Por Eduardo Cunha*
Para o Poder 360
Tratamos no artigo anterior, às vésperas do 2º turno, em 27 de outubro, do saldo para as eleições de 2026.
Praticamente todas as previsões de pesquisas se confirmaram desta vez, diferentemente do 1º turno e de eleições anteriores. Só a disputa em Fortaleza (CE) foi acirrada. PT e PL se enfrentaram diretamente, mas terminou na vitória do Partido dos Trabalhadores, com Evandro Leitão eleito. Foi a única capital que o partido conseguiu eleger prefeito.
O resultado consolidou a fragorosa derrota do PT, mas também confirmou o conceito que Pablo Marçal (PRTB), derrotado em São Paulo no 1º turno, embutiu: de que o bolsonarismo não tem dono.
Leia maisEsse conceito mostra que a direita, vocalizada a partir da vitória de Jair Bolsonaro (PL) em 2018, pertence a quem defender as teses vitoriosas, mesmo que não tenham o apoio do ex-presidente.
É claro que Bolsonaro por si só continua muito forte e, se puder ser o candidato, ou até mesmo indicar alguém com o mesmo perfil, poderá levar todos os seus votos. Mas se não for o candidato ou simplesmente apoiar alguém, talvez colha a derrota em 2026.
O resultado desta eleição tem impacto limitado na corrida presidencial em 2026. Mas, se os políticos compreenderem as razões dos votos em 2024, poderão tomar boas decisões sobre as candidaturas de 2026. Isso sim poderá influenciar no futuro do voto do eleitorado de direita, e do centro pendular, que vota pela rejeição a um candidato, e não por opção.
O 2º turno trouxe algo importante, que não estava presente na eleição municipal anterior: a vitória de governadores nas eleições de capitais. Com exceção do importante Estado de Minas Gerais, governado por Romeu Zema (Novo-MG), que deu apoio protocolar ao candidato, derrotado em 2º turno. Nas demais capitais, houve significativas vitórias dos governadores em 2º turno, destacando-se São Paulo (SP), Goiânia (GO) e Fortaleza (CE).
Nesse quesito, aliás, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), foi o grande vitorioso. Acumulou não só a capital, mas a maioria das importantes cidades do Estado de São Paulo. Só que no caso de Tarcísio essas vitórias, em vez de aumentarem seu brilho, vão lhe prejudicar na articulação política, cada dia mais clara, de tentar suceder a Bolsonaro. Isso porque, ao bancar o apoio ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), Tarcísio se indispôs com a maioria do eleitorado de Bolsonaro, que preferia Marçal.
Outro ponto, não menos importante, foi que o governador sinalizou mal para a política ao permitir o arrastão de Gilberto Kassab, secretário do governo e presidente do PSD, em cidades paulistas. Isso fortaleceu o PSD em detrimento de PL, Republicanos e PP. Não à toa, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira, cobrou publicamente essa posição logo depois da eleição.
Também não foi à toa o fracasso da tentativa de Kassab de eleger o próximo presidente da Câmara, pois nenhum partido deixaria concentrar mais poder na mão do político. Além disso, ele certamente iria negociar para estar em alguma chapa majoritária, seja como candidato a vice de Lula ou de Tarcísio.
No caso da presidência da Câmara, Kassab vislumbrou a dificuldade de que o candidato favorito de Arthur Lira (PP-AL), naquele momento Elmar Nascimento (União Brasil-BA), emplacasse com o apoio do PT. Sonhando que existiria um confronto em que ele seria o salvador do governo, impondo uma derrota ao alagoano.
Como ele se recusou a apoiar Marcos Pereira (Republicanos-SP), pois sabia que sem o apoio do Republicanos, o deputado não se viabilizaria, Pereira em um gesto de sabedoria política renunciou à sua candidatura. Abriu o caminho para Hugo Motta (Republicanos-PB) que obteve o apoio de Lira e praticamente consolidou a vitória. Kassab ficou isolado, perdeu a chance de ser relevante neste cenário e nas eleições de 2026.
Para compreender o jogo político do experiente Kassab, é importante relembrar sua história. Ele herdou a Prefeitura de São Paulo de José Serra (PSDB), de quem era vice em 2006, porque o tucano havia se ausentado para disputar o governo de São Paulo. Kassab conseguiu se reeleger em 2008, assim como Ricardo Nunes.
