Por Dirac Cordeiro*
Nenhum Estado na Federação dos Estados Unidos oferece transporte de ônibus totalmente gratuito em seu território. A gratuidade na tarifa de ônibus é uma iniciativa que ocorre em cidades específicas, e não em nível estadual. A política de “tarifa zero” tem se expandido em muitas pequenas cidades americanas para incentivar o transporte público, reduzir o trânsito e diminuir a poluição. Em apenas duas cidades americanas, com o PIB per capita altíssimo, possuem serviço de transporte público totalmente gratuito.
A cidade de Corvallis no Estado do Oregon, com aproximadamente 50 mil habitantes, possui um PIB equivalente a 15 bilhões de reais, capitados principalmente pela Universidade do Oregon, com mais de 70% dos deslocamentos usados no transporte. Além disso, empresas de alta tecnologia se instalaram na cidade, formando um pequeno vale do silício, como por exemplo, a gigante HP.
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A outra cidade com transporte público totalmente gratuito é Alexandria, no Estado da Virgínia. Com uma população de 159 mil habitantes possui um PIB de 90 bilhões de reais. Por estar muito perto de Washington D.C. e por ser uma cidade com uma “vida turística” muito acentuada, a implantação da tarifa zero foi uma forma de incentivar o turismo, principalmente pelo volume de deslocamentos vindo da capital dos USA.
A decisão de implantação da tarifa zero pelo gestor do Estado deve ser feita usando o conceito de custo de oportunidade; tanto quantitativo como qualitativo, ou seja, benefícios que deixarão de ser investidos em educação, saúde, segurança e mobilidade pela escolha de custear a tarifa zero. Devemos lembrar que a base de sustentação do hoje e do futuro do Estado e do município é uma boa educação.
Saliento que o PIB de Pernambuco é de aproximadamente 288 bilhões de reais e a Prefeitura da Cidade Recife tem um PIB equivalente a 19% do PIB do Estado (54 Bilhões de reais), para uma população um pouco superior a 1,3 milhão de habitantes. Quando esses dados são comparados com as cidades americanas, a desproporção é muito grande tanto pelo valor nominal como pelo valor per capita.
A total de gratuidades nos USA não tem nenhuma representatividade em termos da demanda transportada no transporte público. Em Houston, onde morei, a prefeitura subsidia os custos em torno de 70%. Porém, usuários do transporte que estão desempregados, além de receber o BS, têm direito a passagens/ bilhetes/cartões com cashback, para incentivar a procura por empregos.
Nas médias e grandes cidades dos 27 países europeus membro da União Europeia não existe tarifa zero. O que realmente se faz é subsidiar fortemente o transporte público (ônibus e metrô). Roma subsidia em quase 90%. Londres usou a restrição do carro no seu centro, para capitanear investimento no transporte (financiamento de ônibus a custo zero) e consequentemente baratear a tarifa.
Recentemente (03/2024) implementou-se uma modificação na política tarifária do sistema de transporte da Região Metropolitana do Recife. A transformação das tarifas do sistema de transporte numa tarifa única metropolitana foi louvável. Mesmo com esta medida importante, a demanda teve uma baixa resposta diante da unificação e redução da tarifa B (R$ 5,60) para a tarifa A (R$ 4,10), com um percentual de 27% – bastante significativo. Considerando a série temporal da demanda nos últimos cinco, tem-se uma taxa média de crescimento negativa para a função demanda. Esta função, que representa todos os movimentos dos passageiros, é composta não só pela variável preço–tarifa, mas por outras estritamente inerentes à qualidade deste relevante serviço público.
Para se ter uma ideia, na atual dinâmica do sistema de transporte em 100 passageiros transportados pelos ônibus, somente 55% geram receita, isto é, pagam alguma forma de tarifa, conforme a distribuição dos estratos: Vale Transporte (VT = 60%), Vale Estudantil (E = 11%), pagantes a bordo (inteiro em espécie = 10%) e Vem Comum (Bilhete de Integração = 19%). Isto mostra a alta evasão de recursos que poderiam ser usados para a melhoria da qualidade do transporte. É simplório afirmar que nenhum sistema econômico consegue sobreviver com uma eficiência financeira de 55%.
Quando todas as linhas estiverem licitadas o Custo Anual estimado do sistema de transporte na RMR será R$ 1,15 bilhão. O Estado subsidiou no ano de 2024 cerca de 40% dos custos do transporte das duas empresas licitadas (Conorte e Mobi). Isto representou no ano de 2024 um subsídio em torno de R$ 195 milhões de reais. Se considerarmos esta estatística sendo invariante, temos: para todo sistema de transporte e admitindo o mesmo arcabouço atual no cálculo da remuneração, para as empresas ainda não licitadas, chega-se a um valor estimado anual, para o subsídio da ordem de R$ 460 milhões de reais, que seriam pagos pelo Estado para todas as empresas concessionárias participantes do sistema.
Salienta-se que a atual qualidade do serviço ofertado (viagens, frota, taxa de renovação dos ativos, pontualidade e regularidade) encontra-se aquém da ofertada para os usuários no período de 1998 a 2014 (a redução de frota deste período para 2025 chega a quase 700 ônibus). É bom frisar que a curva da demanda, desde o evento pandemia, apresenta a cada ano taxas decrescentes, não conseguindo reverter a declividade da curva mesmo após a redução/unificação tarifária, com base na menor tarifa.
Caso a tarifa zero fosse adotada caberia ao estado em subsidiar o transporte num valor maior que R$ 1,15 bilhão com tendência inicial a um crescimento linear e posteriormente exponencial, de acordo com o comportamento da economia.
Esta caracterização do comportamento da demanda não é peculiar somente no Estado de Pernambuco, mas é generalizado no mundo organizado. Sendo assim, o princípio da elasticidade demanda-preço representado por um coeficiente muito sensível com a reação do mercado, assume valores negativos, principalmente devido às mudanças de comportamento dos usuários que utilizam o transporte público. Os desejos dos deslocamentos após a pandemia foram fortemente alterados.
Este comportamento ocorreu com a busca dos usuários por novos mercados no entorno dos seus bairros e também com o surgimento explosivo do modo de transporte Uber (carro e moto), associado a maior facilidade do uso da bicicleta com as ciclofaixas. Hoje o centro da cidade – grande polo de atração de viagens no passado – não tem mais atividade econômica intensa que fortaleça e preserve as linhas de desejos dos usuários para esses locais. Uma nova rede deve ser estudada e redesenhada de modo a evitar desperdícios de recursos.
Não podemos ser contra a utilização do subsídio, pois é uma peça importante na composição da receita do sistema. O subsídio chegou ao Brasil tardiamente. Mas no Estado de Pernambuco os recursos destinados ao subsídio do transporte público vêm crescendo intensamente como um fator de justiça social. Para se ter uma ideia da relevância do subsídio ao transporte, existe um dado importante: “o crescimento do subsídio ao longo dos últimos 25 anos chega a ser mais de 1.900%”. O uso da tarifa zero proporcionará um subsídio de 3 vezes maior gerando uma grande aversão ao risco proveniente dos diversos fatores conjunturais e econômicos, que hoje são instáveis. A conclusão que se tira é “que subsídio chegou forte para ficar, de forma condizente, com a realidade financeira de cada estado”. Não se deve aventurar com recursos públicos.
*Professor e doutor em Engenharia de Transporte
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