A relação política e pessoal de Pedro Mendes, ex-vereador de Olinda que morreu no último domingo, com o ex-governador Miguel Arraes, foi mais do que histórica. Começou no fim da década 70, precisamente em 1979, com a volta de Arraes do exílio ao Brasil e se intensificou em 1986, na emblemática campanha para governador na qual dizia que voltaria e entraria pela porta que saiu.
Na foto acima, Pedro Mendes, então líder da juventude arraesista, pode ser visto, por trás de Arraes, enquanto outros jovens, liderados por ele, carregam o ex-governador nos braços para um comício na praia de Boa Viagem, no curso da mesma campanha. Confirmada a vitória nas urnas, Pedro Mendes foi um dos jovens a integrar o Governo.
Leia maisNa terceira gestão (1995/1998), o ex-vereador assumiu o posto de secretário-adjunto da pasta de Governo, tendo como titular Eduardo Campos, seu amigo e companheiro do movimento estudantil.
Arraes queria, no seu último mandato, retomar a interação com a juventude que lhe consagrou naquela histórica campanha de 1986. E delegou a Pedro e ao jornalista e secretário de Imprensa, Jair Pereira, a tarefa de construir um diálogo com o segmento.
Os dois auxiliares, independentemente de governos, sempre tiveram uma estreita relação com a área de cultura e de esportes na vida pessoal. Na época, início da década de 90, estavam em efervescência no Estado dois movimentos que, por si só, dialogavam uma mesma linguagem: o Manguebeat e o Surf.
Mas Mendes e Pereira queriam mais comprometimento do Governo. Defendiam a presença do governador nas atividades, o contato mais direto de Arraes com esse público irreverente e até então distante do ambiente sisudo, tradicional e conservador do poder. Tinham convicção que a aproximação com essa geração esteticamente revolucionária era a cara do legado, da história que o ex-governador inaugurou na sua primeira gestão na década de 60, com a implantação do também revolucionário MCP – Movimento de Cultura Popular.
Na praia de Maracaípe, em Ipojuca, litoral sul do Estado, transcorria a etapa mundial de surf pela primeira vez no Estado, com mostras de músicas paralelas da nova cena musical pernambucana, evento com o apoio do governo do Estado, articulado por Pedro Mendes.
Levar Arraes, no auge dos seus 80 anos até o local para o encerramento do circuito era um desafio dado como insuperável em função do ambiente desassociado dos protocolos oficiais. A soma de praia, o Portal de Maracaípe, o surf e o manguebeat era literalmente vista como um cenário natural de sexo, drogas e rock and roll a céu aberto.
Consultado, o cerimonial do Palácio foi contra a presença de Arraes no local. A Casa Militar, por sua vez, diagnosticou “valores de riscos de insegurança”. O próprio governador ponderou que “não cabia dar ar solene a algo de caráter informal e irreverente”.
O placar virou favorável a ida de Arraes com o apoio de Jair Pereira, Vanja Campos (então chefe de gabinete) e de Eduardo Campos que, junto com o cerimonial e a Casa Militar, eram, na prática, os agentes principais que auxiliavam na definição de sua agenda governamental.
Arraes decidiu ir. Mas tomou algumas precauções. Dispensou seguranças, o apoio da Casa Militar, usou trajes mais informais e levou consigo na comitiva oficial apenas o motorista, o ajudante de ordem, Eduardo Campos e Jair Pereira. Pedro Mendes fez o trabalho de precursor para sentir o ambiente.
A comitiva fez uma parada técnica na vizinhança, em Porto de Galinhas, para uma última avaliação dos riscos da recepção do público no evento. Havia receio de sonoras vaias à presença de autoridades políticas naquele modelo de encontro. Qualquer movimento neste sentido, de exposição pública, negativo, no início da gestão, representaria cabeças sendo cortadas.
Até chegar ao palanque armado na beira-mar, a tensão foi aumentando. Da janela do carro oficial, um Chevrolet Ômega, Arraes olhava meio desconfiado os transeuntes de todos os gêneros trafegando livremente com seus corpos seminus, cervejas e cigarros (legais e não legais) em punhos, num clima de descontração que ele próprio confessou nunca vivenciado antes.
E, como que incrédulo e surpreso ao mesmo tempo de estar ali naquela aventura inédita para ele, sussurrou para um paralisado Jair Pereira: “Ai, ai!”.
Ao descer do carro, recepcionado pela produção do evento, Arraes pediu para não ser anunciado antes de sentir a atmosfera da plateia, coisa que ele aprendeu a dominar como poucos. Subiu as escadas do palanque e se posicionou ao fundo para não ser totalmente visto pelo público que lotava a praia para assistir, não ao governador, mas ao anúncio dos vencedores do torneio.
Eduardo, Pereira e Mendes se desdobravam num esforço descomunal para distraí-lo. Nada. E a tensão só aumentava. Foi quando a produção chegou e deu uma espécie de ultimato: ou a gente anuncia a presença dele agora ou vai ser impossível segurar essa multidão exposta ao sol por mais tempo.
Arraes franziu a testa e perguntou aos assessores pela última vez, ainda sob o sentimento da dúvida: “E aí?”. Eduardo, no seu estilo espirituoso, se antecipou aos demais e provocou: “Deixa anunciar doutor Arraes. Se der errado, Jair Pereira e Pedro Mendes já pegam uma dessas vans de aluguel que tem por aqui e já voltam para casa desempregados”.
Arraes e o entorno não se contiveram e caíram na maior risada. Mas o governador, que não deixava provocações bem-humoradas sem respostas também à altura, emendou: “Se esse é o seu motivo para se livrar dos dois, eu apoio doutor Eduardo” (outra sonora gargalhada de todos).
E assim foi feito. O locutor anunciou oficialmente a presença de Arraes, a multidão reagiu com as mãos fazendo o símbolo hang loose e aos gritos de “Uh! Uh!” insistentemente. Ao que o governador primeiro interpretou como vaias, mas que todos logo trataram de corrigir e dizer a ele que eram gestos de saudações carinhosas.
Aí Arraes se sentiu em casa. Foi para a frente do palco, abriu sua caixa de charutos cubanos da marca Cohiba Lanceros (presenteados pelo próprio líder cubano e amigo Fidel Castro), sapecou um, usou o isqueiro de bolso, acendeu, tragou, prendeu a respiração por alguns segundos e soltou uma baforada incessante para o delírio, um êxtase da plateia que passou a gritar uníssona: “Arraes, libera a Maria Joana”.
E ele ali, só a observar. Aparentemente não entendendo absolutamente nada, chamou Jair Pereira e questionou: “Fiz algo de errado? Quem é essa Maria Joana?”. Ao que o secretário de Imprensa confidenciou em seu ouvido: “Não doutor Arraes. Na verdade, as pessoas estão é vibrando com o tamanho do seu charuto. E se divertindo, comparando que o senhor está fumando o que eles associam como uma “tora de maconha. E eles estão gritando é libera a Maria Juana, que é uma gíria para designar a liberação da maconha”.
Ao que o governador reagiu: “Ah, é?. Então, está resolvido. Vivendo e aprendendo”, disse, rindo.
Dali em adiante, o terceiro Governo Arraes foi reconhecido por artistas e desportistas, sobretudo surfistas, como a gestão que mais promoveu interação com esses segmentos até hoje. E o responsável por esse ambiente de interação tem nome e DNA: Pedro José Mendes Filho, saudoso militante de causas nobres.
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