1. Construir governos a partir da honestidade estrutural
O Brasil, tantas vezes confundido entre improvisos, radicalismos e disputas estéreis, volta e meia precisa reaprender lições que nunca deveriam ter sido esquecidas. Uma dessas lições é a de Jarbas Vasconcelos. Não apenas por sua biografia política — duas vezes prefeito do Recife, duas vezes governador de Pernambuco, senador, deputado e figura central do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) —, mas pelo método, pela postura e pelo conjunto de princípios que orientaram sua trajetória.
Em um país em que muitos tratam a política como espetáculo, Jarbas tratava como obrigação ética e técnica. Por isso, sua obra se torna essencial para orientar a nova geração de prefeitos. O primeiro princípio que sempre guiou Jarbas foi o da honestidade estrutural. Não aquela honestidade proclamada aos quatro ventos, mas a praticada em silêncio, diariamente, como método de trabalho. Ele sabia que a pior crise de um governo não é a fiscal, nem a administrativa, mas a moral. Quando a integridade se perde, não há política pública que se sustente. Sua biografia demonstra que previsibilidade, confiança e respeito vêm antes de qualquer obra. Governos duram quatro anos; caráter dura uma vida inteira.
2. Substituir o palanque pela técnica
Em seguida, Jarbas defendia a técnica acima do palanque. Ele entendia que, uma vez acabada a eleição, terminava também a lógica do comício. Era quase um divisor de águas: se a disputa havia acabado, começava a engenharia da gestão.
Secretarias eram ocupadas por especialistas, e não por aliados improvisados; critérios eram objetivos, e não favores circunstanciais. Jarbas decidia com base em dados, diagnósticos e metas, jamais por impulsos momentâneos ou pressões que desvirtuassem o interesse público. Por isso, enquanto tantos municípios colapsam por amadorismo, ele mostrava que governar exige método, estudo e profissionalismo.
3. Planejar para décadas, não para eleições
Outro princípio permanente na vida administrativa de Jarbas era o planejamento, aquele compromisso com o futuro que não pode ser delegado ao acaso. Ele era incapaz de tratar obra pública como espetáculo momentâneo. Não requalificou o Recife Antigo para fotografias, mas para atravessar décadas.
Não ampliou estradas por estética, mas por necessidade estrutural. Nada acontecia sem estudo, sem projeção e sem cronograma. Sua inteligência administrativa estava justamente em enxergar o que muitos ignoravam: que governar exige ver além do mandato. Em um país onde tantos administram apenas para sobreviver politicamente, Jarbas governava para que o tempo validasse suas escolhas.
4. Fazer da transparência um método de governo
Transparência era outro componente fundamental. Para Jarbas, se uma decisão não pode ser explicada, ela simplesmente não deve ser tomada. Era assim que ele organizava prioridades, enfrentava pressões e mantinha o governo coeso.
Sua relação clara com orçamento, contratos e prioridades fortalecia a confiança pública e reduzia tensões internas. Ele compreendia que a transparência verdadeira não é propaganda, mas ferramenta de legitimidade. Prefeitos modernos deveriam reaprender essa lição: quando o cidadão entende o porquê das escolhas, até os sacrifícios se tornam compreensíveis.
5. Governar com respeito às instituições
Fazia parte do seu estilo também o respeito institucional. Jarbas sabia que governantes que brigam com as instituições perdem a capacidade de governar. Por isso mantinha postura madura diante da imprensa, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, do Legislativo e dos conselhos.
Não agia como quem teme fiscalização, mas como quem valoriza controles, porque sabe que instituições fortes geram governos fortes. Essa maturidade explicava a estabilidade política que o acompanhou: respeito traz previsibilidade; previsibilidade traz confiança; confiança gera capacidade de realização.
6. Valorizar conselhos como inteligência de governo
Essa visão institucional se estendia ao respeito aos conselhos municipais e estaduais. Jarbas nunca tratou conselhos como obstáculos, mas como centros de inteligência social e política. Eles ampliam visão, equilibram interesses, legitimam decisões e reduzem erros.
