Por Rudolfo Lago – Correio da Manhã
Nos últimos dias, o Brasil assistiu à primeira grande batalha política brasileira com o uso de Inteligência Artificial. O PT, primeiro, fez vídeos para discutir a ideia de justiça tributária, dizendo que o Congresso está ao lado dos ricos. Então, a Federação União Progressista, que une União Brasil e PP usou do mesmo modelo para dizer que o governo e o PT mentem na sua narrativa, que mais impostos elevam o Custo Brasil, e o resultado é que todos pagam ao final dessa conta.
Vídeos extremamente parecidos. Com o uso das mesmas ferramentas. Tendo como resultados a mesma velocidade e eficiência. Para o especialista Marcelo Senise, presidente do Instituto pela Regulamentação da Inteligência Artificial (Iria), foi o primeiro duelo. E o que está por vir preocupa.
Leia mais“É somente o prelúdio do que está por vir”, observa. “E o que está por vir é extremamente perigoso”, alerta. “No campo político, pode colocar em risco a democracia, a nossa capacidade de escolha, levando a manipulação a níveis nunca vistos ou mesmo imaginados”.
Com a bagagem de quem já usa IA desde 2018, Senise tem convicção de que o uso não foi apenas na produção dos vídeos. “Houve IA generativa e IA preditiva”, assegura. No caso, a IA preditiva é a que sonda o humor e a emoção das pessoas, entregando a elas o que querem ver.
Nessa hipótese, o primeiro passo esteve em justamente determinar que palavras, que ideias, que imagens atingiriam o emocional das pessoas que pagam impostos. Então, foi feita uma reunião com influenciadores digitais, que foram orientados como compartilhar os conteúdos e fazer com que atingissem o maior número de pessoas. Como o Correio Político mostrou, o conteúdo furou a bolha e atingiu fortemente pessoas que normalmente estão fora do debate político. “Quando fura a bolha, a coisa transborda, viraliza, vira torrente”, explica Senise. Até agora, tudo ficou no campo normal da disputa política. Até agora.
Há um relatório publicado nos Estados Unidos produzido pela Universidade de Stanford que indica que 83% das pessoas atingidas por conteúdos de IA não conseguem distinguir o que é real ou não. Nos vídeos produzidos aqui, isso ainda foi possível.
“Quando as pessoas não distinguem o que é real ou não, qualquer possibilidade de manipulação vira possível”, alerta Senise. “As escolhas políticas poderão ficar alheias de fato à vontade do eleitor”, continua. “Poderemos ter um governante eleito por uma big tech”.
Por isso, Marcelo Senise prega fortemente a necessidade de uma regulamentação. Que terá de ser muito bem discutida, muito bem pensada, ouvindo especialistas. “E isso precisa ser feito urgentemente. Não podemos chegar à eleição sem essa regulamentação”.
Até agora resistente a essa ideia, o Centrão, que domina o Congresso, pode ter pela primeira vez atentado para a importância do tema. Como foi alvo, especialmente o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sentiu pela primeira vez o risco que se corre.
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