Esses grupos, que inicialmente concentravam suas operações em alguns estados do Brasil, hoje ocupam todas as cinco regiões do país e se expandiram para toda a América Latina e Europa. Essa internacionalização representa uma ameaça real que demanda atenção imediata.
A conexão entre a execução ocorrida no aeroporto de Guarulhos e uma possível ação de queima de arquivo envolvendo um delator do PCC exemplifica a complexidade dessa problemática. Enquanto a imprensa brasileira limitou sua cobertura ao aspecto local, veículos internacionais, como o jornal português (Público, 17 de novembro de 2024), aprofundaram a questão, revelando as ramificações transnacionais da facção.
Os desavisados podem achar que se trata apenas de tráfico de drogas, mas o PCC está inserido em atividades como lavagem de dinheiro por meio de apostas esportivas (Bets), aplicativos e plataformas online que oferecem serviços financeiros pelo computador ou smartphone (fintechs) e até tentativas de aquisição de clubes de futebol na Europa, usando “testas de ferro” e estratégias sofisticadas para legitimar capital ilícito.
Esse contexto transcende a esfera doméstica e exige atenção e resposta efetiva das autoridades nacionais e internacionais. Ignorar esse avanço perigosíssimo é subestimar uma ameaça real a sobrevivência do Estado de Direito.
É imperativo que as dimensões globais dessas atividades criminosas sejam amplamente exploradas e reveladas, não apenas para informar a sociedade, mas para pressionar governos e instituições a adotar ações coordenadas e eficazes que impeçam a consolidação desse poder transnacional do crime organizado.
De acordo com levantamentos realizados recentemente existem pelo menos 72 facções criminosas vinculadas ao narcotráfico atuando em todo o país, algo que de antemão já causa espanto para qualquer observador internacional. Todavia para chegar nesse estado de coisas atual, a ausência de estratégias para combater essas organizações contribuiu com essa evolução ao longo dos anos, e o pior, a não ser combatida, cresceu e adquiriu contornos mundiais.
Prova disso é que ainda no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 o Comando Vermelho estabeleceu parceria com as FARC colombianas, fato que foi tornado público, apenas, com a prisão de Fernandinho Beira Mar na Colômbia em 2001, mas só o fato do traficante ter sido abrigado naquela nação, já demonstra que o Comando Vermelho havia estabelecido uma parceria com as FARC para a exploração de uma rota amazônica para o tráfico de cocaína.
E essa rota continua ativa, o que pode ser constatado com a apreensão, em agosto de 2023 pela Polícia Federal, de mais de uma tonelada de drogas em Rorainópolis, município com pouco mais de 200 mil habitantes dominado pelo CV, os agentes apreenderam também, dois fuzis AK-47, duas espingardas e um rifle com três colombianos e dois brasileiros.
Em setembro do mesmo ano, mais dois colombianos foram presos em uma embarcação na Ilha de Marajó com uma tonelada de skunk (droga conhecida como “supermaconha”) e segundo as forças de segurança mais de 6 toneladas de drogas (incluindo cocaína) tinham sido apreendidas só em 2023.
A ponto de a Promotora Ana Maria Magalhães de Carvalho, coordenadora do Gaeco do Pará dizer que “essa cocaína também abastece um mercado consumidor importante, de norte a sul do país. A presença de organizações criminosas estrangeiras tem se expandido no país”.
Além disso, o envolvimento do crime organizado com cartéis estrangeiros como os colombianos, mexicanos e albaneses, que já se estabeleceram em território nacional, agrava ainda mais o cenário. Um relatório recente produzido pelo Diálogo Interamericano e outras instituições destacou como esses grupos se aproveitam de territórios brasileiros sem a presença efetiva do Estado para expandir suas operações.
A promiscuidade entre facções brasileiras e cartéis internacionais fortalece estruturas criminosas transnacionais que colocam em xeque a possibilidade da atuação do Estado em determinados territórios.
Retornando ao ataque em Guarulhos com a participação do PCC em “empreendimentos” globais, a mídia portuguesa explorou bem o assunto, revelando situações que nos levam a acreditar que o que essa ORCRIM faz por lá, também faz por cá, é quase uma colonização às avessas.
No periódico citado anteriormente, foram exploradas as ramificações e as atividades que a facção desenvolve em Portugal, tornada do conhecimento das autoridades, como resultado da delação de Antônio Vinícius Gritzbach, morto no último dia 08 de novembro.
No bojo da delação ele revelou como o PCC tentou negociar a entrada no capital de três times de futebol da liga portuguesa, com o envolvimento de Ulisses de Souza Jorge, que também é agente do jogador da seleção brasileira de futebol, Éder Militão.
Ele revelou também, a maneira como a facção aborda clubes com débitos na federação de futebol portuguesa, para propor a criação de uma Sociedade Anônima Desportiva injetando dinheiro nesses clubes como forma de lavar o dinheiro proveniente do tráfico internacional de drogas. Numa dessas transações, em virtude da impossibilidade de constar o nome de Ulisses numa empresa, foi montada uma empresa com 4 “testas de ferro” onde cada um tinha a participação de 25%, e mais uma vez o nome de outro conhecido jogador de futebol brasileiro aparece, nesse caso quem estaria atuando como “testa de ferro” seria o ex-jogador do Flamengo, Léo Moura.
O Promotor de Justiça Lincoln Gakiya, e um dos principais investigadores do crime organizado no Brasil, alertou ainda “Tenho dito às autoridades portuguesas que, a partir do momento que se identifica uma estrutura do PCC em Portugal com esse nível de organização interna e de integrantes, significa que está muito bem estruturada e com carácter de permanência”.
Essa afirmação do promotor sobre as ações do PCC , nos faz pensar, se lá na Europa a facção já atua em diversos ramos para lavar o dinheiro de atividades ilícitas, imaginem como estão suas atividades aqui no Brasil e o nível de permeabilidade que essas organizações já dispõem dentro do cotidiano brasileiro.
Ainda no artigo da semana passada eu expus a participação dessas organizações no apoio e financiamento de políticos, de pessoas para prestarem concursos para acessarem posições de influência dentro do sistema de justiça criminal e da burocracia estatal, esses fatos são muito graves e transcendem as ações de segurança pública, e demandam ações coordenadas de segurança nacional, haja vista que já atingiram um estágio de comprometer a funcionalidade do país.
Diante desse panorama, é imprescindível que se reconheça a gravidade do problema e que as autoridades brasileiras, em cooperação com a comunidade internacional, ajam com urgência, adotando medidas eficazes e integradas para conter o avanço do crime organizado.
A omissão nesse momento pode custar caro, não apenas para o Brasil, mas para toda a região e até para outros continentes. É hora de enfrentar esse problema com a seriedade e os recursos que ele exige, garantindo que a nação não sucumba ao domínio das organizações criminosas e que o Estado de Direito prevaleça sobre a corrupção e a violência.
*Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Políticas de Segurança Pública/ RENAESP-SENASP
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