Dado, senhor Presidente, o progresso que presenciamos no Estado de Goiás com a mudança de sua capital; Dado os benefícios que igualmente se estenderam ao Estado de Minas Gerais com a criação de Belo Horizonte.
Antecipamos, senhor Presidente, a nossa fé e o nosso entusiasmo pelos benefícios que advirão à Pátria com a interiorização da Capital Federal, se, ao invés de cristalizar o assunto em dispositivos constitucionais, como fizeram nossos dirigentes de antanho, Vossa Excelência houver por bem lançá-lo no campo das realizações concretas.
Saúde e fraternidade.
Jeronymo Coimbra Bueno
Abelardo Coimbra Bueno.”
Com esse documento, após a conclusão da primeira etapa da construção de Goiânia (1933–1937), iniciava-se a grande mobilização política liderada pela família Coimbra Bueno — especialmente por Jeronymo Coimbra Bueno — pela construção de Brasília e pela ocupação “civilizatória” do Brasil Central, numa aventura quase épica. Vargas, contudo, não responderia ao apelo dos irmãos Coimbra Bueno na forma desejada nem naquele momento. Somente em 8 de agosto de 1940, na sessão de fundação da “Cruzada Rumo ao Oeste” — iniciativa dos Coimbra Bueno —, realizada na sede do Automóvel Clube de Goiás, Getúlio destacaria a importância geopolítica da ocupação econômica e urbana do Brasil Central.
“Convidado a presidir esta sessão, devo declarar, antes de encerrá-la, que a sociedade ora fundada tão oportunamente em Goiânia, com o nome de ‘Cruzada Rumo ao Oeste’, é merecedora de nosso apoio e aplauso, pois pretende, pela propaganda, desenvolver o pensamento e a ação em torno desse tema, que é um roteiro da nossa civilização. Após a reforma de 10 de novembro de 1937, incluímos essa Cruzada no programa do Estado Novo, afirmando que o verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste. […] Assim, o programa Rumo ao Oeste é o reatamento da campanha dos construtores da nacionalidade — dos bandeirantes e sertanistas —, integrando os modernos processos de cultura. Precisamos promover essa arrancada sob todos os aspectos e com todos os métodos, a fim de sanar os vazios demográficos de nosso território e fazer coincidir as fronteiras econômicas com as fronteiras políticas”, afirmou Getúlio Vargas, apoiando os primeiros passos de uma mobilização que se faria sentir até a inauguração de Brasília, em 1960.
Orozimbo Souza Bueno (1875–1962) e Umbelina Coimbra Bueno, pais de Jeronymo (1909–1996) e Abelardo (1911–2003), formavam uma família próspera no município de Rio Verde. Empreendedor de sucesso e dono de vários negócios na região, Orozimbo era proprietário da “Companhia Auto-Viação Sul Goiana”, fruto da expansão cafeeira impulsionada pela construção da estrada de ferro no sul de Goiás nas primeiras décadas do século XX. Pedro Ludovico, membro do Conselho Fiscal da Companhia, já demonstrava, então, sua proximidade e vínculo com a família Coimbra Bueno.
Em 1929, Jeronymo, com 20 anos, e Abelardo, com 17, alunos do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, ingressaram simultaneamente na Escola Politécnica e na Escola de Belas Artes. Foi o mesmo ano em que Lúcio Costa assumiria a direção da Escola e Le Corbusier, em sua primeira visita ao Brasil, proferiria uma série de palestras no Rio. Não é improvável que os irmãos Coimbra Bueno tenham se encontrado com a jovem e diligente Carmem Portinho — já engenheira e também formada pela Escola de Belas Artes — que, dez anos depois, como urbanista, elaboraria o primeiro anteprojeto modernista para a nova capital no Brasil Central.
Jeronymo e Abelardo diplomaram-se em 1933. Entre o ingresso e a conclusão do curso, testemunharam profundas transformações no Brasil e no mundo. A quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, desencadeou uma grave crise na economia mundial. No Brasil, a crise do café provocou o colapso da chamada República Velha. A Revolução de 1930 foi o grande resultado político daquele contexto.