Kassab então, com a ajuda da importante máquina pública, construiu o seu atual partido, o PSD, criando uma dissidência do seu então partido, o PFL, hoje União Brasil, em decorrência de uma fusão com o antigo partido de Bolsonaro, o PSL. Kassab obteve a ajuda de toda a classe política nessa empreitada, ávida para isolar o radicalismo da então direção do PFL, que fazia o barulho que os atuais radicais de direita fazem.
Só que depois desse sucesso na criação do PSD, em que Kassab dizia que seria um partido que não seria nem de esquerda, nem de direita e nem de centro, Kassab resolveu em 2015, tentar criar um partido, em associação com o governo do PT dos “ gênios” da articulação política de Dilma, para se aproveitar da legislação sobre fidelidade partidária, atraindo quadros, principalmente do então PMDB, visando a uma fusão com o seu PSD, o tornando o maior partido do país.
Na época, seria o novo PL, já que o PL de Valdemar Costa Neto e hoje de Bolsonaro, havia trocado o seu nome para PR, retomando só mais tarde o nome PL, depois do fracasso de Kassab.
Só que para promover o fracasso dessa iniciativa, eu, como presidente da Câmara, promovi uma alteração na legislação dos partidos políticos, criando um prazo de 5 anos de existência do partido para se habilitar a uma fusão, acabando com o sonho de Kassab e do governo Dilma de tentar pôr fim ao PMDB.
Essa situação inclusive contribuiu muito para o acirramento do então PMDB contra o governo Dilma, sendo uma das variáveis que acabaram desembocando no processo de impeachment, não obstante o próprio Kassab ter abandonado o PT, tendo aderido ao impeachment e participado do governo de Michel Temer.
Talvez a inexperiência política do governador de São Paulo ou até mesmo a falta de conhecimento de história, o tenham levado ao erro de fortalecer Kassab e o seu partido. Mas o poder que Tarcísio deu a Kassab, lhe custará uma fatura a ser paga, que pode ser inclusive a dificuldade de obtenção de apoio para a sua pretensão de suceder a Lula, mesmo que seja o escolhido de Bolsonaro como seu sucessor na candidatura, coisa que sinceramente não acredito.
Também será decisiva para as eleições de 2026, a decisão de Bolsonaro de priorizar o embate ideológico nas eleições do Senado, onde 2/3 das cadeiras estarão em disputa, podendo definir uma maioria confortável, para a discussão de impeachment de ministros do STF.
O acirramento da situação, envolvendo a atuação do ministro Alexandre de Moraes, levará a esse confronto, que pode até não acabar em impeachment algum, mas acabará em um confronto nas urnas, onde Bolsonaro sairá vencedor com relativa facilidade, elegendo em muitos Estados, principalmente do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, as duas cadeiras em disputa em cada Estado.
Quanto mais colocarem Bolsonaro envolvido em processos no STF, como parece ser essa a vontade atual, mais combustível darão para esse confronto, fazendo com que eleja ainda mais senadores.
Mesmo que não se consiga chegar a um difícil impeachment, não haverá um nome indicado para uma vaga do STF por um governo do PT, a partir de 2027, que será aprovado pelo Senado, caso se obtenha uma difícil reeleição de Lula, ou a eleição de algum outro quadro, caso Lula decida não disputar a reeleição.
Aliás, eu tratei do destino de Lula atrelado ao de Biden, além da influência das eleições americanas, nos artigos: “A dependência de Lula do que vai ocorrer com Biden”, e “A saída de Biden e o destino das eleições”.
Lula ainda sofrerá contestações pela idade, que estará na sua possível tentativa de reeleição, estando com 81 anos em 2026, mesma idade de Biden hoje, sendo que terminaria esse possível 4º mandato com 85 anos, idade já elevada para suportar a pressão do exercício de um cargo, por demais desgastante fisicamente e mentalmente.
Recentemente, sofreu um acidente doméstico, perigoso nessa idade, que ainda está sendo superado, mas isso não seria impeditivo para mostrar que perdeu a condição de disputar a reeleição.
Ocorre que além de nessa idade as coisas poderem caminhar no estilo Biden com muita rapidez, tem ainda o fator de o próprio Lula não querer se arriscar a ir para a história como derrotado, depois de superar as dificuldades, saído da prisão e recuperado a Presidência da República.
Se depois de tudo que passou, Lula verificar que poderá perder a eleição, talvez prefira lançar alguém, provavelmente Haddad, com um vice forte da política, nesse caso o governador do Pará, Helder Barbalho, do MDB, para tentar fugir da polarização em uma aliança política mais ao centro, visando a conseguir manter com o seu partido o poder. Até nessa decisão de Lula, a eleição norte-americana poderá influenciar, seja pela situação de Biden, seja pelas consequências do resultado.
