A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou por unanimidade a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), tornando réu o ex-presidente Jair Bolsonaro por cinco crimes, entre eles dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Embora sejam tipificações de menor gravidade, criminalistas ouvidos pelo Estadão apontam que esses delitos cumprem uma função estrutural e estratégica na peça acusatória apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet: reforçam a responsabilização de Bolsonaro pelos atos de 8 de janeiro e ajudam a sustentar os crimes mais graves, como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, pelos quais ele também responde.
Os crimes de dano qualificado ao patrimônio da União — que consiste em causar prejuízo a bens públicos — e de deterioração de patrimônio tombado — que se refere à destruição ou danificação de bens protegidos por seu valor histórico ou cultural — não foram incluídos pela Polícia Federal no relatório que embasou a denúncia de Gonet. Em novembro do ano passado, a corporação imputou ao ex-presidente os crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. As informações são do Estadão.
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Para o criminalista e coordenador da graduação em Direito da ESPM-SP, Marcelo Crespo, o fato de Gonet incluir esses dois tipos penais na denúncia faz parte de uma estratégia para vincular Bolsonaro aos eventos de 8 de janeiro, mesmo ele estando nos Estados Unidos à época e sem participação direta nos atos de destruição.
O jurista explica que o principal desafio da acusação é estabelecer um nexo entre os discursos do ex-presidente e a mobilização que culminaram nos atos. O enquadramento nesses crimes, em sua avaliação, serve justamente para suprir esse elo e dar sustentação jurídica à tese de que Bolsonaro incentivou e ajudou a criar o ambiente que levou à violência contra as sedes dos Três Poderes.
“Esses crimes podem ter passado despercebidos por serem menos graves em comparação com os demais, mas ambos desempenham um papel muito importante no andamento da ação penal e na responsabilização de Bolsonaro. São fundamentais para a construção lógica da acusação para conectá-lo aos atos de 8 de janeiro”, explica.
Na peça acusatória, Gonet afirma que o episódio do 8 de janeiro foi fomentado e facilitado por uma suposta organização criminosa da qual Bolsonaro faria parte. Para o procurador-geral da República, o grupo deve ser responsabilizado “por promover atos atentatórios à ordem democrática, com vistas a romper a ordem constitucional, impedir o funcionamento dos Poderes, em rebeldia contra o Estado de Direito Democrático.”
Ao utilizar esses dois tipos penais, explica Crespo, a PGR também consegue estabelecer, de forma objetiva, o elemento da violência e da grave ameaça, requisitos fundamentais para a configuração dos crimes de tentativa de golpe e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
“Para enquadrar Bolsonaro nesses crimes mais graves, a PGR precisa demonstrar a presença real e material da violência. Nesse sentido, os crimes de dano ao patrimônio público e deterioração são importantes, porque reforçam a existência efetiva de violência contra o Estado. Sem eles, a denúncia poderia enfrentar dificuldades técnicas para comprovar o nexo causal entre a conduta do ex-presidente e os atos. Por isso, a estratégia adotada me parece inteligente e tecnicamente bem construída”, avalia.
O criminalista David Metzker concorda e afirma que esses crimes funcionam como uma base de sustentação na estratégia da PGR, reforçando a responsabilização de diferentes envolvidos, mesmo daqueles que, como Bolsonaro, não participaram diretamente dos atos de destruição.
“São provas visuais, laudos e registros públicos, o que contribui para formar uma base fática robusta. Esses delitos ajudam a estabelecer um elemento central para a configuração de crimes mais graves, como tentativa de golpe de Estado ou abolição violenta do Estado de Direito, que exigem a presença de violência ou grave ameaça”, completa.
Na mesma linha, o criminalista Renato Vieira avalia que tanto a decisão da PGR de incluir os crimes de dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, quanto o recebimento dessas acusações pelo Supremo, revelam uma estratégia clara.
“Mesmo não sendo os crimes mais graves pelos quais Bolsonaro responde, eles são fundamentais para o desfecho da ação penal”, afirma. Vieira acrescenta que as provas reunidas na denúncia apresentada por Paulo Gonet são bem fundamentadas e tecnicamente consistentes, o que limita as possibilidades de contestação por parte da defesa de Bolsonaro e dos demais réus.
Além desses crimes, cuja pena somada pode chegar a seis anos de prisão, Bolsonaro também responderá por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. Juntas, essas três tipificações podem levar a até 22 anos de prisão, totalizando uma pena máxima de 28 anos.
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