Por Fernando Castilho
Do Jornal do Commercio
Na teleconferência com analistas de mercado, ontem, a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, revelou que a instituição tem na carteira do agronegócio do banco 808 clientes em recuperação judicial. Eles somam dívidas de R$5,4 bilhões. O número está no balanço semestral publicado, esta semana, e foi responsável pela queda das ações na B3, a despeito do lucro líquido ter alcançado R$3,8 bilhões.
Segundo Medeiros, a carteira do agro do BB tem 600 mil clientes com 20 mil inadimplentes. Segundo ela, 74% deles nunca tinham apresentado inadimplência com o banco até dezembro de 2023, primeiro ano do governo Lula e da administração dela, a primeira mulher a dirigir o maior banco do setor público.
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Movimento estranho
O número surpreendeu os acionistas, mas não analistas de mercado que têm outras maneiras de ler os números do mercado. Eles já tinham detectado um movimento estranho nas varas cíveis brasileiras, especialmente as do Centro Oeste.
Em 2024, o Brasil registrou um recorde de pedidos de recuperação judicial, com 2.273 solicitações, segundo dados da Serasa Experian. Este número representa um aumento de 61,8% em comparação com 2023.
Dívida do agro
A tendência se mantém como um dado novo: as recuperações judiciais no agronegócio brasileiro alcançaram 389 solicitações apenas no primeiro trimestre deste ano.
Na conversa com analistas, ela reconheceu que o balanço do banco tem sido afetado desde o primeiro trimestre do ano pela grande inadimplência em sua carteira do agronegócio que exigirá mais provisões para créditos duvidosos no terceiro trimestre.
Risco de crédito
Ela não tem como fugir disso. No balanço de 2024, a expressão “risco de crédito” que está associada às provisões para perdas associadas ao negócio esteve presente 50 vezes. No balanço do segundo trimestre de 2025, subiu para 109, o que é um sinal de como o tema está presente nas reuniões da diretoria liderada por Tarciana Medeiros.
No balanço é lá que o banco explica sua metodologia para cálculo das perdas e a avaliação dos instrumentos financeiros com atraso inferior ou igual a 30 dias; os com atraso superior a 30 dias (indicativo de aumento significativo no risco) e os superiores a 90 dias — que é onde fica caracterizado que o cliente não honrará integralmente o instrumento financeiro.
Fato novo
O fato novo no balanço do BB é que essa categoria ganhou atenção por se tratar de clientes do segmento de private banking e que são também produtores rurais que se alavancaram (fizeram dívidas para produzir) em 2021 e 2022.
Desde 2020 que a lei autoriza que pessoas físicas com personalidade parecida com pessoas jurídicas possam utilizar o instrumento da recuperação judicial para renegociar suas dívidas de modo a não perder as propriedades dadas em garantia.
Carteira rural
Mas para Tarciana Medeiros, o preocupante é que na carteira rural do BB estão clientes na recuperação judicial em que, de fato, só tem esse caminho. Mas também parcela significativa das recuperações judiciais que são fruto de má orientação e consultoria.
Ainda segundo ela, o banco percebeu (até pelo nível de sofisticação dos documentos) que havia consultorias orientando para que produtores, incluindo os menores, entrassem em RJ até antes de conversarem como o BB.
Novos escândalos
Pedir recuperação judicial é uma coisa normal em tempos de crise. E, salvo escândalos, como o do caso das Lojas Americanas, eles acontecem com os bancos sabendo que isso será inevitável e até se prevenindo.
O fato novo é que, em 2024, um total de 423 empresas do setor primário entrou com pedidos de recuperação judicial. Em 2022, foram apenas 70. Além disso, ao menos, 1.676 micro e pequenas empresas pediram RJ contra 181 de grandes empresas. Surpreende porque normalmente as pequenas e micro empresas fecham antes de enfrentar uma RJ.
Rural no Serasa
O fato de em 2024, mais de 400 empresas rurais entrarem nas estatísticas do Serasa (e no balanço do BB) é preocupante. Porque revela que a chamada exuberância do agro não é tão sólida como se pensa e ainda não está no radar do governo.
A presidente do BB afirma que a instituição, com 50% do mercado de agronegócio do Brasil, é a principal do segmento e vai continuar sendo, pois essa é uma característica que não têm paralelo no mundo.
Banco amigo
Não tem mesmo. No passado, o banco sempre foi uma espécie de porto seguro para o setor rural por nunca protestar os títulos, carregar um grande volume de provisões para devedores duvidosos no balanço e ser acusado de fazer isso para o setor sucroalcooleiro do Nordeste e dos produtores rurais de São Paulo e Minas que sempre encontravam uma forma política de refinanciar as dívidas.
O que chama atenção é que, agora, 52% estão nas regiões centro-oeste e sul do País e alavancados (com dívida) em soja, milho e bovinocultura. Exatamente o setor que mais exporta, em dólar e tem os melhores índices de performance de produtividade no mundo.
Excesso de confiança
A explicação pode estar no excesso de confiança pelos preços deste produtos no mercado internacional, nas vendas para a China que leva os produtores a aceitarem as ofertas anteciparem suas safras.
Segundo a consultoria Safras & Mercado, a comercialização antecipada de soja do Brasil da safra 2024/25 foi estimada em 31,2% do total projetado para a colheita que seria iniciada em janeiro do ano passado. A venda antecipada da safra, também conhecida como comercialização futura, é muito boa. Mas agricultura é atividade de risco e basta uma instabilidade climática onde chuvas fortes e ventos indicam mudanças no padrão climático para afetar o desenvolvimento da safra.
Grandes fazendas
O que assusta no balanço do BB é que o número de RJ indica que grandes empresas donas de fazendas terão um longo inverno a percorrer.
O fato de apenas no BB, o número de ações de recuperação judicial está concentrada no segmento de private banking com produtores rurais que se alavancaram revela um quadro preocupante.
Receita em dólar
Esse é o segmento de melhor desempenho na economia brasileira. É o que mais demanda crédito para a produção, embora seja o que mais entrega. E é o que está investindo mais em máquinas e tecnologia da informação para ser embarcado na soja, milho, algodão e carnes.
Então se o quadro do BB estiver espalhado pelos demais bancos, isso preocupa muito. Até porque o setor do agro tem como padrão só mostrar o sucesso das colheitas.
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