Capítulo 11
Nos oito anos em que foi vice de Fernando Henrique Cardoso, Marco Maciel ocupou a Presidência da República, interinamente, por 87 vezes. Em média, governou o País por um dia a cada semana que Fernando Henrique Cardoso esteve na Presidência, entre 1995 e 2002, devido às viagens do titular. Marco Maciel não despachava no Palácio do Planalto, mas em seu gabinete, no subsolo do Palácio do Planalto.
“O vice deve ser discreto, mas não pode ser omisso”, repetia, sempre quando obrigado a falar com jornalistas. Começava a rotina com a leitura de seis jornais, que recortava e rabiscava, e partia para suas articulações políticas. Chegava em casa tarde da noite. Discreto, não sentava na cadeira do presidente para, literal e figurativamente, não fazer sombra ao titular.
Leia maisEm apenas duas ocasiões chegou perto disso, ambas para cumprir obrigações burocráticas no Salão Nobre, contíguo ao gabinete presidencial. A primeira, por insistência de Sérgio Motta. O então ministro das Comunicações quase o intimou a deixar o amplo gabinete de 80 metros quadrados, no subsolo do Palácio do Planalto, para participar da solenidade de lançamento de um satélite.
De outra feita, Marco Maciel subiu ao Salão Nobre para marcar presença na cerimônia de concessão a grupos estrangeiros do setor ferroviário Leste. Entre as funções normais do vice, uma merece dedicação com especial afinco. Maciel não media esforços para ver realizada a reforma política. Falava de um conjunto de ideias que discutia frequentemente com parlamentares, inclusive, os do PT.
Queria estender à opinião pública a responsabilidade de decidir temas polêmicos, ao sugerir a implantação de um plebiscito via internet. “Maciel era o vice dos sonhos. Viajava e não tinha a menor preocupação, porque ele era correto. E mais do que correto, minucioso, quase carinhoso. Muitas vezes me trazia algo para ler e marcava em amarelo para poupar o meu tempo. Ele era leal”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em depoimento ao documentário Marco Maciel – A Política do Diálogo, realizado pela TV Câmara, em 2016.
Fernando Henrique Cardoso e Marco Maciel passaram grande parte da vida em partidos de lados opostos. Maciel foi um tradicional quadro de siglas da direita – como Arena, PDS e o PFL – e Fernando Henrique era considerado de esquerda até se tornar presidente da República, quando assumiu um perfil de centro-direita. As posições religiosas também eram diversas: Marco Maciel era muito católico e FHC agnóstico.
“Ponderado, tinha horror à crença ideológica cega e também à arrogância da razão. Homem de princípios, não desdenhava das orientações alheias. Construtivo na vida pública, derrubava barreiras, não construía muros que impedissem o diálogo”, afirmou Fernando Henrique, referindo-se a Marco Maciel num texto intitulado Fé e Razão, uma das apresentações da biografia Marco Maciel – Um Artífice do Entendimento, de autoria do jornalista Angelo Castelo Branco.
“A colaboração de Marco Maciel para o andamento das questões legislativas durante meu governo foi fundamental. Suas marcas na Lei de Arbitragem são indeléveis. Seus esforços para que se reconhecesse a função dos que faziam lobbies, sem que o fizessem ocultamente, são conhecidas”, acrescentou FHC.
Sua importância para o governo tucano ficou evidente pela quantidade de menções a ele no livro que FHC escreveu revelando bastidores da sua gestão.
Maciel aparece 122 vezes nas mais de 900 páginas. O então presidente o qualificava como “coordenador político” do governo no Congresso e não era incomum a romaria de parlamentares ao gabinete do vice. Nos oito anos de FHC, Maciel apagou muitos incêndios. Num deles, ajudou a conter os ímpetos do então senador Antônio Carlos Magalhães, que agia com eventual rebeldia no Congresso, e a conter crises como o escândalo da Pasta Rosa, sobre financiamento ilegal de campanha de aliados. Durante o regime militar, foi um entusiasta da volta à democracia.
Ainda lembrando da sua gestão, Fernando Henrique revelou que Marco Maciel, embora atento às questões nacionais, não descuidava “especialmente das coisas de seu amado Pernambuco”, sendo “inúmeras as vezes em que reivindicou uma estrada importante ou, sobretudo, a continuação do Porto de Suape”. Marco Maciel presidiu o Brasil 29 dias a mais do que o presidente Jânio Quadros, que renunciou em agosto de 1961.
Nunca causou um só constrangimento a Fernando Henrique Cardoso. Num dia como presidente interino, depois de assinar calhamaços de medidas provisórias e conversar com dezenas de parlamentares, Maciel despachou rapidamente com FHC, recém-chegado de uma viagem ao continente europeu.
“Como foi a viagem?”, perguntou a FHC. “Aqui, ficou tudo tranquilo”, comentou em seguida. Raramente, a rotina tranquila e discreta de Marco Maciel no exercício do poder foi quebrada. Uma das exceções ocorreu em junho de 1997. Coube ao presidente em exercício tomar a decisão de colocar o Exército nas ruas de Belo Horizonte para sufocar uma invasão dos policiais militares grevistas ao Palácio da Liberdade.
O confronto terminou com um morto. “Nessa hora, a decisão de um governante tem de ser solitária”, disse, na época. Em outro episódio, Marco Maciel avisou ao seu superior, em viagem à Espanha, da morte do deputado Luís Eduardo Magalhães, em 1998. Numa outra ocasião, no exercício da Presidência da República, esteve em Pernambuco para uma visita ao estádio do Arruda, batizado com o nome do seu pai José do Rego Maciel.
Como a visita era protocolar e já estava prevista na agenda, além do conhecimento público, os seguranças da Presidência da República agiam duro, revistando todas as pessoas que adentravam ao estádio. “Quando percebeu, Maciel chamou imediatamente o comandante e mandou que suspendesse todo e qualquer ato de revistar, com o seguinte comentário: “Comandante, aqui é a minha casa. Foi aplaudido, mas seguiu com simplicidade o seu caminhar”, relembra o professor Roberto Pereira, que estava no Arrudão e presenciou a cena.
Embora tenha sido autor de três livros e escrevesse artigos com frequência para jornais e revistas, Marco Maciel nunca se rendeu aos tempos modernos do mundo virtual. Nunca escreveu um discurso num computador, talvez porque jamais usou uma máquina de escrever com este propósito. Maciel era um árduo defensor do papel e da caneta. “Sou da grafosfera, não sou da videosfera. Por sorte, abandonei a caneta tinteiro e adotei a esferográfica. Já é um avanço”, dizia, em tom de brincadeira.
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