Por Tales Faria – Correio da Manhã
A aprovação pela Câmara, ontem, da Proposta de Emenda Constitucional apelidada de PEC da Blindagem lançou, entre políticos e juristas, o temor de que o Congresso se torne um elemento de atração para criminosos decidirem se candidatar a cargos eletivos.
Em uma articulação de lideranças do centrão, a PEC foi aprovada num acordo com governistas e oposição para liberar a pauta de votações. Como toda emenda constitucional aprovada pelo Congresso, a medida não depende de sanção presidencial.
Leia maisO texto prevê que parlamentares somente poderão ser processados criminalmente após aval da Câmara ou do Senado, a depender do caso. Também dificulta ordens contra parlamentares na esfera cível, como, por exemplo, os casos de improbidade administrativa.
Estabelece novos limites para prisões e medidas cautelares contra congressistas, que só poderão ser decretadas por ordem do STF. Todas as autorizações ocorrerão em votações secretas, sem revelar o nome dos parlamentares que apoiaram o acusado de crime.
Entre outras medidas, a PEC ainda estende o foro privilegiado aos presidentes nacionais de partidos que tenham parlamentares eleitos, para que sejam julgados criminalmente apenas pelo STF.
Organizações criminosas, como o Comando Vermelho e o PCC, já vinham se interessando por infiltrar candidatos nas eleições pelo interior do país. Com a nova PEC aprovada, o temor é de uma onda de candidatos vindos de organizações desse tipo, como ocorreu na Colômbia.
A década de 1980 na Colômbia foi marcada pelo poder do narcotráfico no país. Um personagem se tornou célebre: chamava-se Pablo Escobar, na época o chefe do maior cartel de drogas do mundo.
Seu patrimônio chegou a algo em torno de US$ 30 bilhões, o equivalente hoje a cerca de R$ 165 bilhões. Estimava-se que o traficante se tornou um dos homens mais ricos do mundo, liderando remessas mensais de 70 a 80 toneladas de cocaína da Colômbia para os EUA.
Em 1982, ele decidiu entrar na política. Foi eleito membro suplente da Câmara de Representantes, assumindo um controle até então inimaginável sobre autoridades econômicas e políticas.
Há quem diga que Escobar tornou-se paranoico, enlouqueceu.
O fato é que tanto poder nas mãos do crime transformou o país num verdadeiro campo de guerra. Houve mortes generalizadas de políticos, policiais, juízes e militares, inclusive três candidatos a presidente da República, além do atentado histórico a um voo comercial da Avianca que resultou em 110 mortos.
A situação no país ficou de tal forma incontrolável que as autoridades colombianas só viram uma solução: entregar o poder, na prática, aos Estados Unidos. Com isso, o traficante foi morto e seus comparsas, deportados e julgados nos EUA.
Parte do poder de Escobar era respaldado pelo apoio popular que conseguiu no papel de uma espécie de bem feitor de favelas e bairros pobres da Colômbia, que sustentava com seu próprio dinheiro.
Se Escobar e seu grupo tomassem o poder político no Brasil de hoje, nem sequer precisariam gastar seus próprios recursos.
Com domínio da política e do Congresso, os traficantes poderiam distribuir benesses utilizando-se das emendas parlamentares.
Segundo dados divulgados pela Consultoria de Orçamentos do Senado (Conorf), em 2025 devem ser liberados R$ 46,4 bilhões em emendas cujo destino é decidido pelos parlamentares.
Se já é um poder grande para políticos, imagina quando tomado por traficantes.
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