A legislação existente com essas orientações nacionais às PMs é de um antigo decreto de 1969, assinado pelo então presidente da ditadura militar, Artur da Costa e Silva.
Na última semana, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, encaminhou ofício ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com um pedido de atenção às propostas que são “prioridade” para o ministério. A Lei Orgânica é uma delas.
O texto foi aprovado na Comissão de Segurança do Senado e, atualmente, está na Comissão de Constituição e Justiça, aguardando o início dos debates. O relator é o senador Fabiano Contarato (PT), que era delegado da Polícia Civil. Ele foi procurado pela reportagem, mas não respondeu.
O governo tem uma atenção especial a esse tema para dar um aceno importante a uma classe que é crítica ao presidente Lula.
Qual o problema?
Especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL dizem que a lei foi pouco debatida. Segundo eles, da forma como está, reforça a estrutura vigente das polícias, abre margem para diferentes interpretações e pode empoderar as polícias militares.
Eles criticam a pouca atenção a temas como o controle da letalidade. No ano passado, as polícias brasileiras (civis e militares) mataram 18 pessoas por dia. Houve uma média semelhante de mortes em 2021.
Um dos pontos controversos da Lei Orgânica é a possibilidade de fortalecimento dos comandantes das PMs. No artigo 29 da lei, o texto abre interpretação para que os comandantes-gerais respondam diretamente ao governador sobre a administração da instituição, enfraquecendo a função do secretário da Segurança Pública.
Comandantes-gerais das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares dos estados, do Distrito Federal e dos Territórios serão nomeados por ato do governador entre os oficiais da ativa do último posto do quadro a que se refere o inciso I do caput do art. 15 desta Lei, e serão responsáveis, no âmbito da administração direta, perante os governadores das respectivas unidades federativas e Territórios, pela administração e emprego da instituição.
Artigo 29 do PL da Lei Orgânica
Ainda segundo os técnicos, o texto também decide sobre a forma da nomeação do comandante, um critério que tira dos estados a possibilidade de ter outro método de escolha que não uma decisão unilateral do governador.
Outro trecho do PL (parágrafo 6º do artigo 15) estabelece um piso de 20% das vagas de concursos públicos para mulheres. Mas, para os especialistas, a redação do texto abre margem para que o mínimo para mulheres vire um teto. Dessa forma, os estados separariam 20% das vagas para mulheres e 80% para os homens. Na área da saúde, por exemplo, mulheres podem concorrer à totalidade das vagas.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública levantou outros pontos questionáveis que reforçam o vínculo das polícias militares com as Forças Armadas. Há possibilidade desses e outros pontos serem revistos durante a tramitação do texto no Senado.
As críticas dos especialistas
“A necessidade de uma Lei Orgânica nova é inquestionável, mas impressiona como o PL atual é uma espécie de colcha de jabutis, na qual vários interesses particulares são costurados num texto que tende a atrasar a modernização das PMs e dos Corpos de Bombeiros Militares em décadas”, disse Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Já Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos aponta que “o texto não espelha o momento do país, não traz medidas voltadas para construção de um pacto democrático de uso da força, baseado em conceitos que superem nosso passado autoritário e marcado pelo racismo institucional. O país enfrenta um problema crônico relacionado à violência institucional, refletido pela alta letalidade (racializada, inclusive) e alta mortalidade de policiais. Esse tema deve estar no centro do debate e deve envolver toda a sociedade”.
Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, entende que “saíram muitos pontos ruins, mas o projeto de lei que está em curso não faz reformas estruturantes, não desmilitariza a PM. O PL como está reflete bastante a visão corporativista e acaba perdendo a oportunidade de fazer um debate mais qualificado sobre qual é a polícia e o ofício policial que queremos”.
Ministério diz que Congresso é autônomo
“O Ministério da Justiça mantém permanente diálogo, apresentando opiniões às Casas Parlamentares, mas estas são autônomas nas suas deliberações. O Poder Executivo somente participa diretamente do processo legislativo na análise de sanção ou veto. Informações sobre tramitação e sobre mérito devem ser demandadas dos parlamentares que estão analisando o assunto”, pontuou o Ministério da Justiça em nota.
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