Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atravessou a campanha apontando os resultados alcançados nos anos em que esteve no poder como suficientes para tranquilizar os críticos que cobraram dele planos de governo e respostas para os desafios à sua frente.
Vitorioso nas urnas pela terceira vez no último domingo (30), quase 12 anos depois de deixar o Palácio do Planalto, após atravessar um período turbulento que incluiu 580 dias na prisão, ele agora terá que demonstrar que está preparado para o que vem por aí.
As dificuldades que enfrentará nos meses que faltam para sua posse e nos próximos anos são muito maiores do que as que o aguardavam na primeira vez que vestiu a faixa presidencial e exigirão habilidade maior que a demonstrada na campanha eleitoral. As informações são da Folha de S.Paulo.
Leia maisComeçando pela transição, Lula terá que conviver por dois meses com um adversário hostil na Presidência da República. A agressividade exibida na campanha e o silêncio de Jair Bolsonaro (PL) após a derrota sugerem que ele não facilitará a vida do sucessor.
Em 2002, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) conduziu sem alvoroço a transição para o governo Lula, pondo de lado as diferenças entre eles e colocando em marcha um processo bem-organizado para troca de informações entre as equipes que saíam e as que chegavam.
FHC e Lula se conheceram no fim dos anos 1970, quando a ditadura se aproximava do fim e os grupos que faziam oposição aos militares se preparavam para a volta da democracia. A relação deles teve altos e baixos desde então, mas o tucano passou a faixa ao petista sorrindo.
Eles voltaram a se encontrar no ano passado, na pandemia, e posaram para uma foto em que se cumprimentavam com os punhos cerrados. FHC se pronunciou em defesa da democracia e de pautas do petista no primeiro turno e pediu votos para o antigo rival na semana passada.
Em 2002, Lula foi eleito tendo como vice o empresário mineiro José Alencar (1931-2011), fundador do grupo têxtil Coteminas. Depois de ajudar o petista a desfazer a imagem de radical na campanha, Alencar se tornou no governo um crítico discreto de sua política econômica.
Lula voltará a Brasília acompanhado do ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que trocou o PSDB pelo PSB para entrar na caravana petista. O PT tem alimentado expectativas de que o ex-presidente dará papel de destaque ao antigo adversário em seu futuro governo.
Alckmin já figurou nas listas de candidatos ao comando da política econômica do novo governo, mas talvez nem Lula tenha a definição na cabeça. Em 2002, Antonio Palocci foi anunciado como ministro da Fazenda em dezembro, quando faltavam duas semanas para a posse.
Na economia, o cenário é mais desafiador desta vez. Apesar da recuperação da atividade econômica, ela tende a esfriar em 2023, e não há dinheiro para cumprir promessas como a de manter e ampliar os benefícios sociais criados para turbinar a campanha de Bolsonaro à reeleição.
Em 2002, Lula se comprometeu com a continuidade de políticas econômicas ortodoxas postas em prática pelos tucanos e apertou os cintos assim que assumiu, segurando despesas para conter o endividamento do governo e mantendo juros altos para fazer a inflação ceder.
Ninguém sabe o que o PT fará agora para restaurar o equilíbrio das contas públicas. O esboço de programa de governo apresentado na campanha defende um novo regime fiscal que ofereça credibilidade e previsibilidade e seja sustentável. Os detalhes ficaram para outro dia.
A carta de compromissos divulgada pela campanha petista na semana passada, a três dias da eleição, sugere que Lula optará por uma estratégia mais gradual desta vez, que abra algum espaço para gastar no primeiro ano e deixe o equilíbrio das contas para mais tarde.
Os petistas também indicaram na campanha que Lula não pretende mexer no atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Indicado por Bolsonaro e com mandato garantido por lei até 2024, ele ficará onde está até a metade do mandato que Lula assumirá em janeiro.
Em 2002, a escolha de Henrique Meirelles para presidir o BC foi anunciada junto com a indicação de Palocci. Meirelles não foi a primeira escolha de Lula, mas ganhou sua confiança e ficou no posto até o fim de seu segundo mandato. Eles se reaproximaram neste ano.
Um dos principais problemas de 2002 não assusta mais. A expectativa de que haveria mudanças radicais com a chegada do PT ao poder fez a cotação do dólar disparar e alimentou dúvidas sobre a capacidade do Brasil de cumprir seus compromissos externos na época.
O país estava sob vigilância do FMI (Fundo Monetário Internacional) quando Lula assumiu, mas quitou sua dívida dois anos depois. Desde então, acumulou mais de US$ 300 bilhões em reservas, afastando o risco que mais preocupava os investidores estrangeiros.
Como em 2002, o presidente eleito terá que negociar alianças para governar, buscando forças partidárias mais amplas que aquelas que o apoiaram até aqui. Lula foi eleito com o apoio de nove partidos além do PT, mas o PSB é o único com alguma expressão no Congresso.
Nas eleições de 2002, os partidos da coligação de Lula conseguiram 130 cadeiras na Câmara, equivalentes a 25% do plenário. Após a eleição, três siglas que não participaram da campanha ocuparam postos no ministério, ampliando a base lulista para 199 cadeiras, 39% do total.
Os partidos que apoiaram Lula desta vez conquistaram 122 cadeiras, ou 24% do total. A coalizão poderá alcançar 223 cadeiras, 43% do total, se Lula conseguir a adesão do MDB, do PSD e do PDT, três siglas que tendem a se alinhar com o novo governo sem maiores embaraços.
É provável que o presidente eleito enfrente uma oposição mais aguerrida que a encontrada em sua primeira passagem pela Presidência. O PL de Bolsonaro terá a maior bancada da nova composição da Câmara e sua coligação conseguiu 187 cadeiras neste ano, 36% do total.
Dois terços dos integrantes da futura bancada do PL, contudo, são veteranos do centrão, que já estavam na política antes da ascensão de Bolsonaro ao poder e não teriam dificuldade em aderir ao novo governo. Alguns deles apoiaram Lula e participaram de administrações petistas no passado.
Lula terá que lidar com um Congresso fortalecido, que passou a controlar uma fatia significativa do Orçamento, equivalente a um quarto das despesas não obrigatórias, e hoje depende menos da boa vontade do Executivo para conseguir a liberação dos recursos.
É possível que o Supremo Tribunal Federal julgue ainda neste ano as ações que questionam a legalidade das emendas de relator, cuja ampliação deu aos líderes do Congresso o controle dessas verbas. Uma decisão desfavorável ao Legislativo poderia facilitar as coisas para o novo governo.
O fim do sistema articulado pelos partidos do centrão com o governo Bolsonaro abriria caminho para a negociação de um novo arranjo de Lula com o Congresso. Se o STF preferir assistir à disputa entre os outros Poderes sem interferir, a negociação tende a ser bem mais difícil.
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