Por Maurício Rands *
Tamires, jogadora do nosso handebol feminino, mostrou que o espírito olímpico vai além das disputas por medalhas e recordes. No jogo entre Brasil x Angola, no sábado, ela carregou nos braços a adversária Albertina Kassoma, que sentira uma lesão e não conseguia deixar a quadra para ser socorrida. Na disputa de equipes de judô pelo bronze, o brasileiro Leonardo Gonçalves toca no olho do italiano Pirelli sem querer e pede desculpas verdadeiras. Nessa mesma disputa, chamou a atenção a cena em que os italianos consolam a jovem colega de equipe de apenas 19 anos que, ao perder para Rafaela Silva, concedeu o bronze para o Brasil. Essa é a beleza educativa do espírito olímpico. Raíssa Leal e as meninas do skate sabendo aplaudir as adversárias. A coesão interna e a alegria das meninas da ginástica artística. Bonito ver Rebeca Andrade e Simone Biles em diversas cenas e entrevistas externando admiração, companheirismo e respeito recíproco.
As Olimpíadas de Paris estão reafirmando o empoderamento feminino e a valorização da diversidade. Desde a cerimônia de abertura, mostraram que vieram para combater a misoginia e o racismo. Foi belo ver uma plateia de larga maioria branca aplaudindo efusivamente a nossa Bia Souza, uma jovem da periferia, pobre, negra, gordinha e fora dos padrões tradicionais de beleza. Plateias que aplaudiram a nossa Rebeca Andrade tornando-se a primeira brasileira com cinco medalhas em olimpíadas. E que festejaram os feitos dos nossos medalhistas Bia Souza (ouro, judô), Rebeca Andrade (prata, ginástica), Willian Lima (prata, judô), Caio Bonfim (prata, marcha atlética), Rayssa Leal (bronze, skate), Bia Ferreira (bronze, boxe), Flávia, Jade, Julia e Lorrane (bronze, equipe ginástica), Argelina (bronze, boxe), Larissa Pimenta (bronze, judô), Rafael Macedo, Rafaela Silva, Ketleyn Quadros e Leonardo Gonçalves (bronze, equipe judô).
Com os resultados oficiais até o meio-dia do domingo, o G-20 do quadro de medalhas era o seguinte: China: 18 ouros, 13 pratas e 9 bronzes; EUA: 14, 25 e 23; França: 12, 14 e 16; Austrália: 12, 8 e 7; Grã-Bretanha: 10, 10 e 14; Coréia: 10, 7 e 6; Japão: 8, 5 e 9; Itália, 6, 8 e 5; Holanda 6, 4 e 4; Alemanha: 5, 5 e 2; Canadá: 4, 4 e 8; Romênia, 3, 3 e 1; Hungria: 3, 2 e 2; Irlanda: 3 e 0; Nova Zelândia: 2, 4 e 1; Croácia: 2, 1 e 1; Bélgica: 2, 0 e 2; Hong Kong: 2, 0 e 2; Azerbaijão: 2, 0 e 0; Brasil: 1, 4 e 5. O Brasil em 20º lugar.
Pedi ao Chatgpt4 para simular um quadro de medalhas caso fossem dados peso 3 à medalha de ouro, peso 2 à de prata e peso 1 à de bronze. O resultado mudaria. Os EUA desbancariam a China na liderança. A Grã-Bretanha tomaria a 4ª posição da Austrália. A Alemanha passaria o Canadá no 10º lugar. O Brasil sairia da 20ª posição e saltaria para a 13ª posição. Ultrapassaria Hungria, Nova Zelândia, Irlanda, Croácia, Bélgica, Hong Kong e Azerbaijão, que no oficial estavam à sua frente.
As 10 medalhas nos emocionaram. Sabemos dos esforços e dos obstáculos que os nossos atletas têm que enfrentar. Muitas vezes competem em desvantagem, sem a mesma estrutura e apoio dos seus competidores. Com o respeito aos nossos atletas e o agradecimento pelo empenho e alguns resultados, não podemos deixar, todavia, de entrar no debate sobre a performance insuficiente do Brasil. Somos a 5ª maior população do planeta, o 5º território, a 10ª economia e temos uma população com muita diversidade vivendo num clima tropical. Não seria razoável esperar melhores resultados? Como lembrou-me o comunicador Geraldo Freire, o mesmo ocorre com grandes países como Índia, México, Espanha, Indonésia, Nigéria e África do Sul. Muitos apontam a ausência de políticas públicas mais efetivas para desenvolver nossos esportes olímpicos. Que deveriam começar pelas escolas. Públicas, mas também privadas. As confederações de cada esporte precisam de mais patrocínios do poder público e das empresas privadas. Que cada cidade se torne uma cidade olímpica: na estrutura, mas também no espírito. Faltam políticas públicas de apoio material, técnico e emocional aos nossos atletas. Não devemos continuar a valorizar quase que exclusivamente o futebol. Até porque o nosso futebol já não é mais a potência que foi um dia.
Ao lado disso, precisamos melhor desenvolver uma cultura de espírito olímpico. Cultivar a formação dos nossos atletas na disciplina, lealdade, equilíbrio e espírito coletivo. Em algumas ocasiões podemos ter deixado de vencer por fatores emocionais. Mas, quando tivemos equilíbrio emocional, fomos bem. Como na ginástica, que levou a dra. Lara para trabalhar o psicológico das nossas atletas. Precisamos de menos ufanismo e mais realismo. Tudo isso pode nos ajudar a ingressar no seleto time das grandes potências olímpicas. Para que estejamos mais perto do nosso potencial e das nossas características demográficas e econômicas.
*Advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
Leia menos