“Ele é o principal investimento do PSB hoje, nosso principal ativo político. E nós estamos investindo nele”, afirmou Carlos Siqueira em entrevista ao Podcast Direto de Brasília, na última terça-feira (27), que você pode conferir na íntegra aqui.
Namorado da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), João é um político jovem, de 31 anos, que alcançou sucesso nacional em redes sociais. Ele é o que convencionou-se chamar de “nepo baby”. No caso, ele recebeu a herança de liderança familiar do PSB, seja pelo pai (Eduardo Campos), seja bisavô (Miguel Arraes) — que foram presidentes nacionais da sigla por longos períodos: Arraes entre 1993 e 2005, e Eduardo entre 2005 e 2014.
Visibilidade trará fiscalização maior
Ao mesmo tempo que a ascensão à presidência aumenta a visibilidade, o coloca também como um político mais visado e, por tabela, fiscalizado. “Tudo será examinado: sua gestão no Recife, sua passagem pelo Congresso Nacional, seus posicionamentos públicos, e até mesmo sua vida íntima e familiar”, afirma Arthur Leandro, cientista político da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Na quinta-feira, o colunista Flávio VM Costa, do UOL, revelou que o Tribunal de Contas de Pernambuco e o MPF (Ministério Público Federal) investigam indícios de irregularidades em contratos da gestão da Prefeitura do Recife com empresas de engenharia que prestam serviços de manutenção em escolas e unidades de saúde.
A denúncia, que poderia ter repercussão mais local, acabou ganhando escala nacional por conta de seu sucesso.
“A indicação ao PSB tem bônus, mas tem ônus — e isso depende muito dele. O comportamento que ele terá, os resultados políticos, mas também a própria relação que vai estabelecer ao longo desses próximos anos vão contar nesse resultado. Mas acho que, pensando no conjunto da obra, tem mais bônus do que ônus, e acho que João vai ter que saber administrar bem essa situação”, diz Luciana Santana, cientista política da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
Sucesso nas redes
A ascensão do prefeito do Recife passa muito pelo mundo digital. Ele tem 2,9 milhões de seguidores somente no Instagram. Para efeito de comparação, os prefeitos das maiores cidades do país — Ricardo Nunes (MDB), de São Paulo, e Eduardo Paes (PSD), do Rio — têm 1,1 milhão e 868 mil seguidores na mesma rede, respectivamente.
A facilidade em se conectar com o público jovem nas redes é apontado com um trunfo dentro da esquerda, que tem sofrido com a comunicação digital em todas as esferas. Por isso, Siqueira diz que João é a “pessoa certa” para dar continuidade “à auto-reforma, à modernização do partido”.
A ideia é que ele traga consigo uma nova forma de comunicação. Foi essa linguagem popular nas redes sociais que levou João a fazer sucesso fora do Recife e, para muitos especialistas, se tornou decisiva para a vitória acachapante na sua reeleição em 2024 com 78% dos votos válidos.
“Ele pode trazer propostas de desenvolvimento mais inovadores para os municípios, para os estados e, futuramente, para o próprio país. Ele é a pessoa jovem ideal para dar curso a esse programa, o que é uma tarefa monumental; digna dele, se tiver sucesso, se tornar candidato à presidência da República, o que é o nosso projeto”, afirma Carlos Siqueira.
O UOL tentou conversar com João nos últimos dias, mas não conseguiu uma agenda. Em entrevista à Folha, João afirmou que a prioridade de sua gestão no PSB será fortalecer o partido em diversas vertentes. “É preciso ter força eleitoral”, disse.
A ideia é atrair mais políticos e lideranças de peso para dar mais força ao PSB. Foi assim que nos últimos anos o partido conseguiu nomes como do vice-presidente Geraldo Alckmin. “Não tenho nenhuma dúvida de que a gente vai ser um partido progressista com maior crescimento nas próximas eleições”, afirma.
“É preciso ter um diálogo forte em relação aos grandes centros urbanos, o problema da violência urbana é um grande problema hoje. É preciso compreender nichos do agro e comunicar o que está sendo feito”, continua o prefeito.
Eleição ‘simbólica’
Para o cientista político Arthur Leandro, a eleição de João à presidência do PSB representa, ao menos no plano simbólico, um movimento significativo na centro-esquerda brasileira.
“Ele entra no comando da sigla num momento em que o partido busca renovar sua identidade e ampliar sua presença no cenário nacional. E o faz com uma vantagem: já no momento da posse, o dirigente partidário com maior base digital entre os 29 presidentes de siglas brasileiras. O PSB tem assim a maior presença digital dentre as esquerdas brasileiras”, diz.
Mas a eleição vai além das redes sociais. “Há um cálculo político importante, ainda que não explicitado, nos documentos internos do partido: com a dificuldade crescente do PT em se renovar, e na ausência de um sucessor natural a Lula, João Campos se apresenta como um nome viável para assumir parte do protagonismo da centro-esquerda”.
“Essa pretensão, todavia, exigirá muito mais do que números de engajamento: exigirá articulação, capital político real, e um projeto nacional convincente. O momento do PSB, é verdade, é favorável: a legenda foi a que mais elegeu prefeitos no campo da esquerda nas eleições de 2024. Se bem conduzido, pode fazer do PSB um polo de atração para os eleitores desiludidos com o lulismo, mas ainda refratários à direita”, afirma Arthur.
Desafio passa por vitória em Pernambuco
Antes de pensar na Presidência, porém, João terá um duro desafio local. Ele deve renunciar à prefeitura do Recife em abril de 2026 para disputar o governo do estado e ocupar o lugar que pai e bisavô já estiveram.
João hoje lidera as pesquisas com vantagem confortável ante a governadora Raquel Lyra (PSD), candidata à reeleição. Segundo a Real Time Big Data, divulgada em 10 de abril, ele teria 67% votos, contra 22% da rival.
O grupo sabe, porém, que a disputa contra a máquina será dura e que a governadora, após um mau começo, tem melhorado os índices de aprovação no estado.
Uma estratégia de Raquel tem sido a aproximação com o presidente Lula. Recentemente se filiou ao PSD, deixando o PSDB que a elegeu duas vezes prefeita de Caruaru e ao governo do estado.
Na quarta-feira, Raquel e João dividiram palco no evento em Salgueiro (PE) com a presença de Lula. Única dos dois a falar, foi bastante aplaudida pelo público ao ser anunciada. Quando citou o nome de Campos, ouviu um coro de gritos e palmas, mas seguiu o protocolo citando os demais prefeitos presentes.
Raquel começou o seu discurso rasgando elogios a Lula pelas obras no estado, fez postagens nas suas redes sociais com Lula e tenta neutralizar o provável apoio do presidente a João em 2026. Em 2022, ela se elegeu contra Marília Arraes (Solidariedade) em cima do muro entre Lula e Bolsonaro.
Já João deve contar com o apoio formal do PT na chapa e goza de grande prestígio com o presidente Lula e com boa parte do partido em Pernambuco. Por isso, o grupo acredita que Lula não iria se sentir com “palanque dividido”, como ocorrerá em outros estados.
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