A urgência leva o discussão da anistia diretamente para o plenário, sem a necessidade de aprovação em comissões, e representa um aceno da cúpula da Câmara para oposição bolsonarista. Líderes do centrão, no entanto, negociam para que seja aprovada somente uma proposta de redução de penas dos condenados pelos atos golpistas —enquanto isso, bolsonaristas querem uma anistia ampla, que inclua Bolsonaro.
A aprovação da urgência não significa adesão ao texto. Após a definição de um relator, todo o conteúdo da proposta pode ser alterado. Nesse sentido, a votação desta quarta inaugura um novo embate entre bolsonaristas, centrão e esquerda pelo teor da matéria.
A articulação para destravar o tema em plenário foi protagonizada por cardeais de partidos do centrão e ganhou tração com movimentações do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que viajou a Brasília para se reunir com autoridades e pressionar o presidente da Casa, seu correligionário.
O centrão quer Tarcísio como adversário de Lula nas eleições presidenciais de 2026 e busca, com a anistia, um gesto a Bolsonaro na expectativa de que ele abençoe a candidatura do governador.
Foram 311 votos favoráveis e 163 contrários (com 7 abstenções) à urgência do projeto proposto pelo deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), com apoio de partidos do centrão —eram necessários 257 para a aprovação. Agora, os parlamentares ainda devem analisar o mérito, ainda sem texto definido ou data estabelecida.
A aprovação da urgência pode levar a uma retaliação do governo Lula. Como a Folha mostrou, parlamentares foram alertados de que o Executivo poderia rever indicações de cargos na estrutura federal de quem apoiasse o texto.
Petistas disseram ainda que haveria uma suposta quebra de acordo dos partidos do centrão, e creditam essa postura ao incômodo com a posição do PT contra a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Blindagem, que dificulta que os parlamentares sejam processados criminalmente.
A avaliação entre aliados de Lula é que a aprovação de uma anistia representaria uma vitória para o governo Donald Trump, que iniciou uma ofensiva contra o país por criticar o julgamento de Bolsonaro.
Antes de iniciar a sessão, Motta disse que o Brasil precisa de pacificação e que caberia ao plenário decidir, diante de “visões distintas e interesses divergentes sobre os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023”.
Ele afirmou que, caso fosse aprovada a urgência, um relator seria nomeado para que a Câmara pudesse chegar, “o mais rápido possível”, a um texto substitutivo que encontrasse apoio da maioria da Casa.
“Tenho a plena convicção que a Câmara dos Deputados, na qualidade dos seus membros, terá a capacidade de construir essa solução, que busque a pacificação nacional, o respeito às instituições, o compromisso com a legalidade e levando em conta também as condições humanitárias das pessoas que estão envolvidas nesse assunto que estamos tratando”, discursou Motta.
Após o resultado da votação ser anunciado, o presidente da Câmara pediu a atenção de deputados do PT e do PL para o discurso que faria em seguida. Ele disse que a mensagem que guia a sua gestão à frente da Casa é que “o Brasil precisa de pacificação”. Motta afirmou que é no plenário que as “ideias se enfrentam, divergências se encontram e a democracia pulsa com a força total”.
O deputado disse ainda que não cabe a um presidente da Câmara “impor uma verdade, mas garantir que todas sejam ouvidas”. “Um presidente da Câmara não pode ser dono de teses, nem de verdades absolutas. Sempre que alguém se declarou dono da verdade, o país perdeu”, completou.
A votação foi criticada por parlamentares de esquerda, que fizeram coro de “sem anistia”, e celebrada por bolsonaristas, que falaram em dia histórico.
Líder do PT, Lindbergh Farias (RJ) disse que quem votasse a favor do requerimento estaria comprometendo a sua biografia. Ele também se dirigiu a Motta, lembrou o motim de bolsonaristas que inviabilizou o trabalho da Câmara após a prisão domiciliar de Bolsonaro e disse que “a turma que te desrespeitou, que não foi punida, está aí comemorando”.
“Os senhores ao votarem na anistia estão sendo cúmplices de um golpe de Estado continuado”, afirmou Lindbergh. “Não estão pacificando nada. Vocês estão abrindo caminho para a extrema direita atacar as instituições.”
Já o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), agradeceu a “retidão e o equilíbrio” de Motta, criticou a esquerda e falou em julgamento “injusto, político e que persegue opositores”.
Pesquisa do Datafolha realizada nos dia 8 e 9 de setembro mostrou que a maioria dos brasileiros é contra a aprovação de uma anistia para livrar Bolsonaro. Rejeitam a ideia 54%, ante 39% que a defendem.
Na manhã de terça (16), Motta já havia informado aos líderes partidários que levaria o tema à votação. Ele também avisou isso a integrantes do Palácio do Planalto e ao próprio presidente Lula, com quem almoçou na segunda-feira (15), e buscou autoridades em Brasília para tratar do tema, inclusive ministros do Supremo.
Motta também pediu aos líderes partidários para que contassem votos em suas bancadas antes de tomar a decisão. Como a anistia ampla tem oposição de boa parte do centrão e de toda a esquerda, o acordo entre o PL e o presidente da Casa foi o de votar a urgência de outro projeto que também trata de anistia, mas de forma mais restrita.
O texto de Crivella anistia, desde o dia 30 de outubro de 2022 até a publicação da lei, “todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas”.
Parlamentares do PL celebraram a iniciativa de votar a urgência, mas dizem que trabalharão para que seja aprovado um projeto que dê anistia ampla, geral e irrestrita, incluindo a Bolsonaro. Líderes do centrão afirmam que não há maioria para isso e argumentam que essa proposta acabaria barrada no Senado ou no STF, e seria vetada pelo presidente Lula.
O centrão articula uma proposta alternativa, de redução de penas, que poderia até incluir Bolsonaro, mas sem um perdão para os crimes. A ideia é evitar que o ex-presidente cumpra pena na Papuda e siga em prisão domiciliar, por causa de sua idade e saúde. Articulada por Motta, a proposta de redução de penas teria aval do STF, do Senado e do Planalto.
A proposta desenhada pelo presidente da Câmara e o centrão reduz a pena do crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito, de prisão de 4 a 8 anos para entre 2 e 6 anos. Já o crime de golpe de Estado, hoje com prisão entre 4 a 12 anos, iria para 2 a 8 anos. Além disso, as punições por esses dois crimes não se somariam mais —seria excluído o crime menos grave.
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