Por Letícia Lins – para o blog Oxe Recife
Recebi há alguns dias, na caixa de mensagens do #OxeRecife, uma postagem feita por um leitor do blog, que reside hoje no bairro das Graças, mas que passou a infância e a adolescência no bairro de São José, naquela época quando muitos dos seus imóveis eram residenciais. E o bonito bairro cheirava a tradição, cultura e história com um grau de preservação ainda muito grande.
Como o foco principal deste espaço são as coisas e as pessoas da cidade – incluindo as discussões sobre os bairros do Centro, cada vez mais esquecidos e degradados – resolvi publicar a “carta” (antigamente as correspondências se chamavam assim) de Edjailson Xavier Correia, porque ela mostra muito bem o que foi aquele que é um dos bairros mais tradicionais da cidade, aliás o único do Centro cujo comércio ainda viceja.
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O Centro, aliás, virou tristeza e desolação. Dia desses, um amigo do leitor esteve na cidade e após visitar o centro lhe perguntou: “Os “assassinos do Recife estão presos?”.
Entendam por assassinos, aqueles que, no passar dos anos, acabaram por destruir boa parte da beleza da cidade. Na postagem, com sensibilidade poética e nostálgica, ele mostra as ruas do bairro de sua infância, as praças, os personagens. Entre eles, um homem grandalhão, sempre de chapéu, que costumava visitar o seu pai para tomar um café. O homem era ninguém menos que Ascenso Ferreira (1895-1965), cujos versos a gente costumava até recitar ou cantar, nas brincadeiras de rua. Mais tarde, já na adolescência, vim descobrir o autor e a que poemas eles pertenciam: Branquinha, Filosofia, e Trem de Alagoas.
Eis o que diz o leitor, antigo morador de São José.
Nasci no bairro de São José, onde minha vida foi marcada por grandes momentos. Temos que falar no Recife com grande saudade, mesmo vivendo essa desertificação social e econômica que sentimos quando andamos pelo centro da cidade, destruídos por dentro. Todas aquelas ruas têm um pedaço de minha infância e de minha adolescência juntos, desde o Mercado de São José, as lojas do entorno, vindo desde a Rua Direita, a Livramento. E lá vinham os corredores de lojas com tudo que queríamos.
Como estamos censurados em criticar o que chamam de governantes nessa província, nos resta falar, chorar e pedir a Deus que salve o Recife. Um amigo e arquiteto, também historiador, que é amante do Recife, esteve nesta capital em janeiro, e aí me ligou perguntando: ‘os assassinos do Recife estão presos?’. Respondi rápido, se eu falar, posso ter a polícia chutando minha porta de madrugada e ser cancelado por aqueles que nos chamam de dinossauros. Continue, Letícia, falando do Recife, e fazendo como eu faço, entre os escombros da outrora terceira capital do País.
Caminho, choro e abraço os amigos, que sobrevivem a isso em que foi transformado a nossa cidade, e o Recife é o amor que não se acaba. E quando chego no bairro de São José, ainda ouço aqueles sons que fizeram minha vida. ‘Chora menino, pra chupar pitomba… E hoje quem chora é o velho setentão em meio a ruas desertas nessa solidão das telas frias a escurecer, o olhar do Recife. Os pregões do Recife silenciaram nas paredes e ruas destruídas do meu amado bairro de São José. Talvez aquela imagem em um domingo da minha vida na rua Padre Floriano onde morei em frente à Praça da Restauração Pernambucana, onde aquele homem grandão me deu bom dia e perguntou por papai. E logo as portas de minha casa foram abertas e aquela figura de chapelão passou a mão no meu rosto, e me disse: ‘eu sou Ascenso ferreira’, e foi tomar um café com papai. E minha casa se encheu de poesia.
Esse foi o Recife que vivi e senti nas ruas e becos do bairro de São José. E os sons do piano se espalhando pelas ruas ainda dominam meu existir. Isso mesmo, Letícia. Continuemos amando o Recife plenamente. Obrigado por ver que ainda amamos o Recife em cada linha do seu grande espaço, do verdadeiro jornalismo, literatura e cultura. Cultura ainda é amar a cidade que ama, e no amor se vive e o Recife é para viver plenamente…
E me permita outra imagem, segunda feira de carnaval, saindo do Pátio do Terço e entrando na rua Passo da Pátria. Lá vem o flabelo lindo do meu bloco amado, Batutas de São José. Bandeira, seu fundador, com seu impávido paletó branco. Edite puxando o cordão, e João Santiago tocando e comandando a orquestra… Chovendo aos cântaros, e entre as fantasia surradas, os gritos de meu pai segurando as minhas mãos, abanando seu lenço branco, e dizendo… ‘lá vem meu bloco amado’… A música de Álvaro Alvim espalhava sua poesia de amor a batutas.
Não deixem morrer batutas / não deixe batutas morrer /batutas tem um passado de lutas / viva batutas, batutas vai vencer. Isso mesmo, nasci no recife no bairro de São José, de muitas lutas. Viva o recife.
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