Por Júlio Lossio*
O Banco Central passou a ser independente como em alguns outros países com os Estados Unidos, através da lei Complementar nº 179 sancionada em fevereiro de 2021. Na ocasião, o então presidente Jair Bolsonaro nomeou o economista Roberto Campos Neto para a presidência do Banco Central. Como o mandato é fixo de quatro anos e a nomeação ocorre no terceiro ano de governo, em caso de alternância de poder, o novo presidente da República herda um presidente do Banco Central nomeado pela gestão anterior, ou seja, alguém que pode não estar politicamente alinhado.
Foi exatamente isso que aconteceu quando Lula (PT) assumiu à Presidência. Durante todo o período à frente do Banco Central, Campos Neto e sua equipe mantiveram a taxa de juros elevada, na casa dos 13,5%, e essa taxa se manteve alta no início do novo governo Lula. Passados os primeiros meses de gestão, Lula, incomodado com os juros altos – que de fato são prejudiciais para a economia formal – passou a criticar duramente Campos Neto. Suas palavras chegavam a sugerir uma sabotagem por parte do presidente do Banco Central.
Leia maisPois bem, o tempo passou, e o mandato de Campos Neto chegou ao fim. Chegou a vez de Lula nomear o novo presidente, e ele o fez, certamente, ouvindo sua base político-econômica. Gabriel Galípolo, por sinal, já ocupava um cargo no Ministério da Fazenda, no próprio governo Lula. Mas por que juros tão altos são prejudiciais? Em economia, aprendi desde cedo com um tio que foi prefeito de Jardim, no Ceará, Antônio Roriz, que usava a seguinte expressão: “Mestre, o dinheiro não acabou, o dinheiro mudou de mão”.
Os juros altos definem o que é pago pelo governo a seus credores (normalmente o sistema bancário) e o que os bancos remuneram os clientes que possuem aplicações, bem como o que é cobrado de juros dos que tem empréstimos pelas instituições financeiras. Assim, podemos concluir que, quanto mais dinheiro a pessoa tiver (e sabemos que isso se aplica a uma pequena parcela da população), mais dinheiro ela ganha.
Por outro lado, quem tem empréstimos e faz compras parceladas com juros, vai ficando cada vez mais pobre. Uma grande parcela da população. Juros altos podem até ser um remédio para algumas doenças econômicas, mas sempre têm como efeito colateral ricos mais ricos e pobres mais pobres, o que aumenta nossa brutal desigualdade.
Outro efeito colateral diz respeito ao rentismo. Se uma pessoa tem ou quer montar uma empresa, seja ela pequena ou grande, terá que mobilizar capital, contratar funcionários, pagar muitos impostos, correr riscos de segurança etc. Tudo isso para ter uma margem de lucro líquida, por exemplo, de 10% ou 13%. Ora, se ao aplicar o dinheiro no banco já se obtêm ganhos superiores e sem dor de cabeça, por que abrir um negócio?
Como consequência direta, criamos a cultura do rentismo, com menos empregos, menos produção e, novamente: ricos mais ricos e pobres mais pobres.
Mas voltemos ao nosso título deste artigo. Hoje, chamou-me a atenção ver o presidente Lula elogiar o presidente do Banco Central, Galípolo, mesmo com as taxas de juros mais de 14%, ainda mais altos que na era do tão criticado Campos Neto. Como Lula nomeou Galípolo, ele se tornou seu fiador, e aí fica difícil criticar.
O elogio público me causou estranheza. E nossos neurônios se perguntam: se todos concordam que juros altos são ruins, por que o presidente considerava os juros altos de Campos Neto “criminosos” e os juros de Galípolo, ainda maiores, aceitáveis, a ponto de ele ser merecedor de elogios?
Ao que parece, a taxa de juros é avaliada de maneira técnica, discutindo uma série de parâmetros econômicos. E quem conduz a política econômica? A política econômica é definida pelo governo central, e Lula é o chefe do governo central. Quanta contradição, meu presidente!
O certo é que todos os últimos presidentes parecem ter nomeado presidentes do Banco Central muito ligados à Faria Lima, até porque, quando perdem esse emprego, muitos e se não todos se estabelecem por lá.
É hora de realinhar a máquina pública. Particularmente, acredito em um Estado menor para dentro e maior para fora, um Estado leão – não tão grande, mas forte –, e não um Estado elefante como o nosso, lento e com pouquíssima agilidade.
*Ex-prefeito de Petrolina
Leia menos