Por Josias de Souza
Do UOL
Mal comparando, o julgamento de Bolsonaro e dos sete cúmplices que compõem o “núcleo crucial” do complô do golpe se assemelha ao epílogo de um filme trágico. O enredo é conhecido. Relata a história de uma embarcação temerária, uma tripulação alienada e uma imensa pedra de gelo. Tudo muito parecido com Titanic.
Ninguém ignora o final. Mas Tarcísio de Freitas voltou a torturar a realidade numa entrevista ao Diário do Grande ABC. Repetiu que, se fosse eleito presidente da República, seu “primeiro ato” seria a assinatura de um indulto a Bolsonaro. Afirmou que “tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado.”
Leia maisA criatura trata o criador como maestro de um transatlântico a caminho das profundezas. Vestindo o figurino de músico de uma orquestra precária, Tarcísio ajusta seu discurso às conveniências de Bolsonaro. Não ignora que o julgamento do Supremo é um iceberg. Mas desliza pelo convés de costas para 61% dos eleitores que disseram ao Datafolha que não votariam em candidato que prometesse livrar Bolsonaro de suas culpas.
Com a água invadindo o seu trombone, os tubarões entrando pelas escotilhas, as caldeiras explodindo, Tarcísio ainda responde à batuta de Bolsonaro sem hesitação. Fala como se atribuísse o desnível acentuado do assoalho do transatlântico do golpe à má qualidade do champanhe servido pelos magistrados da Primeira Turma do Supremo.
Tarcísio disse não acreditar na consistência dos “elementos” reunidos no processo que conduz Bolsonaro à condenação. Acrescentou: “Infelizmente, hoje, eu não posso falar que confio na Justiça, por tudo que a gente tem visto.” Com seus acordes desafinados, o governador paulista dá de ombros para os fatos.
Tratado como quindim do centrão para a sucessão de 2026, Tarcísio ignora a delação de Mauro Cid e tudo o que veio depois dela — do testemunho de dois comandantes militares que se recusaram a avalizar a minuta do golpe ao plano confesso para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes que a PF recolheu no computador de um general palaciano.
A conjuntura já ofereceu muitas oportunidades para o desembarque de Tarcísio. Mas o governador, com os olhos vidrados no que restou do espólio do maestro da ultradireita, demora a perceber que há um déficit de botes salva-vidas no Titanic. Político que não ambiciona o poder vira alvo. Mas quem só ambiciona o poder tende a errar o alvo.
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