Recebi de um leitor a sugestão de escrever uma crônica diária, como a coluna do dia. Ele revelou que gosta dos meus textos reflexivos sobre o cotidiano. Mas crônica não é como uma coluna, rotina obrigatória, na qual dou minha opinião e trago informações em curtas notas.
Crônicas são extraídas do fundo do coração, da alma, das dores. Embora retratem acontecimentos do dia a dia, a narrativa provoca uma reflexão sobre o assunto abordado. Eu tenho um livro de crônicas, lançado em 2013: “Perto do coração”.
Leia maisJá li que a carta de Pero Vaz de Caminha foi a primeira crônica da literatura brasileira. Rubem Alves é o meu cronista preferido, mas firmei minha personalidade literária lendo Machado de Assis, Cecília Meireles, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Lima Barreto, Luís Fernando Veríssimo e Fernando Sabino.
Toda pessoa apaixonada é um cronista em potencial. Minha Nayla Valença é a razão das minhas crônicas mais frequentes e profundas, estalo da minha vida, ela e meus filhos. O amor é uma coisa íntima, mas todos nós temos a necessidade de torná-lo público.
É a nossa vitória contra a solidão. Assim como as torcidas de futebol comemoram seus títulos com buzinaços, foguetório e cantorias, também alardeamos nossa conquista pessoal, dividindo a alegria de ter alguém que faz nosso coração bater mais forte. Numa crônica, como esta, posso explicar que o amor deriva pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Mas, voltando à temática da crônica, cobrança do leitor, Rubem Braga disse que em todas as suas crônicas há um certo lirismo. Seus textos fluíam a depender dos estados de sua alma. Para o cronista, a alma é a essência, mas não é difícil descobrir que o cotidiano é marca da crônica, inclusive mais representativa e abrangente do que o lirismo.
Mais do que isso, seria possível desconfiar que o cotidiano se ergue como uma espécie de obstáculo para a expressão lírica e para o estatuto literário daqueles escritos, uma vez que o apego ao fato miúdo e às coisas corriqueiras representaria um distanciamento do processo de elaboração da linguagem ao qual o cronista deve recorrer.
Machado de Assis, o maior de todos os cronistas, se afina pelo tom das miudezas do cotidiano, onde acha a graça espontânea do povo, as fraturas expostas da vida social, a finura dos perfis psicológicos, o quadro de costumes, o ridículo de cada dia e até a poesia mais alta que ela chega a alcançar.
Foi lendo Machadinho que aprendi, dentre outras lições, que no dia a dia da luta devemos nos defender com um sorriso, atacar com o silêncio e vencer com a indiferença.
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