Especificamente para os negócios da família Coimbra Bueno, a conjuntura política e econômica acabou sendo, de certo modo, favorável: o amigo da família, Pedro Ludovico, ascendeu ao poder com Getúlio Vargas; e o movimento migratório em direção ao Oeste intensificou o transporte sobre rodas, um dos principais ramos da família. Ainda em 1933, no cenário internacional, Hitler assumia formalmente o poder como chanceler da Alemanha.
Alguns conceitos estavam fortemente presentes na formação de Jeronymo Coimbra Bueno ao deixar a Politécnica: o urbanismo e os desafios das cidades modernas. Desde a segunda metade do século XIX até meados do século XX, no Ocidente, temas como paisagismo, saneamento, grandes avenidas, sistemas viários, salubridade, praças, parques e ferrovias desafiavam o mundo moderno. A política e o poder público eram inseparáveis na condução e construção desses novos espaços urbanos. Em 1933, foi fundada a Coimbra Bueno & Penna Chaves Ltda., sediada na Rua Álvaro Alvim, nº 33, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, o sócio Penna Chaves deixaria a empresa.
Em 1934, após um intenso diálogo crítico com o interventor Pedro Ludovico sobre o projeto de Goiânia — conduzido pelo arquiteto e urbanista Attilio Corrêa Lima —, os irmãos Coimbra Bueno, sobrinhos da primeira-dama Gercina Borges Teixeira, assumiram a construção da nova capital de Goiás. Em 1938, concluídas as obras fundamentais para a sede do governo e os bairros habitacionais, Jeronymo e Abelardo receberam o título de “Construtores da Cidade de Goiás”.
Em 1939, enviaram a famosa carta a Vargas, já mencionada acima. No mesmo ano, criaram a Fundação Coimbra Bueno pela Nova Capital. Em agosto de 1940, com a presença do presidente da República, inauguraram a “Cruzada para o Oeste”, um projeto da Fundação. A FCB desempenhou papel relevante em todo o país, com palestras, seminários e publicações em defesa da construção de Brasília e da ocupação moderna do Brasil Central.
Ainda em 1940, foi criado o jornal “Rumo ao Oeste” e, em 1945, a “Rádio Brasil Central”. O objetivo era o mesmo: divulgar e valorizar as imensas possibilidades econômicas do Brasil Central, especialmente de Goiás, Goiânia e Brasília. Moderna e poderosa, a rádio dos Coimbra Bueno, com ondas curtas, médias e tropicais, podia ser ouvida em quase todo o território nacional, com uma linha editorial explicitamente “mudancista”. Integrava uma ampla estrutura de comunicação do grupo político e econômico, que incluía o “Jornal de Brasília”, encarte do semanário Singra, com tiragem de milhares de exemplares. A revista Singra (Suplemento Intergráfico), coordenada por Cândido Mendes, trazia temas históricos, culturais e perfis de personalidades da época.
Em novembro de 1955, já senador por Goiás, Jeronymo Coimbra Bueno, em uma extraordinária demonstração de liderança política e decisão, deu um passo definitivo para a construção de Brasília: convidou todos os senadores da República a se reunirem no plenário do Palácio Tiradentes — então sede da Câmara dos Deputados. Nessa sessão, apresentou destaque orçamentário consignando verba de 120 milhões de cruzeiros para a desapropriação total da área do novo Distrito Federal. A proposição foi aprovada por maioria absoluta. Em julho de 1956, também por iniciativa de Coimbra Bueno, foi constituído, com apoio multipartidário de deputados e senadores, o “Grupo de Trabalho pela Nova Capital do Brasil”.
“Indispensável uma boa coordenação de esforços entre os membros do Legislativo e deste com os demais poderes, objetivando a criação da nova cidade e o consequente desenvolvimento da civilização também no interior”, justificou o senador de Goiás.
Jeronymo Coimbra Bueno foi eleito governador de Goiás em 1947 e integrou as Comissões Polli Coelho e Caiado de Castro, responsáveis pela escolha da localização da Nova Capital.
*Jorge Henrique Cartaxo, jornalista e diretor de Relações Institucionais do IHGDF | Lenora Barbo, arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHGDF
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