Ao fortalecer conselhos de saúde, educação, assistência, mobilidade e cultura, Jarbas ensinou que a democracia não se faz apenas no voto, mas na rotina da gestão compartilhada. Prefeitos modernos que negligenciam os conselhos costumam se perder em decisões solitárias; Jarbas fazia do diálogo uma fortaleza.
7. Entregar obras que fiquem em pé depois da política
Para além disso, Jarbas via a obra pública como permanência, não como propaganda. Ele tinha plena consciência de que o governante se reconhece não pelo número de inaugurações, mas pela durabilidade das soluções que entrega.
Obras estruturais sobrevivem às gestões; obras cosméticas morrem com elas. Por isso tantas intervenções de Jarbas seguem de pé, enquanto tantas obras midiáticas desaparecem com o tempo. Esse princípio deveria ser regra na gestão moderna: construir para permanecer, não para aparecer.
8. Exercitar a civilidade como forma de poder
Sua postura também revelava outro princípio: a civilidade como forma de poder. Em um ambiente político marcado por gritos, ele se destacava pela serenidade. Sua autoridade vinha do exemplo, não do confronto.
Era firme sem ser agressivo; forte sem ser hostil; líder sem ser beligerante. Num Brasil cada vez mais ruidoso, Jarbas provava que o silêncio eficiente vale mais do que qualquer discurso inflamado. Prefeitos que confundem liderança com violência retórica deveriam observar a eficácia de sua elegância.
9. Praticar austeridade responsável para sustentar políticas públicas
Além disso, defendia a austeridade responsável. Jarbas tratava o orçamento público com seriedade. Não gastava mais do que podia, não prometia o que não podia cumprir e não sacrificava áreas essenciais.
Sua austeridade não era ausência de políticas sociais; era precisamente o que garantia sua continuidade. Ele compreendia que contas equilibradas não são opção, são pré-requisito para qualquer política pública real. A máquina pública, para funcionar, exige responsabilidade, e não improvisos.
10. Colocar o município no centro da democracia brasileira
Por fim, talvez o princípio mais profundo: o municipalismo. Jarbas sabia que o Brasil não acontece em Brasília, mas nas cidades. É na prefeitura que a criança estuda, o doente busca atendimento, o cidadão se locomove, trabalha e convive. É no município que as políticas públicas tocam a vida real.
Sem municípios fortes, não há Estado forte; sem Estados fortes, não há federação sólida; sem federação sólida, não há democracia verdadeira. Jarbas defendia os municípios porque compreendia que o poder local é o coração do país. E essa compreensão o diferenciava de todos os demais.
CONCLUSÃO
Ao revisitar os princípios que moldaram a trajetória de Jarbas Vasconcelos, percebemos que não estamos diante de um legado político comum, mas de uma filosofia inteira de governo. Ele mostrou que governar é um ato de respeito ao futuro e que cada decisão tomada no presente é, na verdade, uma assinatura deixada na vida de milhares de pessoas. Jarbas ensinou que liderança pública não se afirma pelo volume da voz, mas pela força da coerência; não pela pressa das promessas, mas pela calma das entregas; não pela guerra dos discursos, mas pela paz das realizações que mudam a vida real.
Num país tantas vezes ferido por improvisos, paixões rasas e vaidades barulhentas, Jarbas provou que é possível fazer política com integridade, serenidade e grandeza. Suas escolhas continuam de pé porque foram feitas com base em valores que não envelhecem. Prefeitos que desejam honrar o cargo que ocupam encontrarão nesses dez princípios não um roteiro rígido, mas uma bússola confiável, capaz de orientar cada passo.
Que os gestores do presente saibam reconhecer, no exemplo de Jarbas, uma convocação moral: governar é servir, é cuidar, é proteger. E que, ao término de cada mandato, possam olhar para trás com a mesma consciência tranquila que guiou Jarbas ao longo de toda a sua vida pública. Pois a verdadeira política, aquela que constrói e emancipa, só existe quando o governante decide ser maior do que a própria circunstância.
*Advogado, diretor e fundador do Instituto IGEDUC
inacio.feitosa@igeduc.org.br
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