Por Bruno Boghossian
Da Folha de São Paulo
Jair Bolsonaro ouviu “não” dos comandantes do Exército e da Aeronáutica mais do que uma única vez. O relatório final do inquérito do golpe mostra que o então presidente buscou quatro vezes a adesão da dupla. Em certo momento, ele tentou driblar os chefes militares para seguir adiante com a trama.
O brigadeiro Baptista Júnior contou que, até 14 de novembro de 2022, o então presidente parecia “resignado com o resultado das eleições”. Naquela data, Bolsonaro convocou os comandantes para apresentar o relatório contratado pelo PL para pedir a anulação das eleições.
O primeiro “não” foi ouvido ali. O chefe da Aeronáutica relatou ter dito a Bolsonaro que o estudo “não tinha embasamento técnico”. Baptista Júnior e o general Freire Gomes, comandante do Exército, afirmaram que o então presidente sabia que a auditoria do Ministério da Defesa não havia encontrado sinais de fraude nas urnas.
Leia maisMesmo sabendo que os militares não endossariam a tese da eleição roubada, Bolsonaro não desistiu. Freire Gomes e Baptista Júnior relataram ao menos dois encontros no Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro e numa data não informada, em que o capitão apresentou o decreto que concretizaria o golpe de Estado. O chefe do Exército disse que, numa das reuniões, ameaçou prender Bolsonaro se ele fosse adiante.
Houve uma nova tentativa em 14 de dezembro. Os comandantes foram chamados pelo ministro da Defesa para analisar uma nova versão do decreto, “enxugada” por Bolsonaro dias antes. Os dois chefes afirmaram à PF que se recusaram a avaliar o texto.
No meio do caminho, Bolsonaro ainda testou as chances de uma traição dentro da caserna. No dia 9 de dezembro, chamou o comandante de Operações Terrestres do Exército e perguntou se ele poria as tropas na rua. O general Estevam Theophilo topou, de acordo com a PF.
Numa das muitas conversas emblemáticas descobertas pela PF, um coronel reformado reclama, quase no final de dezembro, da resistência dos comandantes ao golpe e sugere a organização de “uma reunião petit comité”. “Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião. Tem que ser a rataria”, afirma.
A rataria sempre esteve dentro do Palácio da Alvorada e em postos de comando: desde Theophilo, os militares que elaboraram um plano terrorista e o comandante da Marinha (que ofereceu apoio ao golpe) até o presidente da República e os generais Braga Netto e Augusto Heleno.
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