Por Osório Borba Neto
O noticiário de ontem deu conta de que Paulo Frateschi, ex-deputado e dirigente histórico do PT de São Paulo, morreu aos 75 anos, após ser esfaqueado em sua própria residência, no bairro da Lapa, zona Oeste da capital paulista.
Mas Frateschi era – foi – e será muito mais do que a linha quebrada que registra a frase fria de uma nota de redação, do que esse “aconteceu” que o jornal imprime.
Leia maisHá coisas que a gente encara neste mundo como quem encara o clarão de um raio no meio da madrugada: o clarão se acende, rasga a escuridão feito um corte de peixeira, e antes que o olho entenda, já acabou. Fica só o estampido, a noite mais negra que antes, e uma pergunta sem chão – como é que se explica o que não tem explicação?
A tragédia familiar que alcançou Paulo Frateschi é dessas que não obedecem à ordem do razoável, nem à gramática humana da justiça. O homem passou pelo porão da ditadura, pela máquina de tortura do Estado – e sobreviveu.
Saiu dos subterrâneos da História e foi despejado por militares, ainda jovem, no saguão do prédio da Folha de São Paulo. A vida o tinha poupado.
Mas há tragédias que não vêm do aparelho repressivo nem do inimigo político: vêm de dentro de casa, sem explicação, como vendaval que atravessa a janela sem anúncio. E essa é a mais cruel das ironias – às vezes o que a História não pega, o destino pega pelo avesso.
A morte, quando assim se dá – imprevista, abrupta, insensata – não mata só um corpo. Estilhaça também a alma. Rompe o cordão dos que ficam. A casa fica partida; os móveis permanecem inteiros, mas o mundo se quebra.
João Cabral diria que certas mortes não sangram vermelho: sangram areia seca – áspera, calada, poeira no meio da sala, poeira que ninguém varre, poeira que pesa no ar e entorta as vigas.
E Ariano lembraria que a gente é povo de fio, de reza, de promessa, que tenta, com palavra, amarrar o imenso. Porque há desgraças que só se sustentam no verbo – não para explicar, que explicação não há – mas para que a comunidade não se destrua sozinha diante do absurdo.
Quem já enterrou alguém a quem se ama sabe: há dor que não é espada – é faca cega. Não corta – rói.
Por isso, diante da morte de Paulo – tão impensável, tão absurda – ao invés de buscar lógica, talvez caiba só silêncio.
Deus escreve, sim, em linha torta; mas há coisas de Deus que doem infinito. Não tempera o choro, salga o pranto.
Há de se ter resiliência e esperança para que os que ficam possam, um dia, voltar a respirar sem culpa. Porque certas mortes – estas, sobretudo – não ferem só quem vai.
Ferem, mortalmente, os que ficam.
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