“A proposta é gradual e leva em conta o crescimento da economia. À medida que o País volta a crescer, aumenta a receita, e, portanto, ele faz o plano, como fez em 2003, de gradativamente fazer essa recuperação (salarial)”, disse ao Estadão o ex-governador do Piauí, Wellington Dias, um dos interlocutores do ex-presidente na área econômica.
Segundo Dias, essa estratégia de recuperação gradual também deve ser usada para os reajustes do salário mínimo e da faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
A última vez que o salário mínimo teve ganho real (ou seja, acima da inflação) foi no início de 2019, primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro, quando ele assinou um decreto atualizando o valor do piso de acordo com a política de valorização aprovada no governo Dilma Rousseff (PT) e válida de 2016 a 2019. Já a última correção na isenção da tabela do IR (hoje, em R$ 1,9 mil) foi feita em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff. Como mostrou o Estadão, se a tabela não for corrigida, em 2023 os brasileiros que ganham 1,5 salário mínimo (R$ 1.941) vão ter os salários “mordidos” pelo Leão.
De acordo com o ex-governador, Lula disse querer discutir a reforma administrativa com os três Poderes e quer a participação dos empresários e trabalhadores. A promessa de fazer as reformas administrativa e tributária foi feita por Lula durante sabatina na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Até então, a reforma administrativa não constava nas prioridades. A demanda partiu, sobretudo, dos empresários, pois representa o enxugamento dos gastos da máquina pública.
O presidente Jair Bolsonaro chegou a enviar uma proposta de reforma administrativa, com mudanças na forma como os servidores públicos são contratados, promovidos e demitidos para o Congresso em setembro de 2020, mas não trabalhou pela aprovação do texto.
Procurados, os candidatos Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) não responderam até a conclusão desta edição.
Conselho
O conselho que a equipe de Lula quer recriar seria nos moldes do antigo conselho de desenvolvimento econômico e social criado por Lula, em 2003, durante o seu primeiro mandato. “O Lula reconhece que houve uma quebra da regra do teto e há necessidade de ter um texto, uma definição do que é o teto, que seja para todos, do Judiciário, da procuradoria, sem os penduricalhos”, disse Dias.
Na sua avaliação, de um lado, é preciso reconhecer que há uma defasagem, um congelamento de salários, que ficaram sem reajuste, mas as últimas modificações recentes, seja por interpretação judicial ou modificação da Constituição, deixaram o Brasil sem ter um teto unificado para a remuneração do servidor. “Isso coloca uma distância entre os salários”, ressaltou.
O ex-governador, que é candidato ao Senado, alertou para os riscos de mudanças nos pisos salariais sem compromisso com a definição da receita que vai bancar o novo gasto.
“Estamos vendo a crise em torno dos enfermeiros. É uma coisa boa, mas como não definiu quem vai pagar a conta, caiu nas costas dos municípios e dos Estados num momento em que estão sendo retiradas receitas de ICMS”, afirmou.
No passado, quando era governo, o PT fez negociações para distribuir os reajustes e a reestruturação de cargos ao longo de vários anos. O tema é muito espinhoso porque as corporações de servidores têm muita força dentro do partido, segundo admitem economistas do partido.
Não há detalhamento da proposta e só se espera uma discussão mais ampla se Lula for eleito. Nas eleições de 2018, o ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, propôs a criação de uma espécie de conselho de RH que tivesse participação da sociedade.
Nos moldes do que existe nos Estados Unidos, esse conselho analisa os salários dos setores privado e público e recomenda os reajustes para as carreiras com um redutor em relação ao que é praticado na inciativa privada.
No último estudo que publicou sobre salários do funcionalismo, em 2019, o Banco Mundial chegou ao cálculo de que os servidores públicos federais ganham no Brasil em média quase o dobro (96%) dos trabalhadores que exercem função semelhante nas empresas do setor privado. O chamado “prêmio salarial” do funcionalismo do governo federal é o mais alto numa amostra de 53 países pesquisados pelo Banco Mundial (Bird).
Nos Estados Unidos, dois comitês do Executivo analisam e preparam a proposta de reajuste para avaliação pelo presidente da República, antes do envio do Orçamento ao Congresso. Um deles é formado por especialistas em administração pública e membros de sindicatos de servidores e analisa a evolução dos salários nos setores público e privado e recomenda ajustes nas tabelas dos servidores.
Outro comitê é formado pelos secretários do Trabalho, Orçamento e Pessoal, que avalia a proposta do comitê e submete sua recomendação ao presidente. Há 18 etapas do processo de reajuste de servidores nos EUA.
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