*Por Gustavo Albuquerque
Primeiramente, é importante contextualizar o cenário de caça às bruxas vivenciado no país, onde o Ministério Público representa figura de pleno destaque. Naturalmente, resumir a busca incessante pela responsabilização a um único órgão não parece justo, sobretudo uma vez que o movimento se inicia quando grande parte da sociedade exerce diariamente as funções de investigador e julgador nos tribunais das redes sociais.
Nessa busca pela responsabilização, o fortalecimento dos órgãos de controle, com melhores estruturas e profissionais capacitados para o exercício da fiscalização, muitas vezes potencializada pela pressão exercida pelos veículos de comunicação, fez com que o princípio da presunção da inocência fosse mitigado, partindo-se da premissa equivocada de que o investigado já é culpado.
Leia maisA consequência dessa tentativa de responsabilização exacerbada, sem a necessária demonstração da existência de conduta dolosa por parte do gestor, acarretou no que alguns doutrinadores chamam de direito administrativo do medo, resultando no que ficou conhecido como o “apagão das canetas”, com gestores evadindo-se de exercerem o papel da tomada de decisão por medo da consequência sancionadora que poderiam vir a sofrer.
Trazendo esse contexto para a situação do advogado parecerista, importante esclarecer que, no Mandado de Segurança nº 24.631, o Supremo Tribunal Federal delineou os primeiros critérios a respeito do tema. Até então a jurisprudência majoritária era no sentido de que o jurista não poderia ser responsabilizado pela sua atuação consultiva. No referido caso, entendeu o STF que, sendo o parecer jurídico exigência legal para a validade do ato, existiria a possibilidade de responsabilidade solidária do parecerista com o gestor no caso da constatação da prática de ilegalidade.
Contudo, é fato que tal entendimento resulta em um natural receio dos juristas de confeccionar pareceres por medo de sofrer a perseguição dos órgãos fiscalizadores. Atribuir ao parecerista a responsabilidade solidária com o gestor resulta em um receio natural da defesa de teses que, ainda que legais, podem ser, a princípio, contrárias à opinião pública, engessando o papel do advogado.
A partir do citado precedente, a jurisprudência vem evoluindo e se consolidando no sentido de que a responsabilização do parecerista só é possível se demonstrado o dolo ou erro grosseiro na atuação do advogado. Esse foi o entendimento do STF no julgamento do MS nº 35.196, onde considerou indispensável a demonstração da vontade deliberada em praticar irregularidade, ou a constatação de culpa grave, quando da emissão de parecer opinativo ou vinculativo.
Ora, uma vez verificada a ocorrência de ilegalidade praticada com fundamento em parecer jurídico é salutar que os fatos sejam elucidados, apurando-se eventual responsabilização dos que lhe deram causa. Do contrário, possibilitaria o salvo conduto para agir em detrimento dos princípios que regem a Administração Pública. Entretanto, a apuração deve ser levada a efeito com a consideração que nem toda ilegalidade configura um ato de improbidade, salvo se constatada desonestidade ou má-fé na conduta dos responsáveis por sua prática.
Logo, a responsabilização do advogado parecerista não constitui posicionamento definitivo, ensejando o permanente debate acerca da possibilidade de condenação por ato de improbidade administrativa. Por hora, o que podemos assegurar é que, por força das alterações na Lei de Improbidade Administrativa trazidas pela Lei nº 14.230, de 2021, ainda que se entenda pela possibilidade de responsabilização solidária do advogado parecerista com o gestor pela prática de ato de improbidade administrativa, ao menos, será necessária a comprovação da conduta dolosa do agente na confecção do parecer jurídico.
*Advogado
Leia menos