Por Nivaldo Souza Júnior*
Semanas seguintes a 22 de agosto de 1979, dia da votação da lei de anistia no Congresso Nacional, lideranças políticas até então perseguidas pelo regime militar desembarcavam no Brasil, entre as quais Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola, Paulo Freire Francisco Julião, Betinho, Carlos Minc, Fernando Gabeira e Vladimir Palmeira.
Os anistiados passaram a ter a oportunidade de retornar aos seus lares e reinaugurar suas vidas. Fatos anteriores a provação da lei de anistia, revelaram a construção de um processo político levado a uma encruzilhada em que se enveredaram as políticas de reparação das violações de direitos humanos no Brasil.
Leia maisAinda sob fortes influências do regime militar, lideranças políticas, agentes do então regime de exceção, partidos e organizações da sociedade civil organizada negociavam medidas políticas de reparações, responsabilidade objetiva reconhecimento e de memória.
Acontece que tais medidas jamais chegam a tocar nos temas da verdade para a reconstituição dos eventos e das responsabilidades individuais, por meio de julgamentos criminais que revelassem os crimes cometidos pela ditadura e a punição dos agentes responsáveis, assim como todo aparato institucional de inteligência e das forças armadas em geral.
Em mensagem ao Congresso, o então presidente da República João Figueiredo defendia projeto de anistia e negociava sua aprovação sem alterações. Contudo, o texto revela que a Lei da Anistia não foi tão benevolente para os perseguidos políticos. Na avaliação dos opositores ao regime; das organizações da sociedade civis e religiosas e dos parlamentares do MDB (único partido de oposição), o projeto aprovado tinha dois graves problemas. No primeiro, a lei de anistia era restritiva. Os benefícios da lei negavam perdão aos “terroristas” com sentença condenatória. Não poderiam ser postos em liberdade. Os condenados por crimes de homicídio e sequestro eram qualificados como terroristas. Contudo, aqueles que respondessem a processos iguais, no entanto, com possibilidade de apelar a tribunais superiores, ganhariam a anistia.
Num emblemático discurso no congresso nacional, o deputado federal Marcos Freire (MDB-PE) marca posição contra o texto apresentado por Figueiredo. O parlamentar pernambucano acrescentou: “Anistia é esquecimento, olvido perpétuo. É medida de oportunidade política para começar, com os espíritos desarmados, uma nova marcha para o futuro. Para isso, é preciso a reintegração de todos na vida pública, sem exceção “.
As demais intervenções, em plenário, seguiram a mesma linha do extraordinário parlamentar pernambucano. Com todo esforço da bancada de oposição, esta lei foi estabelecida basicamente nos termos almejados pelo governo. Este, pretendia estabelecer a pacificação e o esquecimento favorável aos integrantes do aparato repressivo mais do que promover justiça e esclarecimento da verdade a suas vítimas. A explicação era a forte influência e ao fato de que o regime autoritário não tinha sido extinto.
Em votação simbólica, esmagados pela enorme bancada da ARENA, grande parte da bancada do MDB, com destaque para os chamados autênticos, acabou também apoiando o projeto do regime militar. A oposição fechou questão. Seria bem melhor ficar com a anistia nos moldes do governo ao ficar sem anistia. Contudo, não deixou de ser uma vitória para a oposição.
Assim, dentro do espírito dos estudos da ideia de uma história cíclica; que carrega um arcabouço mítico de repetição em detrimento da ciência política, nos remete a algumas indagações. Os fatos históricos tendem a se repetir? Será que a história poderá se repetir até o fim do governo Bolsonaro em 31 de dezembro de 2022? Será que findo o governo, sua base de direita se encarregará em negociar uma anistia aos crimes cometidos pelo clã Bolsonaro? O que diz a Constituição e os doutrinadores do mundo jurídico? É possível uma lei de anistia a crimes cometidos sem sentença condenatória transitada em julgado? Será que poderíamos passar uma má mensagem, de impunidade, à sociedade brasileira e à comunidade internacional? Será que o grande pacto nacional para reconstruir o Brasil passa por anistiar todos os crimes cometidos por Bolsonaro no passado? Será que já foi negociada uma emenda à Constituição que desse imunidade a ex-presidentes, garantindo-lhes uma espécie de cargo público de senador da República? Será que os institutos da anistia, indulto ou graça estão sendo ventilados como a primeira barganha da expressiva bancada bolsonarista no Congresso Nacional? É possível, no ordenamento jurídico brasileiro, uma anistia sem extinção da punibilidade sem processo e condenação? Uma possível anistia aos crimes cometidos pelo clã Bolsonaro, teria que ser genérica e abranger todas as pessoas que estivessem na mesma situação fática?
São essas as principais indagações que o sistema político terá que se debruças e processar logo após uma eleição extremamente radicalizada e pautada numa rede sofisticada de desinformações. O resultado foi a derrota do governo Bolsonaro combinada com forte influência no parlamento. A única certeza e comprovação expressa, reafirmada pelo voto popular, é que Luiz Inácio Lula da Silva é a maior liderança política e popular do Estado Brasileiro. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
*Advogado
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