Por Marcelo Tognozzi*
Já era noite na Holanda, quando Caroline van der Plas, 55 anos, vestida com um sobretudo verde-limão e minissaia preta, não conseguiu conter seu espanto diante da TV: “Gente, que porra é esta que está acontecendo?” (People, what the fuck happened?). Da noite para o dia –literalmente– ela passou a liderar sozinha a 3ª maior força política da Holanda e viu seu partido, o Movimento Campo Cidadão (BBB, na sigla em holandês), ganhar as eleições provinciais com 1,474 milhão de votos, 20% do total, dando uma surra na coalisão do veterano primeiro-ministro Mark Rutte, de centro-direita, que levou 848 mil votos ou quase a metade da votação de Caroline.
As eleições provinciais elegem o colégio eleitoral que escolherá os próximos integrantes do Senado holandês. O Movimento Campo Cidadão fez 140 integrantes e o Partido do Povo para Liberdade e Democracia, liderado por Rutte, 63. Embora o jornal francês Le Monde, uma das vozes da esquerda europeia tenha rotulado Caroline van der Plas de “heroína do mundo agrícola”, seus opositores já chamam o Movimento Campo Cidadão de populismo rural. Parece que, agora, tudo o que não é considerado politicamente correto é populista.
Leia maisEsta mulher rechonchuda, viúva e cheia de energia está no centro da política dos Países Baixos e acaba de entrar para o clube dos líderes políticos da União Europeia. Comandando um partido com bases no campo e na produção de alimentos, Caroline teve uma trajetória curiosa. Filha de um jornalista esportivo e de uma vereadora do Partido Democrata Cristão, passou boa parte da sua vida profissional como repórter, cobrindo a indústria de alimentos e, mais tarde, passou a trabalhar como assessora de comunicação da Associação Holandesa de Produtores de Suínos.
Em 2019, ela deixou o Partido Democrata Cristão para fundar o Movimento Campo Cidadão e, em 2021, conseguiu ser eleita para o Parlamento. Desde então, com uma única deputada, os produtores rurais holandeses passaram a fazer política intensamente. Criticam o governo Rutte que tem um plano para reduzir o número de propriedades rurais, diminuindo o rebanho bovino em 30%, com objetivo de controlar e reduzir em 50% emissões de gases como nitrogênio. Também há outros aumentando a proteção aos animais usados nos trabalhos do campo, defendidos pelos verdes e a centro-esquerda. A maioria absoluta dos projetos de lei contra o agro holandês partiu de gente que vive na cidade, não tem qualquer conexão com o campo, não sabe a diferença entre um pato e um galo e imagina que leite dá em caixinhas de tetrapak.
A Holanda é um dos maiores produtores de comida de uma Europa castigada pela gripe aviária e a escassez de milho, soja e trigo, antes produzidos em larga escala pela Ucrânia. Caroline van der Plas foi eficiente e convenceu 20% dos eleitores a apoiar argumentos como, por exemplo, considerar grave risco, para dizer o mínimo, fechar fazendas produtivas em nome da preservação do meio ambiente, quando o mundo corre risco de passar fome e a inflação não para de crescer. A Holanda tem 17 milhões de habitantes, 33.800 km², 100 milhões de cabeças de bovinos, suínos e aves e é a 2ª exportadora mundial de produtos agropecuários com valor agregado, com £76 bilhões/ano, perdendo só para os Estados Unidos.
A defesa dos produtores de comida não é populismo, como tentam fazer crer os verdes e parte da esquerda, seja por má-fé ou desinformação. Os consumidores parecem ter entendido isso, mostrando seu apoio ao partido de Caroline van der Plas, dando uma banana para a esquerda e fazendo crescer a rejeição ao governo de Rutte, hoje com desaprovação de 46%.
Movimentos semelhantes estão sendo registrados em outros países com forte participação do agro na economia, como a França, Itália, Espanha e Reino Unido. A vitória do Movimento Campo Cidadão tem importância histórica por introduzir um novo ator político relevante, capaz de dar voz não apenas aos ruralistas holandeses, mas servindo de inspiração para outros que começam a pipocar no mundo todo.
No Brasil, este movimento de maior politização do campo ganhou consistência nas eleições de 2018. Embora a esquerda tenha vencido a eleição em 2022, os representantes do agro somam 300 deputados e 44 senadores agregados na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), cuja capacidade de mobilização tem crescido a cada ano. A maioria dos integrantes da FPA faz oposição à esquerda, às invasões de terra e construiu um discurso político defendendo a propriedade privada e a segurança jurídica. Na Câmara dos Deputados comandará ao menos 10 das 25 comissões temáticas, algumas importantíssima como a de Fiscalização e Controle.
Há muitas semelhanças entre nossos produtores e seus colegas holandeses. Lá, como cá, o agronegócio é movido a tecnologia, tem sido um dos pilares da economia, garantindo ampla fatia das exportações, empregos, abastecimento e segurança alimentar. O recado do eleitorado holandês foi claro: num mundo onde a insegurança passou a fazer parte do novo normal, é preciso assegurar pelo menos a comida nossa de cada dia. Sem mimimi.
*Jornalista
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