Por Américo Lopes, o Zé da Coruja*
Amigo Magno Martins,
A sua crônica domingueira de hoje traz amplas reflexões, inclusive psicanalíticas. Quando você fala na inveja, sentimento terrível que expõe o mais trágico do ser humano, o pior de qualquer um de nós, penso na expressão “inveja branca”, a mais gigantesca fraude para justificar essa distorção de “caráter de cachorro”, com o perdão dos cachorros, os animais mais leais desse planetinha azul.
“Caráter de cachorro” penso ser uma expressão ancestral do Nordeste brasileiro, que eu entendo mas não justifico. Que a inveja é colossal, irmã gêmea da tristeza, tanto para quem a pratica, quanto para quem a recebe. Essa é a pior troca de sentimentos humanos que pode ocorrer, trazendo sofrimento, dor, humilhações íntimas, pois quem inveja se humilha perante todos ao falar mal do outro — todos percebem essa degeneração de caráter.
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Parece-me que por trás da abusiva alegria das multidões há uma sombria frustração com tudo: com o seu fazer diário, com a família, com as uniões, quando é o caso. Se entregarmos esses três assuntos ao Dr. Freud, suas respostas virão como machadadas nesse tênue tecido humano chamado vida. A grande maioria encara esses três itens como montanhas de sofrimento e decepção.
No Brasil, arrisco dizer que, da mistura das três raças, ganhamos em beleza e alegria exagerada e incontida feito um riachinho. E, se ganhamos nessa maravilhosa mistura no que os deuses dessas raças nos deram, decerto trouxemos à nossa formação psicológica a saudade do branco português, a trágica memória do povo negro sacaneado em uma escravidão vergonhosa e dos povos indígenas, raça sobre a qual vejo beleza, mas raça dizimada pela colonização e suas feridas profundas.
O Marquês de Pombal tem biografia polêmica sobre o extermínio dos indígenas no Brasil, quem puder que estude. Se uns falam em extermínio, outros falam na integração do povo indígena à grande nação brasileira, territorialmente falando.
A minha crença no Brasil é profunda e me acompanhará até o meu definitivo encantamento. Trago isso da minha Coruja e da formação cristã e simples que a minha mãe Euza me deu; e nada mais é preciso. A minha sagrada mãe recomendou ao longo da minha vida que eu olhasse sempre para Belém, que lá eu encontraria todas as respostas e esperanças perdidas, um santo remédio.
É claro que a Belém a que me refiro não é a do Pará, a da COP30, uma tragicomédia ideológica e política à altura desse recorte absurdo e penoso do Brasil.
Mas esqueçamos a inveja, a tristeza e a depressão e lembremos do maior brasileiro da história, no meu modesto entender (e de muitos e mais qualificados que eu): o grande e o extraordinário Darcy Ribeiro, um dos Pais Fundadores do Brasil — escrevo em maiúsculo mesmo, por homenagem. Darcy dizia que a mistura brasileira pariu as mulheres mais lindas da face da terra. E ele as colocou na escola em tempo integral.
Certa vez o empreendedor Eduardo de Queiroz Monteiro, que mantinha com o gigante Darcy fraterna e histórica amizade, pediu que eu ligasse para ele, pois precisavam conversar algo. Foi o telefonema mais emocionado da minha vida, afinal eu iria falar com um tótem do Brasil.
A resposta da secretária, ao dizer que ele não estava, foi antológica: pediu que eu dissesse a Eduardo que o senador estava criando um galo no apartamento e que o galo não deixava ninguém dormir.
O condomínio foi até ele e pediu para dar fim ao galo. Matar e comer o galo é algo que ele não faria, pois ele tinha estudado profundamente a antropofagia da Semana de Arte Moderna de 1922, e o galo era membro da família dele.
Dar o galo, jamais. Ele então levou o galo para Petrópolis e arranjou uma galinha para o coitado. O nome da mulher do galo? Maria Teresa (risos). Esse nome é um nome forte no trabalhismo brasileiro.
Darcy no hospital, se findando, e seduzindo as médicas, enfermeiras e técnicas. Foi respeitado por elas, elas eram as suas cunhãs.
Vamos estudar o professor Darcy Ribeiro e dar um rumo ao Brasil? Não posso mais fazer isso, a tarefa é gigantesca. Mas fica a sugestão.
*Diretor operacional da Folha de Pernambuco
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