Contei, ontem, uma historinha de bastidores envolvendo o ex-governador Miguel Arraes que deu o que falar. Lubrificou os olhos dos leitores, deu para provocar uma boa gargalhada porque tratou de um lado pouco conhecido da velha raposa política: seu senso de humor. São raros os políticos que têm humor, que é um modo especial de olhar para as coisas e de pensar sobre elas.
Recebi várias mensagens me estimulando a contar outras de Arraes, uma figura emblemática, com a qual convivi mais em Brasília do que em Pernambuco. Arraes tinha um modo de olhar e raciocinar diferente do convencional, principalmente quando regava a conversa com um bom escocês. Seu preferido é o Johnnie Walker Black.
Leia maisPara encurtar as viagens, seja em jatinhos com destino a Brasília ou em aviões de menor porte pelo Interior, o Black era companhia indispensável. Já viajei com Arraes em algumas ocasiões. Ele começava a beber com o avião ainda taxiando, sobretudo se a pauta tivesse sido uma chatice. Além de molhar o bico, fumava charuto e cachimbo, jogando a fumaça nos companheiros a bordo.
Numa viagem a Mossoró (RN), na condição de presidente nacional do PSB, depois de assinar a ficha de filiação da deputada Sandra Rosado, Arraes decolou num jatinho de volta ao Recife na companhia do neto Eduardo Campos, do governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, e dos assessores Milton Coelho e Marcos Loreto.
Pegaram Mossoró num dia em que a cidade se apresenta com a sensação de fazer vizinhança com o inferno: calor de 40 graus, insuportável. Loreto saiu antes de acabar a solenidade da filiação da parlamentar potiguar para providenciar uísque e gelo, porque já sabia que o chefe iria cobrar na decolagem.
Mas Loreto rodou os arredores do aeroporto, comprou o uísque, mas não encontrou gelo em lugar algum. Quando chegou ao aeroporto, Loreto contou a Milton que a missão tinha sido cumprida pela metade, porque faltava o gelo.
Por volta das 15 horas, o avião alugado para levar a comitiva de volta estava tão quente quanto o assoalho do inferno. Quem diria a Arraes que não havia gelo? A missão ingrata coube a Milton Coelho, um político extremamente jeitoso e educado. Arraes, na maioria das vezes, gesticulava no lugar das palavras. Fez um gesto para Milton cobrando bebida para aliviar as tensões.
Achando que ia levar um puxão de orelha, Milton disse: “Doutor Arraes, o uísque tá aqui, mas não encontramos gelo em lugar nenhum dessa cidade. Parece que a quentura derreteu todo o gelo do comércio”.
Arraes riu e gostou da justificativa, aliviando a tensão a bordo. E como era um político e ser humano, especialmente, que não tripudiou frustrações, sapecou:
“Doutor Milton, lembre-se que os gregos e os romanos faziam grandes farras numa época em que não existia gelo”.
O avião decolou, chegou a dez mil pés e pousou no Recife com o uísque cowboy molhando o bico da comitiva como se fosse uma gelada.
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