil.
Conquistou o coração de dona Maria do Carmo, filha do lendário governador Agamenon Magalhães, tão vivo na memória dos pernambucanos quanto Miguel Arraes. Tiveram 5 filhos, viveram um amor soma de amizade, companheirismo e admiração mútua durante mais de 60 anos. Do Carmo foi o esteio que permitiu a Armandinho dar seus voos como político.
Foi deputado estadual, secretário de Viação e Obras Públicas. Disputou uma vaga de deputado federal pelo PSD, em 1954, e saiu como o mais votado de Pernambuco. Acabou vice-líder do governo JK, político que o inspirou com a energia de fazedor. Foi um construtor de pontes no Congresso, exercendo esse lado artesanal da política, hoje fora de moda. Reeleito em 1958, Armando Monteiro já era um político de prestígio quando Jânio Quadros renunciou em 1961.
Com a crise provocada pelos militares, contrários à posse constitucional do vice, Jango, Armando Monteiro Filho foi procurado por José Maria Alkmin, ex-ministro da Fazenda de JK. Recebeu o convite para assumir o Ministério da Justiça durante a Presidência interina do deputado Ranieri Mazzili.
Jango estava na China e voltou devagar, chegando pelo Uruguai e indo direto a Porto Alegre (RS), onde seu cunhado Leonel Brizola, governador do Rio Grande, resistia tentando garantir a posse de Jango com uma rede de emissoras de rádio, a Cadeia da Legalidade.
Alckmin, raposa velha, depois vice no governo do general Castello Branco, líder do golpe de 1964, achou que levaria Armandinho no bico. “Não posso, sou engenheiro”, desconversou. Alckmin insistiu: “Isso não é argumento”. E Armandinho encerrando o assunto: “Sou violentamente a favor da posse do presidente João Goulart”.
Pouco depois, com a volta de Jango ao poder, veio o parlamentarismo como remédio para moderar o apetite golpista dos militares. Tancredo Neves virou primeiro-ministro e contou com a ajuda e o talento de Armandinho, em quem confiava. JK dava suporte. Na formação do gabinete, acabou ministro da Agricultura.
Fez um sucesso retumbante, a ponto de o New York Times publicar reportagem elogiando seu projeto de reforma agrária. O jornal chamou o projeto do ministro Armando Monteiro Filho de equilibrado, num momento em que o campo do Brasil estava inundado de comunistas liderados pelo deputado Francisco Julião. Era a Guerra Fria respingando por aqui.
Ele ficou 1 ano no Ministério da Agricultura. Voltou para a Câmara e seguiu trabalhando para apaziguar ânimos. No fim de 1962, disputou o governo de Pernambuco. Miguel Arraes venceu e ele ficou em 3º. Menos de 2 anos depois, o país mergulharia por 21 anos na ditadura militar. Armando Monteiro Filho foi cuidar dos negócios da família, sem descuidar da política.
Filiado ao MDB de Ulysses, Tancredo, José Ermírio de Moraes e Nelson Carneiro, resistiu como pode. Foi perseguido. Fiscais eram instruídos a fazer pente fino nas suas empresas. Segurou tudo altivamente. Jamais negociou sua dignidade, muito menos a honra e as convicções. Tentou voltar em 1994, mas acabou perdendo a eleição para o Senado.
Armando ensinou a política da empatia, serenidade e convicção. Aprendeu a sobreviver aos momentos explosivos, sempre suave e bem-humorado inspirando o sobrinho José Múcio, ministro da Defesa, seu melhor aluno. Assim, tijolo por tijolo, construiu sua própria trajetória, aprendeu a ser feliz, amar a família, sublimar perdas e celebrar ganhos. Viveu uma vida bonita. A história de um homem bom.
Carpina amanhece hoje com a pompa de suas 97 velas acesas, celebrando oficialmente sua emancipação política, declarada pela Lei Estadual nº 1.931, de 11 de setembro de 1928, quando a antiga Chã do Carpina, já rebatizada Floresta dos Leões, libertou-se do domínio de Paudalho e Nazaré da Mata para assumir o destino com as próprias mãos.
Nascia o município, instalado no ano seguinte, como fruto de uma luta coletiva, marcada por nomes que jamais devem ser esquecidos: Armando Gayoso, o deputado que empurrou a história no papel; Francisco José Chateaubriand, que cunhou a identidade simbólica; Odair Santana, Antônio Bezerra de Menezes, entre tantos outros herdeiros da coragem que ergueram o berço de uma cidade que não queria ser apêndice de ninguém.
E, no entanto, quase cem anos depois, Carpina parece devolvida à casa de onde lutou para sair. Não por decreto, mas por ausência. Por um silêncio cívico que permitiu que a governança de hoje fosse entregue nas mãos de políticos paudalhenses, homens que não conhecem a alma dessa terra, que não carregam na fala o sotaque da memória, que não pisaram descalços no chão quente da praça Joaquim Nabuco nem ouviram seus avós contar as histórias da ferrovia, da cana, da feira, da floresta.
