Por Wanderley Preite Sobrinho*
O Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil, o Funcap, existe, mas nunca foi usado — embora bastasse um decreto presidencial ou legislativo para isso. O fundo foi criado por lei em 2012 e aperfeiçoado em outra legislação de 2014. O objetivo é garantir dinheiro e facilitar as transferências de recursos da União para prevenir, socorrer e reconstruir cidades e estados após tragédias, como a que atingiu o Rio Grande do Sul neste mês.
Antes, em 1969, o Funcap já havia sido criado por decreto — mas nunca entrou em vigor. Em 2010, uma lei para tratar do repasse de dinheiro público para desastres revogou o fundo.
Leia maisAinda falta uma lei específica para tornar o Funcap viável. “A regulamentação foi acontecendo de maneira parcial, por diferentes alterações legislativas, mas ainda é preciso mais para que o fundo efetivamente funcione”, diz a advogada Fernanda Damacena, pesquisadora e especialista em direito em desastres.
A forma como o Funcap repassará a verba a estados, Distrito Federal e municípios precisa ser detalhada em uma nova lei. Também será preciso regulamentar a criação de um Conselho Diretor, que vai acompanhar, fiscalizar e aprovar a prestação de contas do fundo. “A forma de indicação dos membros do conselho também precisa de regulamentação”, diz a especialista.
O governo ainda estuda a regulamentação. A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil “permanece em tratativas junto a outros ministérios que possuem fundos em suas estruturas (…) no intuito de estudar a melhor forma de regulamentação do Funcap”, disse o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, em nota ao UOL.
O dinheiro do Funcap sairia principalmente das seguintes fontes: orçamento da União, doações de pessoas e empresas e multas por crimes ambientais. Com o fundo regulamentado, estados e municípios criariam também seus próprios fundos para receber o dinheiro do Funcap.
O Funcap pode acelerar a reconstrução de cidades após tragédias ambientais. O UOL mostrou que a União leva 39 dias para enviar dinheiro para ajuda emergencial, 102 dias para o envio de verba para restabelecer os serviços e 173 dias para emitir a ordem bancária para reconstruir a cidade.
O fundo também garantiria mais dinheiro para socorro. A verba enviada pela União para resposta imediata aos desastres tem sido insuficiente para metade das Defesas Civis municipais, independentemente do governo de turno.
Presidente pode regulamentar
A regulamentação pode partir do presidente ou do Congresso. “O caminho mais rápido é um decreto presidencial”, diz Damacena. “O problema é que decretos podem ser revogados por outro presidente.”
O Congresso também pode sugerir um decreto legislativo. Se aprovado em plenário, o texto não precisaria de sanção presidencial. Mas a forma mais segura — e demorada — é a aprovação de um projeto de lei, com necessidade de votação na Câmara e Senado e sanção do presidente.
O Funcap poderia centralizar as doações e evitar fraudes. A medida daria transparência a esses recursos, já que há suspeita de golpe por meio de doações para diferentes chaves Pix na tragédia do Rio Grande do Sul.
Leis não saem do papel
Depois das enchentes no RS, a Câmara votará nove projetos de prevenção a desastres na semana que vem. A maioria deles aguarda votação desde a década passada. “Somos ótimos em criar leis depois de desastres, mas não fiscalizamos o que fizeram com elas e, sem regulamentação, a lei não tem eficácia”, diz Damacena, que mora no RS.
O Parlamento historicamente destina pouca verba a desastres. As emendas parlamentares para prevenir e recuperar desastres em 2024 não passou de R$ 59,2 milhões até o início de maio, 0,13% dos R$ 44,7 bilhões em emendas reservadas a senadores e deputados, revelou o jornal Valor Econômico. “Mas depois da tragédia, eles direcionaram R$ 600 milhões para o Rio Grande do Sul. Por que não enviaram antes para prevenção?”, questiona a especialista.
De fato, o poder público gasta quase o triplo com impactos de desastres do que em prevenção. Como mostrou o UOL, a União repassou R$ 11,1 bilhões nos últimos dez anos para gerir as crises causadas por desastres naturais. Esse valor é quase o triplo dos R$ 4 bilhões que foram desembolsados no mesmo período para prevenir essas mesmas tragédias, informa levantamento do TCU (Tribunal de Contas da União).
*Jornalista do UOL
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