Por Antonio Magalhães*
Qual o fim das ditaduras? Como os ditadores deixam o poder? A história mostra que ambos deixam de existir da pior forma. Favorecem o episódio final de governos autoritários a tempestade política perfeita, resultado de uma má gestão econômica, a arrogância de quem se sente poderoso acima de seus compatriotas, ou quem tem o desejo de ver o circo pegar fogo para se cristalizar no poder, o sonho dos malditos ditadores.
O destino desses autoritários pode ser a saída do cargo, se houver uma tolerância desmedida por parte dos humilhados, a prisão pelos crimes cometidos ou a morte num atentado. E não faltam exemplos concretos na história dessas três opções. O rastro de negatividade deixado por essas pessoas jamais é apagado. Ninguém do ocidente ou do oriente esquece o mal de Stalin, Mao Tse Tung, Hitler, Mussolini, Pol Pot e Getúlio Vargas.
Leia maisPor isso, dar teatralmente pouca importância ao que está acontecendo na relação entre Estados Unidos e Brasil, pode ser fatal para o sistema que, em consórcio, governa o país. É arriscado oferecer como deboche jabuticabas ao presidente americano ou a Justiça dobrar a aposta contra a oposição brasileira. A reação do lado de lá está sendo maior do que se esperava. E a tendência é se agravar para o país. Mesmo assim os brasileiros têm paciência – foram 21 anos do regime militar – para esperar a volta dos ares democráticos.
Reverter opinião pública
Na verdade, toda vez que um ditador está em desespero ele recorre a medidas radicais pensando em reverter a opinião pública a seu favor. Assim foi com o ditador Getúlio Vargas (1882-1954), lançando medidas duras e repressivas quando se sentia ameaçado. E depois de ver seu projeto político autoritário esvaziado em 1945 pela vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, teve que renunciar à Presidência do Brasil tomada à força em 1930. Escapou vivo e fora da cadeia. No entanto, por conta do seu populismo na passagem anterior pelo governo federal, teve uma sobrevida política, sendo eleito democraticamente em 1951. Mas não resistiu às pressões dos adversários diante de inconsequências da sua gestão e terminou por cometer o suicídio em 1954. O castigo veio diferenciado.
Já o general-ditador Leopoldo Gualtieri (1926-2003) no comando da República Argentina, em meio a uma crise econômica e a crescente oposição ao regime militar em 1981, encontrou uma trágica saída para se manter no poder: determinou em fevereiro de 1982 que as forças armadas portenhas invadissem e tomassem posse das Ilhas Malvinas, uma reivindicação histórica da população.
Os argentinos foram à loucura em Buenos Aires. Parecia não ter existido anteriormente perseguição aos oposicionistas, torturas e assassinatos praticados a mando da cúpula militar do governo, que era saudada, naquele momento, como heroica. As tropas desembarcaram nas ilhas sem maior resistência. Gualtieri contava com o apoio incondicional, que não veio, dos Estados Unidos a sua aventura militar. Ditadores e irresponsáveis topam brigar com o mais forte para manter o poder mesmo custando a destruição da sua pátria.
De Londres, a primeira-ministra Margaret Thatcher (1925-2013), em baixa politicamente, viu na invasão das Malvinas ou Falklands, como os ingleses chamam sua possessão no Atlântico Sul, a oportunidade de se redimir no governo britânico. Enviou a Marinha, com porta-aviões, cruzadores, submarinos e tropas para recuperar o território. Em poucos meses, a bandeira britânica voltou a tremular nas ilhas. Morreram 645 jovens argentinos e pouco menos da metade de ingleses.
A Plaza de Mayo, defronte da Casa Rosada, se encheu de milhares de manifestantes, desta vez destilando ódio a Gualtieri pelo desastre. Ele saiu fugido de lá e só não foi morto porque os militares ainda estavam no controle. Diante do nefasto acontecimento, o general Bignone que o substituiu teve que fazer uma abertura política autorizando os partidos políticos a retomarem suas atividades e promover eleições gerais anunciadas para 1983. No mesmo pacote, Bignone protegeu os militares que o antecederam na Presidência da Nação acusados de crimes e violações de direitos durante a “Guerra Suja” (1976-1983). O presidente eleito, o civil Raul Alfonsin (1927-2009), revogou a lei que os protegia e os levou ao banco dos réus. Todos foram punidos.
Insensatos com excesso de poder
A historiadora americana Barbara W. Tuchman (1912-1989) tem um livro clássico sobre o desprezo pelo bom senso político (A Marcha da Insensatez). Registra desde o que aconteceu com os insensatos troianos que não investigaram as entranhas do cavalo grego até os equívocos americanos no Vietnã, passando pela arrogância dos papados na Idade Média. Leitura imperdível para quem quer entender o que se passa neste momento no Brasil.
Para Tuchman, o grande estimulador da insensatez é o “excesso de Poder”. Um repúdio à razão, evitando uma alternativa viável para ultrapassar a crise. Deixando o país exposto à instabilidade política e recorrendo à repressão, com restrições às liberdades civis e aos direitos humanos. Portanto, “a capacidade de lidar com crises de forma eficaz é um dos principais critérios para avaliar a qualidade de um líder político”. Será que temos por aqui líderes com este perfil? É isso.
*Jornalista
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