A eleição norte-americana, que será realizada em 5 de novembro, será decisiva de qualquer forma para as nossas eleições de 2026. Eu diria que a eleição de amanhã será inclusive muito mais relevante do que a própria eleição municipal.
Amanhã, em eleições gerais, os norte-americanos vão escolher entre Kamala Harris e Donald Trump, além de escolherem a nova Câmara dos Deputados, com 435 deputados, 1/3 do Senado, 13 governos estaduais e 44 legislativos estaduais.
Se Trump e a direita vencerem, como parece que vencerão, a influência sobre as nossas eleições será enorme, pois Trump colocará o peso do seu cargo a favor da eleição de Bolsonaro, combatendo as decisões judiciais, podendo impor inclusive sanções ao Brasil pela situação atual, que na visão dele prejudicam empresas norte-americanas, como o X (ex-Twitter).
Trump irá atuar inclusive a favor da reversão da inelegibilidade de Bolsonaro, ou até mesmo reforçar o seu apoio a um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, que poderá concorrer à eleição representando Bolsonaro. Trump tem relações mais próximas com Eduardo, do que com o próprio Bolsonaro, tornando-o a partir de uma possível vitória, o favorito para suceder a Bolsonaro, embora o perfil de outro filho, o atual senador Flávio Bolsonaro, seja melhor para composição de alianças políticas, por ser mais moderado.
A vitória de Trump poderá acirrar ainda mais a polarização no Brasil, pois ela terá apoio internacional, mais forte do que tem hoje. Já se por acaso Kamala vencer a eleição, ficará claro para todos o acerto da decisão da saída de Biden, o que estimulará ainda mais uma alternativa a Lula dentro do seu próprio campo, para evitar a derrota, como Biden teria para Trump. Em resumo, a eleição estadunidense de amanhã, com qualquer resultado, não será boa para Lula, disso não tenho a menor dúvida.
Com todo esse cenário já conhecido, vamos aguardar o desfecho de amanhã, em que todos acompanharão a decisão da escolha do cargo mais importante do mundo. Essa decisão terá impactos na vida de todos, já que hoje os conflitos mundiais, como a guerra da Ucrânia, assim como o combate ao terrorismo contra Israel, que pode se transformar em uma guerra complexa, terão os seus desfechos nas mãos de quem se eleger amanhã. Isso sem contar a própria economia mundial, que depende, e muito, dos Estados Unidos.
Existe uma grande diferença no combate aos imigrantes dos Estados Unidos, discurso de Trump, do combate, por exemplo, dos imigrantes pela direita europeia. Nos Estados Unidos, embora o discurso seja de preservação dos seus empregos, existe mais um sentimento de que para a maioria dos norte-americanos, o mundo se resume a eles mesmos, até porque a taxa de desemprego está em só 4,1%.
Já na Europa, existe, sim, uma preocupação com a manutenção do emprego, além da proximidade física de populações tendentes a migrações, parte delas vítimas de conflitos. Nos Estados Unidos, o problema de fronteira se resume mais ao México, onde Trump prega o seu muro.
Mas, de qualquer forma, esse combate à imigração afeta países mais pobres como o nosso, tendo repercussão sobre muitos brasileiros que emigraram ou que ainda pretendem emigrar. As eleições nos EUA discutem temas importantes, que também impactam a todos nós, além da imigração, inflação alta, impostos, aborto, dentre outros.
A imprensa norte-americana prefere Kamala, que faz a sua campanha pregando a salvação da democracia, como se alguém que busca o poder pelo voto popular, dentro da maior democracia do mundo, como Trump, tivesse a sua vitória como consagração contra a democracia.
Kamala tem muitas dificuldades de explicar o governo de Biden, de quem é vice, cuidava da fracassada política de combate a imigração, além de ser um governo que explodiu com a inflação. Dessa forma, a sua tarefa de vencer amanhã a eleição é uma tarefa árdua. Pode até ter sucesso, mas será como ocorreu aqui em 2022, muito mais pela rejeição do seu oponente do que pelas suas virtudes.
Dessa forma, o saldo das eleições para 2026 no Brasil, ainda precisa contabilizar o resultado norte-americano para ver como vai ficar.
*Eduardo Cunha é economista e ex-deputado federal. Foi presidente da Câmara em 2015-2016, quando esteve filiado ao MDB. Ficou preso preventivamente pela Lava Jato de 2016 a 2021. Em abril de 2021, sua prisão foi revogada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. É autor do livro “Tchau, querida, o diário do impeachment”.
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