O governo Lula (PT) retomou um megaprojeto de produção de urânio, com objetivo de extrair o combustível nuclear do sertão cearense.
O chamado Projeto Santa Quitéria (PSQ), previsto para ser instalado na pequena Santa Quitéria, cidade de 40 mil habitantes localizada no meio da caatinga, a 200 km de Fortaleza, pretende arrancar do solo 2.300 toneladas por ano de concentrado de urânio, para abastecer as usinas nucleares de Angra, no Rio de Janeiro.
Conforme informações obtidas pela Folha, uma versão atualizada desse projeto foi entregue em outubro do ano passado ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), com o objetivo de obter a licença prévia ambiental do empreendimento.
Leia maisO plano de explorar urânio na região tem mais de uma década, mas nunca avançou. Desta vez, porém, o governo dá sinais claros de que pretende levar a extração mineral adiante.
Os donos do projeto são a estatal INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e a empresa Fosnor Fosfatados do Norte-Nordeste, da marca de fertilizantes Galvani. Juntas, elas formaram o “Consórcio Santa Quitéria”. No alvo da companhia está a “Fazenda Itataia”, uma propriedade de 5.825 hectares, o equivalente a quase 6 mil campos de futebol, que foi adquirida pela INB ainda em 2005, mas nunca foi explorada.
A parceria entre a INB e a Fosnor se deve ao tipo de material que será extraído, porque as terras da região possuem grande quantidade de urânio associado ao fosfato, minério usado na produção de fertilizantes. A ideia é abrir uma mina a céu aberto no local. O investimento total previsto é de R$ 2,3 bilhões, para explorar a mina por 20 anos.
De acordo com o plano obtido pela Folha, está prevista a produção de 2.300 toneladas por ano de concentrado de urânio, quantidade que seria mais do que o triplo necessário para alimentar as usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2, além da futura Angra 3.
Segundo a INB, essa produção eliminaria a dependência de importação desse insumo. Hoje, a produção de urânio nacional está concentrada em Caetité, na Bahia. Todo produto é enviado ao exterior, onde é beneficiado, para retornar ao Brasil em formato de pastilhas de combustível.
No caso da produção de fertilizantes fosfatados, é projetada a entrega de 1,050 milhão de toneladas por ano, insumo para o agronegócio que seria destinado, prioritariamente, às regiões Nordeste e Norte do país.
“A Galvani será a responsável pela fabricação dos fertilizantes para uso na agricultura e dos insumos para ração animal. O concentrado de urânio será embalado em tambores metálicos, os quais serão entregues à INB para realizar o transporte até o Terminal Portuário do Pecém (CE)”, afirma o Consórcio Santa Quitéria, em seu relatório.
Nos estudos realizados pela empresa, o urânio é apresentado como um material secundário na extração, tendo apenas 0,2% de presença nas rochas que serão removidas. Os demais 99,8% seriam fertilizantes destinados à pecuária e à agricultura regional.
“O Projeto terá repercussão nacional. O país não produz a quantidade de fertilizantes suficiente para atender à crescente demanda da agricultura. Por causa disso, chega a importar 86% do que consome”, argumentam as empresas.
Ao defender o eventual impacto econômico do projeto nuclear no sertão, os investidores dizem que mais de 2 mil empregos diretos podem ser gerados na fase de instalação da unidade, além de outros 4.192 indiretos. Já na operação, seriam 538 postos de trabalho diretos de 1 mil indiretos.
“O fosfato é predominante, com reservas de 8,9 milhões de toneladas. Já as reservas de urânio são de 80 mil toneladas. A previsão é que sejam produzidas anualmente pelo Consórcio Santa Quitéria 1.050.000 toneladas de fertilizantes fosfatados, 220.000 toneladas de fosfato bicálcico e 2.300 toneladas de concentrado de urânio”, afirma a INB.
A eventual emissão de licença prévia ambiental não autoriza o início das obras, mas apenas atesta a viabilidade ambiental do projeto, impondo uma série de exigências. Se estas forem atendidas, o órgão ambiental libera a licença de instalação, que permite a construção do projeto.
Riscos à saúde
A região de Santa Quitéria já é estudada devido ao número de casos de câncer acima de outras regiões, assim como ocorre em Caetité, na Bahia, onde a INB concentra, atualmente, a sua produção do combustível nuclear.
Em outubro o município foi alvo de uma ação da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, devido à contaminação da água por urânio. Análises realizadas na região identificaram concentrações de urânio até sete vezes superiores ao limite permitido para consumo humano.
A exposição prolongada ao urânio pode acarretar problemas de saúde, incluindo danos aos rins, fígado e sistema reprodutivo, chegando até ao desenvolvimento de câncer.
Autoridades locais chegaram a interditaram poços contaminados e implementaram medidas emergenciais, como o abastecimento da população afetada por meio de carros-pipa. Outra medida foi acelerar a construção de uma adutora, para fornecer água potável segura à comunidade. A estrutura capta água do Açude Araras, a 16 quilômetros do local onde foram encontrados os poços contaminados.
Segundo o Consórcio Santa Quitéria, seu projeto não implica em nenhum risco à população, seja na remoção do material ou no uso da água local. “
O volume de água que será consumido pelo Projeto Santa Quitéria não irá impactar a disponibilidade de água para a população” afirma a empresa.
“Mesmo no pior cenário histórico do Açude Edson Queiroz (que é o açude previsto para ser acessado no projeto), o consumo do PSQ não ultrapassaria 3% do volume do reservatório no mês e, portanto, não afetaria o abastecimento. No cenário atual, o consumo mensal seria de, no máximo, 0,5% do volume do reservatório.”
As obras da adutora da mina até o açude têm previsão de serem realizadas em 18 meses. São 64 km até entre a represa e o projeto nuclear. Está prevista, ainda, a remoção de 360 hectares (o equivalente a 360 campos de futebol) de cobertura vegetal, para abrir espaço para as instalações.
Um local também foi reservado para depositar os rejeitos e resíduos do processo industrial. O volume da pilha de rejeitos, durante os 20 anos de vida útil da mina, é calculado em 57 milhões de metros cúbicos de material. Segundo o consórcio, como o urânio presente nas rochas representa apenas 0,2% do volume total, “a quantidade de minerais radioativos que podem ir para pilha de estéril será muito pequena”.
Da Folha de São Paulo.
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