A PEC da Anistia será analisada por uma comissão especial e, na sequência, pelo plenário. Depois, vai para o Senado. Para valer nas eleições municipais de 2024, precisa receber a chancela de ambas as Casas antes de 6 de outubro.
O perdão aos partidos une legendas rivais, a exemplo de outro projeto, a minirreforma eleitoral, já aprovada na Casa com apoio de mais de 70% das deputadas que participaram da sessão. A minirreforma também enfraquece o cumprimento da cota feminina, ao possibilitar que federações sejam consideradas no cálculo, hoje restrito a cada sigla, e ao permitir que recursos recebidos por candidatas possam bancar gastos de campanha de homens em alguns casos.
Em relação à PEC da Anistia, poucas parlamentares têm se manifestado publicamente. Em um levantamento feito pelo GLOBO, que questionou durante duas semanas as 94 deputadas federais sobre o tipo de cota feminina (cadeiras, candidaturas ou ambos) e o qual percentual elas defendem, 72 parlamentares não responderam. Nesse grupo, apenas seis deputadas sinalizaram publicamente apoio à aprovação da PEC da Anistia, e outras oito discursaram ou fizeram postagens nas redes sociais contra o texto debatido.
O relatório discutido na comissão especial da PEC prevê a implementação de uma reserva inicial de 15% das cadeiras do Legislativo nas três esferas (federal, estadual e municipal) destinada às mulheres. Esse percentual passa a ser de 20% em 2026. Por outro lado, a proposta flexibiliza o cumprimento da atual cota de candidaturas. Na prática, desobriga os partidos a lançarem o mínimo de 30% de mulheres no pleito.
Já entre as 22 deputadas que responderam ao GLOBO, 13 defenderam tanto as cotas de cadeiras no Parlamento quanto a de candidaturas com percentual mínimo maior que 15%, e duas indicaram apoiar o mesmo modelo, mas com percentual de 15%. Outras seis se disseram favoráveis à manutenção das regras atuais, que preveem o preenchimento de 30% das candidaturas de mulheres na disputa eleitoral. Uma parlamentar, Julia Zanatta (PL-SC), manifestou-se contrariamente a qualquer cota.
Apesar de ter defendido no levantamento a coexistência de reservas de vagas e assentos com percentual acima de 15%, a presidente nacional do Podemos, Renata Abreu (SP), já indicou que votará a favor da PEC, assim como outras seis deputadas com a mesma posição.
Para pesquisadoras do tema, a PEC representa um retrocesso, já que as deputadas eleitas em 2022 ocupam 17% das cadeiras e a média nacional de mulheres nas Casas Legislativas também já supera os 15%.
— O texto me parece um recado dos homens: para que mulheres entrem, eles têm de sair e, no que depender deles, não vai ocorrer — diz Ligia Fabris, especialista em representação política de mulheres e violência política de gênero.
A advogada Luciana Nepomuceno, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), caracteriza a proposta como “canto da sereia” por aparentar um avanço que não se concretiza:
— Se o partido tiver que apresentar dez candidatos, ele pode lançar apenas sete homens e deixar três vagas em aberto. Para que adianta a reserva de cadeiras, se o partido não precisa preencher (candidaturas) com mulheres? — questiona.
Maioria de homens
No levantamento feito pelo GLOBO, 20 das 22 deputadas que responderam às perguntas concordaram com a afirmação de que o fato de existir hoje uma maioria de homens no Congresso dificulta a aprovação de um percentual maior que 15% para a reserva de cadeiras. Além disso, 12 elencaram o pouco acesso de mulheres a cargos de comando e de participação nos partidos políticos como principal dificuldade para a entrada de candidatas no Legislativo.
No campo da esquerda, a maioria do PT tende a apoiar a proposta, embora nomes como o da deputada Benedita da Silva (RJ) indicaram reprovar o texto. Já o PSOL tem se manifestado contra a PEC da Anistia. Na comissão especial que analisa o projeto, Fernanda Melchionna (RS) tem alertado que a reserva de cadeiras servirá como um “teto de vidro”, limitando a participação das mulheres:
— Existe uma disputa principalmente com os homens dos partidos conservadores e do Centrão, já que a chegada de mais mulheres representará a perda de privilégios nas decisões sobre políticas públicas brasileiras — diz a deputada.
A oposição à PEC não fica restrita à esquerda. A deputada Eliane Braz (PSD-CE) defende a manutenção da cota de candidaturas:
— O estímulo à participação feminina por meio da cota de gênero está previsto há 26 anos. Estamos em 2023 e muitos partidos seguem insistentemente buscando jeitinhos para não cumprir a legislação. Queremos avançar muito mais. Não aceitamos nenhum retrocesso.
Coordenadora do programa de Diversidade e Inclusão da FGV Direito Rio, Yasmin Curzi defende, para aumentar a participação feminina na política, vagas garantidas em um percentual superior ao que já é realidade, investimento na campanha para assegurar candidaturas competitivas e segurança psicológica. Ela critica a anistia aos partidos:
— A proposta atropela os entendimentos do TSE e do Supremo, o que é extremamente grave. Há o argumento de que muitos partidos pequenos são punidos pelas multas e que mulheres eleitas perderam os mandatos pelas fraudes. Isso não deveria ser discutido, é um erro justificando outro.
No Senado, a bancada feminina, liderada por Daniella Ribeiro (PSD-PB), vai se reunir esta semana para definir uma posição conjunta — parte das 15 senadoras da Casa está insatisfeita com a proposta da Câmara.
Três senadoras afirmaram ao GLOBO defender cotas de cadeiras e de candidaturas com percentual superior ao fixado pelo texto na Câmara. São elas Soraya Thronicke (Podemos-MS), Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Zenaide Maia (PSD-RN). Já Dorinha Seabra (União-TO) é a favor da manutenção da regra atual.
— Mudamos a legislação quando percebemos que não adiantava haver cotas, se a mulher não recebesse também cota de investimento para campanha e na propaganda eleitoral ela não ocupasse espaço de TV. É necessário garantir estrutura— diz Gabrilli.
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