Corri hoje meus 8 km em Afogados da Ingazeira, minha terra natal, no Sertão do Pajeú, a 386 km do Recife. O correr na cidade onde a janela do mundo é aberta dá uma sensação nostálgica, porque se mergulha nas origens, o coração se enche de alegria e os olhos de lágrimas.
Corro e revejo lugares antigos, onde outrora a vida sorria e a alegria era contagiante. Encontro velhas paisagens. Saio do hotel Brotas e logo me deparo com uma imagem triste e lamentável: a barragem infestada de baronesas. De um canto a outro, não se enxerga água. Já li que baronesa é uma plantinha atraída em áreas extremamente poluídas.
Leia maisAs águas da barragem de Brotas estão poluídas. No percurso, passo pela casa dos meus pais Gastão e Margarida, que curiam meus passos lá do céu. Dá um nó no coração! Saudade com força, maltrata. À noite, com as cadeiras na calçada sob o clarão da lua, a casa dos meus pais virava o Senadinho, de tanta prosa política. E a orelha da vizinha também queimava.

Mais adiante, outra paisagem, também dolorida, uma facada no coração: o velho e saudoso prédio dos Correios e Telégrafos. Foi nele que senti o estalo para o jornalismo. Meu pai era servidor federal da ECT. Dava um duro danado. Escrevia até cartas para os matutos iletrados, como Dora, interpretada por Fernanda Montenegro, no filme Central do Brasil.
Garoto de calças curtas, prestava atenção a tudo. Aprendi a registrar cartas, passar e receber telegramas. Vibrava com tudo aquilo, o primeiro meio de comunicação que vivenciei. Foi paixão avassaladora, que mais tarde me levou ao jornalismo.

Na descida, encontro, como toda festa de fim de ano, a cidade enfeitada de luzes e com o tradicional parque de diversões. Muito forte, a imagem do carrossel me faz chorar. Uma brincadeira sadia de criança que o tempo e a distância não conseguem apagar. Eu adorava ficar rodando feito barata tonta em cima do cavalinho. A saudade chega nas asas do vento. A do carrossel, traz nuances de um lindo passado.
Na corrida nostálgica, o vento, símbolo da liberdade, bate no rosto, mesmo diante do sol escaldante. As ruas da minha terra com as suas esquinas e sua poesia parecem entender o momento e se enchem de amor nos pequenos detalhes. É a alegria presente em tudo, vestida de cores para o doce regresso.
Também revejo velhos amigos. Abraçá-los é relembrar momentos de paz e de intensa felicidade. A volta ao berço natal me inspira. Cada passo é como se os pés pisassem um solo sagrado. Às vezes, uma pequena flor se transforma num lindo objeto. Um pássaro que passa voando parece dizer com sua beleza que em cada recanto desta terra se respira amor e liberdade.
Tudo tem um significado maior e uma atração quase irresistível. Seco e calmo, o rio Pajeú evoca momentos de intenso prazer quando na infância tomava o inevitável banho e realizava as peripécias da adolescência. É o passado que reaparece e deixa no meu peito as suas marcas.
Tudo isso me transporta ao poema Confidência do itabirano. Nele, Carlos Drummond de Andrade faz uma declaração de amor a sua Itabira. “A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes”, disse ele, acrescentando: “E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana”.
E complementa: “De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil; este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa… Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!”
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