Por Luiz Vassallo
Do Metrópoles
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) cassou um contrato milionário de honorários advocatícios pago com dinheiro de royalties do petróleo firmado entre a prefeitura de São Sebastião, no litoral norte paulista, e uma entidade sem fins lucrativos ligada a escritórios de familiares de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Corte ainda determinou a devolução dos R$ 56 milhões pagos à associação – de um total que chegaria a R$ 180 milhões. Os ministros das Cortes superiores não estão envolvidos no caso e nunca julgaram causas desses advogados. Após a decisão, o Ministério Público de Contas pediu que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) condene a entidade a devolver os valores já pagos.
A entidade em questão é a Associação Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultoria (Nupec), que firmou contratos com mais de uma dezena de municípios para defendê-los na Justiça em ações contra a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), responsável pela partilha dos royalties.
Leia maisNo Judiciário, a Nupec busca convencer magistrados de que a partilha dos royalties da exploração de petróleo e gás feita pela ANP está equivocada. As ações buscam aumentar a fatia dos royalties destinados a municípios ou mesmo incluir essas cidades no mapa da distribuição dessa verba, que é destinada mensalmente, e chega a ser bilionária para algumas cidades.
Contratada sem licitação, a Nupec afirma ser uma entidade especializada no assunto. Na prática, o que ela faz, após ser contratada, é dar procuração para que escritórios de advocacia atuem em nome dessas prefeituras. São essas bancas que ingressam no Judiciário com ações contra a ANP em busca dos royalties. Os contratos são por êxito, ou seja, preveem altos pagamentos em caso de vitória.
Os principais subcontratados pela Nupec são o advogado Vinicius Peixoto Gonçalves, que faz parte dos quadros da entidade, como vice-presidente; Djaci Falcão Neto, filho do ministro Francisco Falcão, do STJ; e Hercílio Binato de Castro, genro do ministro Luiz Fux, do STF, e sobrinho de um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ). O presidente da Nupec é o coronel de artilharia do Exército Arcy Magno da Silva, de 83 anos.
Os casos são usualmente julgados pela Justiça Federal e estão concentrados, majoritariamente, em Brasília e no Rio de Janeiro. Usualmente, sobem para as Cortes superiores. Com esses advogados abertamente nos autos, os ministros, via de regra, ficam impedidos e não votam em casos relacionados a eles.
As ações vencidas por essas bancas já renderam direito a mais de R$ 500 milhões em honorários. No caso do contrato com São Sebastião, somente essa causa diz respeito a R$ 900 milhões. Os honorários, em caso de êxito, seriam de R$ 180 milhões, porque o contrato prevê 20% em remuneração. Trata-se de uma briga que a prefeitura tem com a cidade de Ilhabela, que fica na mesma região, por uma fatia dos royalties da distribuição de petróleo.
Há diversas ações sobre o tema na Justiça Federal em São Paulo e em Brasília, que protagonizam uma guerra judicial entre os municípios do litoral. No Judiciário paulista, a própria Procuradoria do Município atuou sem auxílio da Nupec e obteve uma decisão favorável. Somente no segundo grau de jurisdição a entidade entrou. Já em Brasília, advogados ligados à entidade têm procuração para atuar desde o primeiro grau, que impôs uma derrota ao município de Ilhabela.
“Exorbitância da remuneração”
Em primeiro grau, foi movida uma ação popular contra o contrato da Nupec e os pagamentos aos advogados que teve parecer favorável do Ministério Público de São Paulo (MPSP). A Justiça indeferiu a ação na primeira instância. O juiz do caso considerou que os royalties são matéria de alta complexidade e que justificam a contratação sem licitação. Também afirmou que os honorários de 20% são compatíveis com “valor de mercado”.
Responsável por enviar parecer ao TJSP, a procuradora de Justiça Selma Negrão Pereira dos Reis afirmou que a questão dos royalties é rotineira para um município como São Sebastião e que seus procuradores tinham condições de ganhar o processo em São Paulo. “Tanto que obtiveram sentença favorável aos interesses do ente público e apresentaram recurso de apelação quanto à parte da decisão que entenderam desfavorável”.
“A atuação da Nupec se deu naqueles autos apenas após a apresentação de recurso de apelação, de forma que a atuação da contratada ficou
restrita a alguns atos processuais, em demanda em que, reitera-se, já havia decisão favorável ao Município de São Sebastião. Apesar disso, receberá, em razão do contrato, vultuosa remuneração (20% dos royalties recebidos)”, disse Selma.
A procuradora ainda afirmou que “restou bem demonstrada a exorbitância da remuneração fixada em detrimento do erário público, vulnerados os princípios que devem reger a administração pública, especialmente a economicidade e a eficiência”.
