Por Aldo Paes Barreto
O recentemente falecido ex-prefeito do Recife, Gilberto Marques Paulo, sempre que administrou a coisa pública, nos vários cargos que ocupou, o fez com decência, humildade, probidade e honradez. Repetia que tinha um lado e por ele transitava. Não era o lado ideológico. Nem de direita nem de esquerda. Era o lado de cima. O lado da correção, do respeito aos amigos e ao que eles pensavam.
Conservador, católico, tradicionalista, Gilberto foi fiel aos princípios que assegurassem a manutenção das instituições sociais tradicionais. Esteve sempre presente nos momentos mais aflitivos, mais deprimentes, que a nossa geração teve que conviver nos tempos da ditadura militar. Os de coexistir com o pior dos piores: os dedo-duros os lambe-botas.
Leia maisQuando exerceu a advocacia ocupando cargos na área pública ou privada, jamais se afastou do que o divertia. Dos prazeres da vida. A boêmia, a música, um violão, a alegria de viver. Peladeiro, violonista, cantor razoável, foi nesse território que estreitamos uma amizade que se manteve afinada durante mais de meio século.
Prefeito, entre 1990 e 1992, assumindo na condição de vice de Joaquim Francisco, pelo menos uma vez por semana nos encostávamos. Geralmente no Bar de Bispo, em Santo Amaro. Era ali que ele mantinha o elo com as pessoas amigas. Joãozinho Regueira, Flávio Régis, Zé Mário, Betoca e os musicais Canhoto, Jacaré, Dalva Torres, cantora e sua colega advogada.
Logo que foi empossado, Gilberto recebeu uma comissão do Movimento Tortura Nunca Mais, cobrando o compromisso municipal de erguer em praça pública um monumento eternizando a repugnância dos recifenses e da humanidade aos crimes infames.
Na administração anterior, de Jarbas Vasconcelos, havia sido criada premiação ao melhor trabalho arquitetônico sobre o tema, vencido pelo arquiteto piauiense Demétrio Albuquerque. Foi o primeiro monumento construído no país em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos brasileiros.
O prêmio foi pago, mas a Prefeitura não tinha previsto os gastos com a construção e a localização da estátua. Mesmo assim, Gilberto prometeu que resolveria o problema. E cumpriu. Pensou em parceria com alguma empresa ou empresário para custear as despesas. Ficou decepcionado ao constatar que ninguém queria associar seu nome àquele monumento esquerdista.
Na época, em 1993, eu estava montando a TV Tribuna e conversava constantemente com o dono da empresa, Fernando Santos. Ele estava presidindo a Associação Brasileira de Cimento Portland, que faria o congresso anual no Recife. Fernando queria ir além dos congressos anteriores, sempre realizado em hotéis.
A sugestão era levar os congressistas e familiares a conhecerem o Recife dos rios e das pontes. Levá-los ao litoral norte, Maria Farinha, Coroa do Avião, Gavoa. Pedia que a Prefeitura cedesse, por prazo determinado, a área ao pé da ponte Limoeiro. Ali, na Rua da Aurora, construiria um local para as reuniões do certame e um ponto de embarque, na margem do Capibaribe. Depois, a Prefeitura ficaria com a edificação.
Levei o pleito a Gilberto e ele aprovou. Quem visitar hoje o monumento vai constatar a improvável parceria. Está lá, o que Gilberto Marques Paulo pensava: a paz só será obtida quando as pessoas entenderem que a convergência deve sempre vencer a divergência. Não é questão de lado. É questão de princípio.
O monumento Tortura Nuca Mais simboliza as condições dos torturados durante o regime militar. Mais que isso, representa a condição humana de degradação, isolamento, exclusão e abandono dos que foram submetidos todas as vezes que a dignidade humana foi e é desrespeitada. Não só debaixo da violência do pau de arara, mas diante das condições miseráveis dos que vivem sem razão, vítimas das guerras alheias, ou morrem por não ter o que comer.
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