Folha de Pernambuco
Faltando dois dias para entrar em vigor a tarifa de 50% imposta por decreto do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aos produtos exportados pelo Brasil, os produtores nacionais avaliam os impactos da medida em cada setor para planejar formas de atenuar as perdas. Em Pernambuco, a economia pode sofrer um prejuízo superior a R$ 377 milhões, de acordo com dados divulgados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) na última terça-feira.
A queda deve ser puxada pelas prováveis baixas nas exportações da fruticultura e do setor sucroenergético, principalmente. Responsável por 95% das exportações de frutas do Brasil, a região do Vale do São Francisco, que tem 120 mil trabalhadores na fruticultura, deve ser a primeira a sofrer as consequências do decreto.
Leia maisSomente no comércio de manga, em 2024, foram movimentados US$ 45,8 milhões de dólares, o que corresponde a cerca de 15% da exportação brasileira da fruta para os EUA.
Já o setor do açúcar e álcool (etanol) representa atualmente um faturamento de US$ 200 milhões de dólares para o Nordeste brasileiro. Só em Pernambuco, as exportações representaram um volume de US$ 52,9 milhões em 2024, de acordo com dados divulgados pela Federação do Comércio, Bens, Serviços e Turismo de Pernambuco (Fecomércio-PE) no Estudo de Impacto das Tarifas dos Estados Unidos em Pernambuco.
Estratégias
Diante disso, os setores produtivos do estado têm buscado informações a respeito dos efeitos da medida para traçar estratégias de enfrentamento a uma possível crise. O presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe), Bruno Veloso, explicou que a instituição está realizando um trabalho de apuração dos impactos para orientar os empresários e produtores para onde enviar suas produções, tendo em vista a impossibilidade de repasse imediato do valor da tarifa para o preço do produto.
“Estamos estudando no mundo inteiro quais são os países que importam esses produtos, quais são os preços, e vamos entregar esse trabalho para todas as indústrias pernambucanas que exportam para os Estados Unidos, assim eles terão uma visão de outros países do mundo para onde poderão transferir. Acreditamos que uma tarifação de 50% é uma barreira econômica intransponível. Ninguém consegue aumentar seu preço em 50% e se viabilizar diante desse mercado competitivo que é o mundial”, afirmou Veloso.
Uma outra alternativa que começa a ser discutida pelos produtores e empresários é a de remanejar os produtos para o comércio local. De acordo com o presidente da Fecomércio-PE, Bernardo Peixoto, essa não é uma saída imediata porque o mercado interno não conseguiria absorver rapidamente. Citando o exemplo da manga, ele ressalta que a opção poderia jogar o preço para valores muito abaixo dos que são praticados no comércio com os Estados Unidos.
“O mercado interno não absorve isso tudo. Vamos supor que metade dessa manga fosse revertida para o comércio interno. Isso iria baixar tanto que o valor poderia ser até menor do que o preço de mangas que já vão para o consumo interno. Isso tudo iria impactar freneticamente a economia, afetando fortemente o comércio, que cairia em todo o estado”, declarou o presidente.
Fruticultura
Com o maior risco de perder a produção, os produtores de manga têm expectativa de que o produto seja incluído na lista de exceções criada pelo governo estadunidense, assim como o café. Conforme explica o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Guilherme Coelho, a safra da fruta inicia já na próxima semana no Vale do São Francisco, e se estende por 90 dias até ser finalizada, seguindo um cronograma que envolve outros países produtores.
“É um tiro curto. É a safra. Agora mesmo, quem estava mandando mangas para os Estados Unidos era o México. Mandou maio, junho e julho. O Brasil não mandou nenhuma manga nesses meses. O México concluiu, não tem mais. A partir daí entra o Brasil. Depois de 90 dias, o Brasil conclui a safra, não manda mais. Entra outro país nos Estados Unidos mandando manga. E assim acontece o ano todo”, pontuou.
Ainda segundo Coelho, o processo é acompanhado de perto por fiscais enviados pela Agência Federal de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA), que verificam o processo de embalagem hidrotérmica para garantir que a manga importada para o país esteja livre da mosca da fruta, praga que prejudica toda a produção de frutas em caso de contaminação.
A uva, que também é produzida na região de Petrolina, passa por um processo semelhante, sendo levada a temperaturas baixas para garantir que não seja contaminada pela praga. Guilherme Coelho ressaltou, ainda, que a preocupação não deve se limitar a uma fruta específica, porque a tarifa deve afetar a todas que são exportadas de forma igualitária. “Se continuar com tarifa de 50%, vai imediatamente alcançar a manga, a uva, o melão, a melancia, o mamão, aquele efeito cadeia”, enfatizou Coelho.
Açúcar
Com maior capacidade de estocagem, o setor sucroenergético tem à disposição condições melhores para aguardar, caso as negociações pela revisão da tarifa com as autoridades estadunidenses demorem a avançar. O presidente-executivo da Novabio NE, e presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha, afirmou que os produtores já começam a promover redução nos custos de produção e verificar a disponibilidade de espaço para a armazenagem. Cunha ressaltou também a otimização do calendário de moagem como uma das alternativas para ganhar tempo.
“As moagens em Pernambuco só devem começar agora no mês de agosto. Por isso, estamos numa fase de preparos. Se você inicia a moagem e pode começar com produtos de mercado interno você faz prioritariamente, e faz o mercado externo um pouco depois, porque ganha mais tempo para poder ver se consegue algum tipo de volta normalidade na situação externa”, explicou o executivo.
No entanto, Renato Cunha chamou a atenção para os efeitos da demora na moagem da cana para além do período da safra. Segundo ele, se não processada no tempo correto, a matéria prima pode perder a riqueza de açúcares e sacarose, prejudicando o rendimento e a eficiência industrial.
Auxílio
Pensando em socorrer o setor produtivo do estado diante da ameaça de perdas significativas na economia e de desemprego dos trabalhadores ligados ao setor produtivo dos produtos exportados, o secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Guilherme Cavalcanti, afirmou que o governo estadual estuda um plano de socorro aos setores afetados pela tarifa, com foco na preservação dos empregos e da renda.
“Através da nossa Agência de Fomento, a AGE, vamos disponibilizar uma linha de crédito, em sintonia com os outros instrumentos de financiamento nacionais, e estamos estudando a possibilidade de créditos de ICMS para alguns setores e a liberação de compensação desses créditos a partir também do Instituto de Impacto Fiscal”, detalhou o secretário.
Planejamento
Diante das dificuldades impostas, a economista Lytiene Rodrigues, mestre em comércio exterior e relações internacionais, defende que o momento é uma oportunidade para que os produtores iniciem a negociação com outros mercados consumidores interna e externamente. Além disso, ela reforça que o planejamento de crise e medidas que possam atenuar os efeitos do tarifaço na vida dos produtores são uma tarefa obrigatória.
“Numa circunstância dessa, quando se olha para cada produtor enquanto uma empresa, é preciso preparar um planejamento de contenção, de redução de gasto de curto prazo. Isso é importante para que, se no dia 6 a gente realmente tiver isso instituído e estabelecido, o produtor já saiba o caminho que deve seguir”, aconselhou.
Além disso, a economista alerta para que a aquisição de crédito pelos produtores só seja feita mediante a perda da produção, para que nas safras seguintes, o produtor não esteja comprometido financeiramente.
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