“Patente ilegalidade”
Relator do caso, o desembargador Cláudio Augusto Pedrassi afirmou que a Nupec não tem registro na OAB como escritório de advocacia e, portanto, não poderia levar um contrato para prestação de serviços advocatícios. “Inviável que uma associação, nessas situações, receba procuração para prestar serviços de advocacia e muito menos repasse procuração para a prestação de aludidos serviços”, afirmou.
O desembargador disse, ainda, que o contrato sem licitação se justificaria pela especialização notória da banca de advocacia e que não há sentido em contratar a associação para ela dar a quem quer procuração para atuar nas causas. “Há, portanto, patente ilegalidade na
subcontratação de escritórios de advocacia em casos nos quais a entidade e as bancas são contratadas sem licitação.”
O magistrado também ressaltou que 20% é o teto em honorários segundo tabela da OAB. Considerou, ainda, que o contrato prevê o pagamento de honorários por êxito após decisões liminares, que podem ser derrubadas a qualquer momento. Segundo ele, “uma enorme irregularidade”. “Não consta do contrato previsão de devolução de valores em caso de revogação da liminar”, destacou.
O magistrado também concordou com o MPSP ao considerar que a Procuradoria do Município tinha condições de tocar os processos sem contratações de advogados. O julgamento foi dividido. Houve votos pela improcedência da ação, mas o relator saiu vencedor para rescindir o contrato entre a Nupec e o município de São Sebastião.
Honorários “desarrazoados”
O Ministério Público de Contas pediu ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) que obrigue a entidade a devolver os R$ 56 milhões já recebidos de São Sebastião. O procurador Rafael Neubern Demarchi Costa afirmou que há grande diversidade de bancas especializadas, o que justificaria uma licitação.
Ele também afirmou que “a atuação dos procuradores municipais de São Sebastião foi suficiente para ganhar, em primeira instância, uma das ações propostas por Ilhabela requerendo a nulidade dos atos administrativos do IBGE e da ANP ante a alegada violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa”.
“O valor pago a título de honorários profissionais é desarrazoado e seria prudente que o contrato firmado estabelecesse um teto fixo máximo, ou o estabelecimento de faixas de remuneração atreladas ao resultado alcançado, de modo a resguardar a proporcionalidade entre a remuneração e o trabalho efetivamente desenvolvido”, disse.
Nupec defende contrato
Ao Metrópoles, a Nupec afirma que é uma “instituição multidisciplinar com 35 anos de existência e que conta com profissionais de diversas especialidades, exercendo as suas atividades estatuárias através do trabalho de engenheiros, cartógrafos, contadores, sociólogos e advogados, entre outros, todos reconhecidamente capacitados no mercado de trabalho”.
“Os advogados citados possuem notória especialização e atuam há mais de 15 anos no setor de óleo e gás, colecionando vitórias robustas e definitivas em favor de dezenas de municípios que obtiveram o êxito judicial e a correta compensação pelos danos socioambientais sofridos pela exploração do petróleo e gás natural”, afirma.
A entidade afirma, ainda, que respeita “a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, mas não irá se furtar de interpor as medidas cabíveis para fazer valer as orientações já pacificadas sobre o tema nos Tribunais Superiores”. Cita também ações no STF que “dispõem sobre todos os requisitos necessários à contratação, os quais foram integralmente considerados no processo administrativo de contratação, mas absolutamente desconsiderados na equivocada decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo”.
“Importante pontuar que, ao contrário do afirmado na decisão a ser recorrida, em nenhum momento a Nupec é remunerada sobre serviço ou receita anterior à sua atuação em favor do município de São Sebastião. Isso é o que dispõe expressamente o contrato entre as partes e inclusive constou de diversas manifestações judiciais”, afirma.
“De qualquer sorte, importante pontuar que, quando do ingresso do corpo de profissionais da Nupec nos autos, a desembargadora federal relatora do caso já havia negado o levantamento do depósito em juízo que havia sido pleiteado pela Procuradoria Municipal de São Sebastião e, somente após recurso e intensa atuação da Nupec, o pedido foi levado ao órgão colegiado do TRF da 3ª Região, que reconheceu, de forma unânime, o direito ao levantamento do depósito em juízo em favor de São Sebastião, inclusive condenando o município de Ilhabela ao pagamento de multa por litigância de má-fé, dadas as diversas chicanas processuais que perpetrou na vã tentativa de retardar e confundir a atuação do Poder Judiciário”, diz.
A associação ainda afirma que foi “desconsiderado pelo Tribunal de Justiça que a Nupec atuou não apenas em um caso na Justiça Federal de São Paulo, mas sim no mérito de diversos feitos judiciais do interesse do município de São Sebastião, todos no TRF da 1ª Região em virtude da sede da Agência Nacional do Petróleo”.
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