Foca é um mamífero nadador dos mares gelados, mas para nós, jornalistas, se contextualiza como iniciante na carreira. Quando dei meus primeiros passos na profissão, correspondente do Diário de Pernambuco em Afogados da Ingazeira, minha terra natal, passei por grandes vexames. Garoto imberbe, li, não sei aonde, que havia ouro na serra da Matinha, na própria Afogados.
Fiz a cabeça de amigos para me acompanharem na caçada ao ouro. Todos achavam que sairiam no jornal e ainda ficariam ricos. Foi uma odisseia na escalada da serra. Num calor de 40 graus, nem preá encontramos. Foi um dos momentos mais ridículos que vivi, e o pior: fazendo meus amigos, e não eram poucos, de coadjuvantes de uma verdadeira palhaçada.
Leia maisMeu chefe no DP, Gildson Oliveira, um dos textos mais primorosos que conheci na largada da carreira, fez um meme dessa história na redação. Achou que eu era o menino maluquinho. Fiquei conhecido como o repórter do ouro. Mais tarde, Gildson achou ser mais uma invenção minha quando enviei uma matéria sobre o consumo de cobra por pinguços em Sertânia.
Só acreditou depois que viu as fotos de um grupo de cachaceiros exibindo a carne do réptil. Manchete no dia seguinte: “População de Sertânia inclui filé de cobra no cardápio”. Vibrei, foi a minha primeira matéria de capa, que teve um preço: ganhei a inimizade do então prefeito, o gentil Professor Arlindo. E por pouco, não fui linchado pela população.
Penei nas mãos de Gildson. Às vezes, ele perdia a paciência com meus narizes de ceras (informações sem importância e com arrodeios no início das matérias). Aos berros, dizia: “Sabe para que página vai a sua matéria? Para a sexta página, a cesta do lixo”.
Eu chorava por dentro, mas com o tempo entendi que jornalismo só se aprende na pauleira. Certa vez, estava em Salgueiro fazendo um levantamento para o DP sobre a seca e soube que Luiz Gonzaga iria chegar ao hotel reservado para um show na cidade. Fiquei de plantão a espera do Rei do Baião.
Ele era carrancudo e muito abusado. Quando desceu do carro e pôs os pés no chão, deu de cara com um pedido meu: “O senhor pode me conceder uma entrevista para o Diário de Pernambuco? Ele olhou pra mim, com o nariz enviesado, e sapecou: “Diga ao jornalista que estou cansado”. Retruquei: o jornalista sou eu. “Fedendo a mijo? Mas como você é um jovem repórter bem atrevido, volte aqui de 20 horas”.
E lá estava eu, no horário marcado. Gonzagão chegou vestido a caráter, de gibão e a sanfona nas mãos. Joguei o gravador na cara dele e arranquei uma brilhante entrevista na qual ele anunciou que iria construir a paz entre as famílias Alencar, Sampaio e Peixoto. No DP, teve uma bela chamada de capa e ocupou uma página inteira na editoria de política. Era o foca fazendo seu primeiro gol de placa.
Mais tarde, já atuando em Brasília, me deparei com chefes igualmente grosseiros, que rasgavam a matéria na minha cara. Mas com o tempo, histórias de foca viram piadas e nos divertem.
Esta se passou no Jornal de Brasília. Havia caído uma tromba d’água na capital federal. Gualter Loyola, de texto refinado e premiado, um dos jornalistas mais vibrantes que convivi, escalou um foca, que não fui eu, para dar um giro na cidade com a seguinte orientação: passe a matéria do primeiro orelhão (telefone público da época) que encontrar.
Duas horas depois, toca o telefone e Loyla atende. Era o foca com os números da tragédia. Ao final da ligação, depois de queimar a orelha no aparelho telefônico por 30 minutos, o editor pergunta para o repórter iniciante: Onde você está? Ele responde: na recepção do jornal. E não esperou levar o esporro para justificar: “O senhor não mandou eu usar o primeiro orelhão que eu achasse?”
Até hoje, dou gargalhadas contando essa história.
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