O hino da cidade, em seu entusiasmo fundacional, soa hoje como uma peça irônica. “Ontem escrava embora, hoje liberta sou” , entoa o verso com voz altiva, mas o eco nos devolve uma dúvida inquieta. Libertos de quem, se hoje somos novamente conduzidos por mãos de fora? Que liberdade é essa que não conhece o rosto dos que governa?
O progresso de Carpina não raiou por inteiro quando é gerido por estranhos afetivos, homens que veem esta terra como uma extensão de sua ambição política, não como lar, não como raiz, não como semente.
Seria cômico, não fosse trágico, que após quase um século de luta por autonomia, a cidade tenha sido entregue novamente à lógica de uma dominação externa, por mãos que não cultivaram a identidade carpinense, que não entendem a simbologia do nome Floresta dos Leões, que confundem liderança com tutela. Carpina não é colônia.
Não é satélite. Não é distrito. E no entanto, o que vemos? Um povo governado por ausentes históricos, por herdeiros de outra bandeira, que não têm nenhum compromisso sentimental com a construção dessa terra.
Como se sentiriam hoje os que lutaram por essa liberdade? Aqueles homens que enfrentaram a burocracia da província, os que reuniram assinaturas, escreveram abaixo-assinados, articularam com deputados e autoridades, que ergueram esse município com as próprias mãos, como se esculpe uma ideia no barro?
Sentiriam vergonha, talvez. Sentiriam revolta. Ou um tipo mais fino de mágoa: a de ver que sua luta foi esquecida, e que as instituições que nasceram para preservar a autonomia agora se calam diante da presença de forasteiros no poder. Seriam esses os mesmos que sonharam o hino que hoje entoamos?
O mesmo que, com esperança sincera, proclamava o nascimento da justiça, da liberdade, da esperança, depois de um tempo de escravidão? Há ironias que a história escreve com tinta cruel. A maior delas talvez seja esta: após 97 anos de independência, Carpina volta a ser governada pelos mesmos senhores do passado, sem que um só grito ecoe com a força dos leões.
Dói ao coração perceber que os destinos de Carpina estejam, hoje, nas mãos de quem um dia a escravizou, não apenas politicamente, mas simbolicamente, negando-lhe o direito de sonhar com os próprios olhos.
Onde estão agora os ecos das serenatas na Rua da Igreja, os passos apressados de quem descia da Estação Ferroviária com a marmita de alumínio, os sorrisos largos dos domingos no Clube dos Lenhadores, Espanadores e Colonial?
Onde ecoam os gritos da juventude nas arquibancadas do Estádio Oswaldo Freire, o brilho das noites dando voltas pela cidade para de soslaio olhar para a sua paquera ou amor platônico, as vozes encantadas dos alunos do Colégio Santa Cruz e da Escola Salesiana e do Josê de Lima Júnior?
Em que canto se esconderam as cores dos carnavais que tingiam as ruas de canções e gritos embriagados de sonhos e de amores. Era frevo dentro do coração dos foliões, e os estandartes que arrepiavam o frevo nas avenidas? Como esquecer as missas na Matriz de São José, o alarido das feiras no centro, os abraços nas calçadas da Praça Joaquim Nabuco, onde cada banco era um ponto de encontro e cada esquina, uma memória viva?
Carpina é feita de gente que tem nome, cheiro, afeto e lembrança. Gente como Dona Tila, como Seu Pirulito, como mestre Solon do mamulengo, senhor Marcolino do fandango, doutor Gentil, como tantos outros que, mesmo sem mandatos, governavam com ternura o cotidiano dessa terra.
E é essa Carpina profunda, amorosa e invisível que hoje chora em silêncio, ao ver que os que a comandam não sabem pronunciar sua alma, não reconhecem seus fantasmas doces, não carregam na fala o barro antigo do qual essa cidade foi moldada.
Ainda assim, há tempo. O tempo de despertar não é só o da comemoração, mas da consciência. Que esta data, 11 de setembro, não seja apenas número e fanfarra, mas um chamado à memória e à dignidade.
Que os filhos desta terra reconheçam que liberdade se cuida, se exerce, se protege. E que a Floresta dos Leões, ainda que silenciada por um instante, segue viva na lembrança de seus verdadeiros guardiões , os que sentem Carpina não como território, mas como sangue, chão, história.
Porque não há hino, nem data, nem governador que resista ao grito de um povo que decide, uma vez mais, não ser governado por quem nunca o amou.
*Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras
Num tempo em que a política internacional ainda insiste em tratar as vozes femininas como notas de rodapé, Sheikha Moza bint Nasser se ergue como corpo de texto principal. Sua presença não se mede pelo barulho do mundo, mas pela densidade que sua figura impõe ao espaço que ocupa. Há nela a força das marés que avançam sem pressa, mas que ninguém consegue deter. Sua elegância não é ornamento, é disciplina estética; sua firmeza não é rigidez, é consciência do peso que cada gesto pode carregar; sua escuta não é subserviência, é forma refinada de autoridade.
Fundadora da Education Above All Foundation, Sheikha Moza transformou a educação em ferramenta de insurgência contra a barbárie. Cada escola aberta em zonas esquecidas do mapa global não é apenas tijolo e cimento: é farol aceso em regiões que o mundo preferia manter na sombra. Cada menina alfabetizada é mais do que estatística: é como um campo florescendo em pleno deserto, um milagre social que prova que a vida insiste em nascer mesmo quando os impérios decretam silêncio. Ali onde outros enxergam apenas números, ela enxerga destinos. Onde outros projetam relatórios, ela constrói sementes de futuro.
Nas tribunas da ONU e nos encontros multilaterais, Sheikha Moza não disputa os microfones pelo volume da voz, mas pelo alcance da palavra. Sua fala é contida, mas carrega o peso de milhões. É como o golpe certeiro de uma flecha: não precisa ser ensurdecedora, precisa apenas atingir o centro. Ao defender a educação como pilar de paz, ela não argumenta com retórica abstrata; apresenta a urgência concreta de crianças privadas do amanhã, de juventudes enterradas antes de florescer. Sua palavra não é eco vazio, é martelo que forja civilidade.
O feminismo de Sheikha Moza não se escreve em slogans ocidentais nem em bandeiras de ocasião. É um feminismo subterrâneo e enraizado, que brota de valores próprios e se manifesta em gestos que não precisam de espetáculo para transformar. É como a seiva que alimenta a árvore: invisível aos olhos, mas indispensável à vida. Ela emancipa sem confronto estéril, governa sem alarde, protege sem precisar gritar. É justamente essa inteligência tática que a torna referência global: a capacidade de mostrar ao mundo que é possível ser mulher, muçulmana, poderosa e transformadora sem renunciar à identidade, sem pedir licença para existir inteira.
No palco internacional, Sheikha Moza não é convidada coadjuvante. Ela escreve o roteiro. Não é exceção que confirma a regra, mas prenúncio de um futuro possível. Um futuro em que as mulheres não apenas participam da política, mas a pensam; não apenas ocupam espaços, mas fundam instituições; não apenas sonham com igualdade, mas moldam nações. Sua atuação é a prova viva de que educar não é apenas ensinar a ler e escrever: é um ato radical de poder, é escrever a história no plural, é redistribuir a dignidade como quem planta trigo em terra devastada.
E assim, no tablado do mundo, Sheikha Moza revela sua verdadeira dimensão: a rainha do gesto contido que, paradoxalmente, se torna soberana no palco expandido da humanidade. Onde houver uma menina sem escola, ali ecoará sua missão como um sino que desperta aldeias. Onde houver um povo em ruína, ali se anunciará sua chama, como fogo que aquece sem destruir. Sheikha Moza bint Nasser é a imagem de um poder feminino que não precisa se exibir como espetáculo para ser eterno.
*Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras
Raquel Lyra (PSD) resolveu trocar o giz pela pistola. Não que estivesse dando aula — até porque, se fosse, talvez lembrasse que educação é política de segurança pública mais eficiente que qualquer arma importada. Mas a governadora de Pernambuco preferiu o caminho do marketing bélico: posar para as câmeras com pistola em punho, como quem inaugura uma biblioteca.
Não se trata de “mera coincidência” com o bolsonarismo: é modus operandi. É o tal apito de cachorro — aquele som que só alguns ouvem, mas todos entendem. Quando Raquel exibe arma estrangeira em vídeo oficial, não está fazendo propaganda de equipamento policial. Está mandando recado aos convertidos: os que acreditam que bala corrige mais do que livro, que bandido bom é bandido morto, que repressão substitui cidadania.
É curioso como governantes tratam insumos básicos do Estado como se fossem troféus. Pneus de viatura, uniformes, pistolas — tudo vira espetáculo. Mas ninguém vê Raquel posar com a mesma empolgação ao lado de caixas de lápis de cor para escolas públicas. O recado é claro: há prioridades que rendem curtidas, e há prioridades que rendem futuro.
Ao adotar esse figurino, Raquel não está apenas fazendo campanha antecipada. Está revelando onde sempre esteve: ao lado da direita envergonhada, que se disfarça de pragmática mas vive do mesmo imaginário de bala como argumento.
E como toda crônica precisa de moral, aqui vai a lição: quando o Estado posa com pistola na mão, jogou no lixo o respeito à literatura.