Por Geraldo Eugenio*
Falar em cactos é fazer lembrar as regiões áridas e semiáridas do mundo. Os de maior idade lembram dos filmes de cowboy rodados no sul dos Estados Unidos, quando índios, bandidos e mocinhos andavam nas áreas secas da Califórnia, Novo México, Arizona e Texas em paisagens povoadas de plantas plenas de espinhos.
Aqueles que acompanharam as peripécias de Pica-Pau também ao verem o famoso cavalo Pé-de-Pano, com seu dono desprovido de qualquer traço de caráter, cavalgar por trilhas plenas de plantas de cactos assemelhados ao mandacaru e xique-xique.
Leia maisEntre nós, idem, os cactos simbolizam um nordeste pobre, dependente de chuvas, propenso às secas. Dentre as plantas da família Cactácea, dois gêneros se destacam por seu uso econômico. O primeiro é o Opuntia, no qual está classificada a palma conhecida como Orelha de elefante mexicana. Esta espécie faz parte da história dos povos pré-Aztecas, Maias e Incas. Para o México a palma é tão importante que em sua bandeira está a águia devorando uma serpente sobre um pé de palma do gênero Opuntia. Neste país o uso principal da palma, conhecida como Nopal é na alimentação humana. Seja como salada, frita, processada, o fato é que são milhares de hectares cultivados como alimento humano.
Uma segunda espécie, do gênero Nopalea, o que demonstra claramente de onde vem, também conhecida como palma miúda ou doce, tem seu cultivo diretamente ligado à produção animal no Agreste de Pernambuco, de Alagoas e da Paraíba, sendo um dos principais suportes forrageiros para a pecuária de leite.
O interessante é que dois titãs da indústria nordestina, os empresários Arthur Lundgren e Delmiro Gouveia, ambos notabilizados como pioneiros na indústria têxtil, em seus passatempos como pecuaristas vislumbraram na palma forrageira uma opção estratégica para o semiárido e nos anos vinte do século passado, isto é, há cem anos, em iniciativas distintas promoveram importações de palma forrageira da Califórnia visando o cultivo como forrageira. Não há registro de que as coleções foram aproveitadas de forma sistemática, mas não deixa de ser algo louvável a visão desses dois homens.
Não é clara a conexão com Arthur Lundgren e Delmiro, mas o fato é que desde os anos 30 do século passado campanhas de promoção de cultivo da palma forrageira foram adotadas pelo governo de Pernambuco. Neste primeiro momento, a palma era considerada como espécie para salvação do rebanho nas épocas de secas intensas e, portanto, deveria ser cultivada nas áreas menos férteis e mais pedregosas das propriedades, o que a tornava algo próximo do extrativismo. O interessante é que, apesar da relativa pouca importância, o Instituto Agronômico de Pernambuco foi pioneiro em organizar uma agenda de pesquisa e desenvolvimento tecnológico com a palma, constando em seus acervos trabalhos publicados de forma contínua desde 1957.
Um fato considerado marcante na história do cultivo da palma forrageira se deu em 1995, quando o deputado federal por Pernambuco, Ricardo Fiúza, voltando de uma viagem ao México procurou o governador Miguel Arraes de Alencar para expressar seu entusiasmo com o cultivo adensado da palma forrageira e instigando o governador Arraes a solicitar do IPA que começasse a adotar o adensamento da cultura em seus experimentos, inclusive informando que ele havia tomado a decisão de utilizar deste método em sua fazenda no município de Custódia. O governador, um pouco cético sobre o relato de Fiúza, pediu ao IPA para que colocasse em campo alguns experimentos com este tal de adensamento, deixando claro que, se metade do que o deputado Fiúza lhe passou fosse verdade, havia uma revolução em curso para a pecuária nordestina. Não sem pouco questionamento, já quem seria Fiúza para sugerir uma agenda de pesquisa para um grupo que trabalhava com o cultivo da palma há décadas, aceitaram conduzir uma série de experimentos nas estações experimentais de Caruaru, Arcoverde, São Bento do Una, Sertânia e Serra Talhada. O fato é que o sucesso foi tal que mudou radicalmente a forma de cultivo da palma no Nordeste.
A natureza é sábia. Enquanto o monocultivo certamente traria ganhos de produtividade, os insetos que para a palma seriam pragas festejaram o banquete que lhes haviam preparado. Um deles, a cochonilha do carmim, um inseto sugador com uma carapaça branca aveludada, mundialmente conhecido pela produção do corante carmim, usado na coloração de tecidos aproveitou-se e, contando com a ganância de produtores que achavam que na produção do carmim estaria a salvação da lavoura, multiplicou-se nos plantios de forma tão assustadora que em questão de dois anos havia dizimado quase toda a palma gigante cultivada na Paraíba e Pernambuco.
A sucumbência da palma do gênero Opuntia promoveu uma corrida louca por se identificar uma forma de combate a praga. Testou-se de tudo quanto era possível em termos de inseticidas, óleos minerais, detergentes, mas todos os métodos se apresentavam pouco eficazes e de difícil adoção. Foi aí que uma equipe do IPA liderada pelo pesquisador Djalma Cordeiro dos Santos soube que em uma propriedade no estado da Bahia um produtor contava com uma palma que não era atacada pela cochonilha do carmim. Palma esta que foi denominada Orelha de elefante mexicana. Provavelmente fruto das introduções primeiras ou do trabalho de pesquisadores da Embrapa Semiárido que nos oitenta haviam fornecido uma coleção de genótipos de palma com aproximadamente vinte acessos, dentre esses um conhecido como Orelha de elefante mexicana.
Este genótipo que também pode ser identificado como um clone ou uma variedade rapidamente foi adotada e em pouco tempo os governos estaduais iniciavam uma ampla campanha de difusão desse material, retomando-se o cultivo da palma na devida intensidade. O fato é que logo após a descoberta de um tipo resistente à praga e a sua difusão entre os produtores, o Nordeste foi submetido a uma seca que durou entre 2012 e 2018. Considerando o histórico de secas, seria uma catástrofe, mas por incrível que pareça a presença da palma forrageira fez com que na maioria dos estados nordestinos não houvesse redução da produção leiteira e, em alguns, a exemplo do Ceará, até um acréscimo durante este período.
Este relato é base para o relato sobre uma visita realizada esta semana à Estação Experimental do IPA, em Araripina, onde dois experimentos estão sendo conduzidos para ver como se adapta os novos genótipos de palma forrageira em diferentes regiões do estado, provenientes do programa de melhoramento genético liderado pelo pesquisador Djalma Cordeiro dos Santos, do IPA de Arcoverde que tem contado com a estreita colaboração do Programa de Melhoramento Genético Vegetal da UFRPE-UAST, de Serra Talhada.
Pode parecer pedantismo, mas sem sombra de dúvida o programa ao qual me refiro é o mais importante projeto de pesquisa para o semiárido dependente de chuvas no país. Ele demonstra maturidade, qualidade, visão estratégica, sendo a ponte entre o passado e o futuro da pecuária regional.
*Professor titular da UFRPE-UAST em Serra Talhada
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