Da Folha de S.Paulo
A Procompesa (associação dos empregados do grupamento superior da Compesa) acionou o Tribunal de Contas de Pernambuco com um pedido de medida cautelar para suspender o leilão de saneamento no estado, previsto para o dia 18 de dezembro.
O documento aponta inconsistências no edital de concessão, e cita superestimativa nos índices de atendimento de esgotamento sanitário em diversas cidades. Segundo a representação, os dados distorcem a realidade econômica do projeto, o que fabricaria pedidos de reequilíbrio de contrato pela empresa vencedora logo após o leilão, já que os investimentos necessários para universalizar o serviço seriam maiores que os planejados.
Leia maisEm nota, a Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos do Estado de Pernambuco disse que tomou ciência da representação e que ela é improcedente, “conforme será apresentado ao Tribunal de Contas”.
“O projeto em questão foi submetido a amplo processo de participação social, com mais de mil contribuições, aprovação pelas duas microrregiões de água e esgoto e análise prévia do Tribunal de Contas do Estado”, acrescentou.
O pedido de cautelar cita um levantamento que identificou inconsistências em 66 municípios, onde os índices de cobertura de esgoto iniciais seriam significativamente maiores do que a realidade.
Os dados do edital contrastam, inclusive, com um diagnóstico de 2019 encomendado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e que consta junto aos documentos do projeto de concessão. O banco foi um dos responsáveis pela modelagem do leilão.

O caso mais emblemático citado pela associação é de Serra Talhada. O edital afirma que o atual índice de atendimento de esgoto no município de 92 mil habitantes está em 86,05% — praticamente universalizado. Mas o diagnóstico do BNDES fala em 0% e destaca que “o município não conta com sistema de esgotamento sanitário.”
Problemas parecidos são apontados em Poção e Ibimirim — todos com cobertura próxima a 80% no edital, mas que o diagnóstico de campo da consultoria contratada pelo BNDES indica 0%.
O leilão de saneamento de Pernambuco abrange 175 dos 185 municípios do estado. O projeto prevê R$ 19 bilhões em investimentos e divide a área de concessão em dois blocos. A empresa que assumir será responsável pela distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto; a Compesa (estatal de saneamento) vai continuar responsável pela produção e venda de água tratada para a concessionária.
O pedido de cautelar destaca que os indicadores no edital são a base para a construção das propostas financeiras de um leilão, fundamentando projeções de receita, investimentos e despesas operacionais.
Por isso, a associação estima que as divergências gerariam um desequilíbrio de R$ 2,9 bilhões para a concessionária que assumir o contrato.
A Procompesa diz ainda que, se o leilão ocorrer sem correções, haverá pedidos de reequilíbrio contratual logo no primeiro ano, o que poderia implicar aumento de tarifa ou custos para o orçamento do estado.
O presidente da associação, Anderson Quadros, afirmou que chamaram a atenção alguns municípios constarem com cobertura quase universalizada. Segundo ele, o mais provável é que os dados do edital tenham se baseado em informações do Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), plataforma do governo federal que é alimentada pelos próprios municípios e prestadores de serviços.
“Como é autodeclaratório, as informações não são historicamente confiáveis”, afirma. “A suspeita é de que alguns municípios tenham confundido rede de drenagem pluvial com rede de esgotamento sanitário”, acrescenta.
No caso de Serra Talhada, Anderson afirma que a Compesa não opera nenhum sistema de esgoto na cidade e não fatura nem sequer R$ 1 com esses serviços.
À Folha, a secretária de planejamento e gestão de Serra Talhada, Joana Alves, disse que o município construiu tubulações de coleta de esgoto —trabalho que, segundo ela, deveria ser atribuição da Compesa, mas nunca foi executado. Ela confirmou, porém, que não há nenhum tratamento.
Questionada se não teria havido confusão entre rede de drenagem e de esgoto, a secretária disse que a tubulação foi construída com a intenção de coletar os efluentes e que, prova disso, é que não há esgoto correndo a céu aberto na cidade. “O município informa [ao Sinisa] que é rede coletora de esgoto, porque a rede coleta o esgoto. Pode até ir na mesma rede a água de chuva, mas a intenção não é essa”, afirma.
Mesmo na hipótese de que o município tenha feito por conta própria uma rede de coleta de esgoto, a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) definiu em normativa que o índice de atendimento de esgoto (IAE, na sigla) deve ser calculado pelo percentual de domicílios atendidos com rede seguido de tratamento ou solução alternativa. Ou seja, para ser considerado atendido, é preciso haver tratamento posterior.
Especialistas em saneamento consultados pela reportagem disseram ser comum haver erros na alimentação de dados do Sinisa por parte das prefeituras e que isso é um dos atuais desafios dos projetos de concessão pelo país.
Para o deputado Pedro Campos (PSB-PE), Pernambuco corre o risco de passar pelo mesmo problema da Cedae no Rio de Janeiro. As concessionárias que venceram o leilão da capital fluminense em 2021 entraram com pedidos de reequilíbrio financeiro logo nos primeiros anos de operação depois de identificar discrepâncias em relação aos dados do edital — como índice de perdas muito superior ao dos documentos.
“Depois a conta sobra para o consumidor, que tem que pagar mais caro e ver o horizonte de universalização mais longe”, afirma. O deputado é funcionário licenciado da Compesa e irmão do prefeito do Recife, João Campos, principal opositor da governadora Raquel Lyra (PSD).
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