Por Fernando Castilho*
Samantha Vitena Barbosa, de 31 anos, uma professora de inglês, foi retirada à força por três agentes da Polícia Federal de um avião da Gol que iria de Salvador a São Paulo, na noite desta sexta-feira (28), por “ameaçar a segurança do voo”.
A suposta ameaça foi identificada pelo comandante da aeronave depois que ela se negou a despachar sua mochila, onde estava o seu laptop – com os dados de sua pesquisa de dissertação. Ao ser despachada, a mochila e o equipamento corriam o risco de ser danificados no porão.
Leia maisA despeito da professora, com a ajuda de passageiros, ter encontrado no compartimento da aeronave um espaço para a colocação da mochila, a ação foi classificada como “ameaça à segurança do voo”.
Samantha Vitena Barbosa é negra e seu confronto com a tripulação acabou virando o principal tema do noticiário deste final de semana, até porque ela documentou a atitude decorrente da atitude do comandante para sua tripulação e teve, ainda dentro da aeronave, a solidariedade dos passageiros.
Isso de nada adiantou. Pela legislação, o comandante de uma aeronave comercial tem o direito de, em nome da “segurança do voo”, determinar procedimentos às suas equipes, convocar a Polícia Federal para atuar e, se necessário, retirar o passageiro do voo.
O despacho de malas no porão é um motivo recorrente de estresse entre passageiros e companhia aéreas em todo o mundo, não só por questões de segurança do voo, mas pela tendência natural do passageiro em viagens de trabalho não despachar sua mala, de modo a sair o mais depressa possível do terminal.
Esse, antes de qualquer coisa, era o motivo de Samantha Vitena Barbosa se recusar a despachar sua mochila: não precisar esperá-la na área de recuperação de bagagens. Mas apesar de seus questionamentos, o episódio mostra como, devido à falta de treinamento e uma enorme dose arrogância, procedimentos simples podem destruir todo o trabalho de imagem de uma companhia aérea.
Agora, a GOL terá que conviver com uma onda de protestos, a começar pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde a passageira é mestranda em Bioética da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), classificando o incidente como racismo e violência contra a mulher, pela forma de tratamento dispensada a ela dentro do voo, pela tripulação.
A Fiocruz não está sozinha. Aliás, no episódio, quem está sozinha é a Gol e sua tripulação. A empresa, além do desgaste de imagem, vai precisar acionar seu departamento jurídico para demandas judiciais que dezenas de entidades ameaçam contra a empresa.
A Gol é uma empresa com ações em Bolsa e na esteira das novas regras de governança criou, e pôs na sua página na Internet, todo um compromisso com o respeito às pessoas, onde diz que “Conflitos de interesses são situações em que os interesses particulares do indivíduo ou de alguém a ele relacionado possam se sobrepor aos interesses da Companhia”. E que “a simples aparência de um conflito de interesses pode ser prejudicial à imagem da GOL ou à do Terceiro.”
Nada disso foi observado pela tripulação do voo, que jogou no lixo aquilo que a empresa diz a seus clientes e acionistas sobre “Jeito de Ser e de Fazer GOL é sustentado por comportamento íntegro e conduta ética. Essas atitudes ou comportamentos nos conectam ao propósito de ser a Primeira para Todos.”
O Código de Ética da GOL diz que “Somos iguais por sermos todos diferentes.” E que em respeito a isso, “a GOL tem a diversidade em seu jeito de ser e de fazer, e cada vez mais busca o fortalecimento em nossos relacionamentos pautados pelo respeito”.
A questão de fazer chegar na ponta as determinações de ESG, acrônimo do inglês, Environmental, Social and Governance, que se refere a uma grande tendência e uma necessária resposta das empresas frente aos desafios da sociedade contemporânea, tão em moda entre as companhia no Brasil e no mundo.
E como é grande a distância entre o que a corporação entende como importante e o caminho que isso exige, até que seja uma prática incorporada pelos seus funcionários. Ano passado, a empresa chegou a divulgar um “Manifesto de Diversidade”, com a constituição de grupos de afinidade com agenda de trabalho anual fechada em pautas sobre os temas: Equidade Racial, Equidade de Gênero, LGBT+, Acessibilidade, Gerações e Meio Ambiente.
Não é razoável, sob qualquer argumento, que a presença de uma mochila acomodada na cabine de um avião comercial seja considerada uma “ameaça à segurança de um voo”. E como sempre acontece, a empresa foi obrigada a produzir textos que apenas agravam a situação como o que ela distribuiu.
“A GOL informa que, durante o embarque do voo G3 1575 (Salvador – Congonhas), havia uma grande quantidade de bagagens para serem acomodadas a bordo e muitos clientes colaboraram despachando volumes gratuitamente. Mesmo com todas as alternativas apresentadas pela tripulação, uma cliente não aceitou a colocação da sua bagagem nos locais corretos e seguros destinados às malas e, por medida de segurança operacional, não pôde seguir no voo”.
Talvez fosse mais adequado a empresa pedir desculpas pelo incidente e chamar seu comandante e sua tripulação para um ciclo de palestras internas e lembrar que a companhia tem, ao menos publicado na sua comunicação oficial, um conjunto de ações de Ética e Compliance que exige como está escrito se utilizar de “ferramentas de monitoramento e auditoria para identificação de fragilidades e desvios.”
Dificilmente a GOL, que recentemente publicou uma informação de que passou a oferecer novas funções para os seus clientes junto com Alexa, a inteligência artificial da Amazon, vai se recuperar diante do público.
Ficará, ao menos por um bom tempo, conhecida como a companhia que expulsou de um de seus aviões uma mulher negra, pesquisadora, por ter se recusado a colocar no porão de cargas o seu notebook onde estavam os dados de sua pesquisa.
O que reforça o risco de como empresas que não começam pela base os procedimentos básicos de ESG facilmente são colocadas na lista de suspeitos de estarem apenas fazendo o chamado greenwashing, a prática de camuflar ou omitir informações sobre os impactos dos processos organizacionais e que tem relação com propaganda enganosa divulgada por ONGs, governos ou empresas privadas.
*Colunista do JC
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